Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 22
Planos




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Com o cheiro do almoço sendo preparado por dona Ana, Tyler despertou.

Mais cedo, naquele dia, ele havia treinado com seus tios e teve que retornar antes do que esperava pois tinha torcido o tornozelo. Seus pés foram enfaixados pela avó que espalhou uma pomada caseira, feita de ervas, para aliviar a dor, o que não havia impedido o membro de inchar um pouco. Seu breve descanso de recuperação fora interrompido por sua irmã, que lhe trouxe algumas respostas e talvez uma ideia do que fazer.

Levantou, e ao colocar o pé no chão, sentiu um pouco de dor. Olhou em torno procurando algo para apoiar e nada encontrou.  Sem escolha, resolveu tentar levantar-se por uma segunda vez e ir mancando até o próximo cômodo.

A cozinha não era muito grande, com apenas alguns armários  estrategicamente alocados para facilitar a locomoção no cômodo e, no fundo, havia uma dispensa que, no momento, encontrava-se aberta. Uma mesa ficava próxima a janela, para que dona Ana pudesse distrair-se observando o vilarejo enquanto cumpria seus afazeres e do lado dela, encontrava-se um fogão a lenha de onde vinha o cheio que Tyler tinha sentido.

A senhora estava tão distraída cortando alguns legumes que nem percebeu a presença do neto e levou um susto quando Tyler puxou um velho banco de madeira para sentar.

— Você não deveria estar fazendo esforço, garoto! Assim esse pé não vai melhorar. - brigou dona Ana numa mistura de sermão com preocupação.

— Não é nada grave e além disso, eu não queria incomodar. Só espero que consiga andar direito o quanto antes.

— Por que essa pressa? Os seus treinos podem esperar. Seus tios me disseram que você foi um tanto quanto desleixado essa manhã e por isso está desse jeito.

— Ah, aos poucos vou pegando o jeito. Foi a primeira vez e não vai se repetir. - disse Tyler com tom de brincadeira. - Da próxima vez vou ter mais cuidado, pode deixar!

Dona Ana assentiu com a cabeça e continuou cortando os legumes que precisava para terminar o almoço e deixou o silêncio pairar. Tyler aproveitou que o assunto anterior tinha acabado para iniciar outro que, de fato, tinha interesse em saber.

— Vó, tem algo que eu gostaria de saber... - Tyler estava com a voz mais baixa do que de costume. Apesar de estar sendo abrigado por dona Ana, ele não se sentia muito a vontade, ainda mais para ter conversas mais sérias.

— Pode falar, não precisa ficar acanhado, meu filho. - dona Ana percebeu o receio do neto.

— É sobre os Caçadores do Rei. Minha mãe me contou a história de como começou, mas eu gostaria de saber como exatamente funciona essa parceria.

— Parceria? - dona Ana deu uma risadinha. - Não acho que essa seja a melhor palavra. Está mais para uma prestação de serviços oficializada.

— O que você quer dizer com isso?

— Quando os guerreiros reais de Balchmont não dão conta de um serviço, eles pedem nossa ajuda. Ganhamos algumas recompensas do rei, porém nada além disso. - respondeu dona Ana. - Não é como se fôssemos obrigado a aceitar todos os pedidos, porém essa é uma vila de caçadores. E caçadores caçam, não é? Além disso, eles permitem que façamos o que quiser com o que for caçado e isso tem lá suas vantagens.

— Então quer dizer que se pedissem a ajuda deles para algum tipo de caçada, digamos assim, eles recusariam? - Tyler estava curioso para a resposta dessa pergunta.

— Não sei te dizer, na verdade. O que posso lhe afirmar é que, assim como nós, eles também não possuem obrigação de nada. Talvez aceitassem para manter uma relação positivo com o vilarejo. - a senhor estava percebendo segundas intenções nas perguntas no neto. - Posso saber por que o interesse repentino nisso?

— A princípio, só a nível de curiosidade mesmo. Afinal, estou aqui e gostaria de entender como funcionam as coisas. Informações sempre são bem vindas. - Tyler não achou que  sua avó acreditaria em sua respostas, mas também não queria ter que se explicar no momento. - Mudando se assunto, você sabe onde está Clair?

— Saiu com Dahlia um pouco antes de você chegar. Devem estar por aí ou quem sabe já possam estar até voltando.

— Vou atrás delas! Pretendo voltar antes desse almoço ficar pronto. Pode me esperar! - virou as costas e saiu, ainda mancando.

— Você não deveria sair por aí com esse pé machucado. - mas na verdade sua preocupação maior não era com o pé, e sim com o que se passava na cabeça daquele menino.

 

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Tyler perguntou para todo mundo que viu se sabiam onde Clair se encontrava, sempre recebendo uma resposta negativa. Demorou para perceber que assim como ele não conhecia as pessoas, era muito provável que elas também fizessem ideia de quem sua amiga era. Assim, mudou a estratégia e resolveu perguntar sobre Dahlia e rapidamente obteve resultados contrários. Foi informado que a caçadora tinha ido até a casa dela e ele, então, perguntou as direções de como chegar lá.

A caminhada, de fato, levou mais tempo do que deveria. Estar andando por aí com o tornozelo torcido já era um esforço físico que seria melhor evitar, então preferiu não se arriscar com passos mais rápidos e permaneceu mancando vagarosamente, atraindo olhares dos habitantes de Valmees, até chegar à casa de Dahlia.

A porta estava entreaberta, mas ele não sabia se deveria ir entrando sem permissão. Ele nunca fora visitar Dahlia antes e nem ao menos tinha certeza de que ela estava em casa. Não queria encontrar algum parente dela e causar má impressão dessa forma.

Subiu os dois degraus da entrada que o levaram a um estreito alpendre, de onde escutou algumas vozes. Não conseguia entender sobre o que estavam falando, mas identificou as vozes de Dahlia e Clair. Havia mais uma voz, mas essa ele tinha certeza que nunca tinha escutado antes.

Deu duas batidas leves na porta anunciando rapidamente sua chegada. As vozes se calaram, e ele não esperou uma resposta para entrar.

— Com licença. - disse meio sem graça quando viu que todos olhavam para ele. - Desculpa chegar desse jeito, mas eu precisava falar com Clair e me disseram que ela estava aqui.

— Como você pode ver, aparentemente te deram a informação correta. - rebateu Dahlia. - E falando em informação, tem algo que precisamos lhe contar...

— Ah, que bom, porque tem algo que eu preciso contar também. - interrompeu. - Vou ser breve, eu prometo!

— Então fala logo, garoto! O que você precisava tanto contar que te fez sair assim desse jeito? - perguntou Clair apontando para o pé enfaixado.

— Amber está bem! Está segura!

— O que?! - Clair surpreendeu-se com a notícia. - Como você pode ter tanta certeza assim?

— Elly, a minha irmã, sabe? Então, ela veio falar novamente comigo através de um sonho. Disse que conseguiram, junto com Amber, escapar da prisão. - notou uma expressão confusa no rosto da amiga. - Antes que pergunte, sim, elas foram raptadas pela mesma pessoa.

— E onde ela está?  Por que ela não volta? - Clair queria fazer muitas perguntas, mas sabia que deveria ir com calma.

— Esse é o problema, eu não sei onde ela está. Elly disse que elas acabaram de escapar e foram abrigadas por um rapaz que encontraram no caminho. Já estava escuro e ela não conseguiu me dar muitos detalhes. Mas creio que ela não pretende voltar tão cedo, porque pretende ajudar a resgatar a mãe das minhas irmãs que ainda está aprisionada.

— Esperem um pouco. - disse o dono da terceira voz que Tyler não havia reconhecido. - Primeiramente, eu sou Cassius, pai da Dahlia. E você deve ser Tyler. Já ouvi algumas coisas sobre você. E, pelo visto, possuímos algumas coisas em comum. - disse mostrando sua perna e rindo, tentando quebrar todo aquela intensa euforia causada pela notícia repentina.

— Isso é hora de fazer piadas, pai? - Dahlia rebateu inconformada.

— Realmente, não é. - respondeu Cassius. - Mas vamos com calma, porque o hoje o dia está cheio de novas descobertas e precisamos de tempo para assimilá-las. Então, meu jovem, se não se importa, por que não nos coloca a par do ocorrido? - puxou uma cadeira para Tyler se sentar.

— Bom, é uma longa história... - Clair sussurrou.

Pela primeira vez, Tyler estava compartilhando sua história com estranhos e por algum motivo estava sentindo-se confortável em fazer isso. Tentou cobrir todos os aspectos de forma breve. Não falou sobre seu pai e sua mãe, pois acreditava que Dahlia e Cassius soubessem até bem mais do que ele. Contou sobre Elly e suas conversas através dos sonhos, do rapto de Amber, do amuleto deixado de presente pelo seu pai e como e porquê ele tinha parado em Valmees.

— Muito bem, que bom que todos estão salvos no fim das contas. Mas o que você pretende fazer agora? Algo me diz que isso não acaba por aqui. -  completou Cassius.

— Se elas ainda tem que resgatar a mãe, eu pretendo ajudá-las. Não posso deixar que elas entrem naquela prisão sozinhas novamente. - afirmou Tyler.

— E você acha que você e sua inexperiência vão ser de grande ajuda? - ironizou Dahlia.

— Não pretendo ir sozinho. Sei que não ajuda o suficiente.

— Não somos, você quer dizer. - contestou Clair. - Ou você acha que você iria sem mim? Ainda, eu acho que não seria de muita utilidade também.

— Calma, eu acho que tenho um plano. - explicou Tyler. - Conversei com minha avó e ela me explicou sobre a relação com o reino de Balchmont. Os caçadores daqui vem prestando serviços pra lá faz tempo. Além disso meu pai foi um dos cavaleiros do rei. Combinando tudo isso acho que, talvez, consigamos uma ajuda extra.

— Então além de você está contanto com a ajuda dos caçadores daqui você ainda vai tentar recrutar ajuda do reino de Balchmont? Você acha que é fácil assim? - retrucou Dahlia.

— Na verdade faz um pouco de sentido. - ponderou Cassius. - A ajuda dos caçadores daqui será mais fácil de conseguir, visto que seus tios são responsáveis pelo treino. Agora, a coisa não funcionará de forma tão simples lá em Balchmont. Eles não vão ajudar qualquer um que chegar requisitando por auxílio.

— Vocês druidas costumam acompanhar caçadores quando possuem assuntos em outros reinos, não é mesmo? Talvez se algum de vocês fossem junto adicionaria um pouco de credibilidade. - propôs Clair

— É, acho que eu posso acompanhar vocês. - Dahlia se ofereceu.

— E você acha que o rei levaria a sério as palavras de uma jovem caçadora? - ironizou Tyler. Ele gostava de aproveitar as chances que tinha pra dar o troco pelas vezes que Dahlia zombava dele.

— Acho que tem ele razão, filha. - Cassius concordou para a infelicidade da filha. - Mas acho que consigo resolver isso. Como cuidamos da parte burocrática, acho que posso fazer um pedido oficial e vocês farão o papel de mensageiros. Claro que nada é tão simples, e eu tenho que ver se os caçadores daqui estão de acordo.

— Já é muito mais do que eu tinha em mente. Obrigado. - disse o jovem garoto.

— Mas o que adianta termos ajuda se ainda não sabemos para onde ir? - lembrou Dahlia.

Tyler esboçou uma expressão de confusão, pois isso realmente era um empecilho para seu plano. Ele só conhecia o local pelo que Elly havia mostrado e isso não era muito.

— Você disse que você viu pelo sonho. Talvez esse livro possa nos mostrar o que você viu... - disse Clair ao ver que o amigo estava sem reação.

Ele não entendeu ao que ela estava se referindo e não levou muito tempo até que Clair explicasse a funcionalidade daquele livro. Mostrou a página com a foto de Artie, arrancando um olhar de raiva de Tyler.

— Não adianta! - informou Cassius. - O grimório só funciona com lembranças sua. Ele está vinculado a você e não pode ser preenchido por informações de outros. - viu quando Clair e Tyler suspiraram em decepção. - Mas não significa que seja a única solução.

— O que você quer dizer com isso? Como vamos a um local que nem sabemos onde fica? - questionou Clair.

— Não subestime nosso vilarejo. Em nossas caçadas, já tivemos que ir a lugares bem distantes. Assim fomos capazes de mapear e coletar informações sobre locais que vocês nem imaginam. - explicou Cassius. - Se ele conseguir detalhar o que viu, é possível que consiga dizer onde é que elas se encontram.

Sem pensar duas vezes, Tyler respirou fundo e tentou lembrar de tudo o que tinha visto. Apesar não achar que seria de grande ajuda, começou os relatos pela prisão para que pudesse ir falando do que lembrava do caminho. Fez menção da formação rochosa que ocorria pela localidade onde elas tinham encontrado Shane e de quanto andaram. Lembrou que o percurso aparentava uma certa aridez e somente quando chegou próximo ao local das tendas conseguiu escutar o som do que lhe parecia ser água corrente.

Cassius pensou por alguns instantes. Algumas coisas que Tyler havia relatado pareciam bastante esclarecedoras e fundamentais para a identificação do local. Se retirou do cômodo rapidamente deixando os três jovens curiosos a respeito do motivo de sua saída. Quando retornou, estava com um papel enrolado nos braços.

— Venham aqui! - chamou Cassius

Os três direcionaram-se até a mesa, onde Cassius tirava alguns objetos de cima criando espaço para que ele pudesse mostrar o que desejava. Mesmo assim, a folha ocupava quase a mesa inteira e foi necessário colocar alguns objetos para servirem de peso para que evitar que as extremidades enrolassem.

— Eis aqui o mapa do continente de Archinsel, e nós estamos aqui. - e posicionou o dedo num canto ao sudeste da região e foi guiando até um ponto no extremo norte. - E aqui é onde vocês farão sua primeira parada.

— O reino de Balchmont! - afirmou Dahlia que conhecia aquela parte do mapa.

— Agora vamos ao que nos interessa. - iniciou Cassius. - Ao que tudo indica, pela forma que Tyler descreveu o terreno, só existe um lugar em Archinsel com tais características. - e moveu seu dedo para uma região a oeste de Balchmont, fazendo movimento circulares no local que gostaria de mostrar.

— E onde exatamente por aí devemos ir? - questionou Clair. - Você não nos disse um lugar fixo e sim uma direção.

— Creio que isso será o suficiente. Os povos que habitam essa parte do continente são nômades, assim fica difícil dizer com precisão onde estão localizados. - explicou o druida. - Porém, não existem muitos habitantes e tenho certeza  que não será difícil de encontrar.

— Você tem certeza que é lá mesmo que temos que ir? - perguntou Tyler.

— No início, fiquei em dúvida quando você falou da prisão. Nos últimos relatos que tivemos, a única construção que existia, estava em ruínas. - e mostrou o local no extremo oeste do mapa, perto de uma cadeia montanhosa. - Mas isso faz muito tempo, então muita coisa pode ter mudado. Fora isso, foi o único lugar que me veio a mente.

Tyler assumiu um ar otimista, pois finalmente estava conseguindo traçar o caminho para seu objetivo. Tinha demorado a decidir no que devia dar prioridade e, aos poucos,  clareou a mente e decidiu o que tinha que fazer.

— Vou mandar uma carta para minha mãe para avisar a tia Heather que já temos ideia do paradeiro de Amber. E eu gostaria de mandar essa imagem de Artie junto, para que eles fiquem alerta caso ele apareça novamente. - disse o garoto.

— E quando você pretende partir? - perguntou a jovem caçadora.

— Assim que eu puder andar sem ter que ficar mancando.

— Sei bem como é isso. - brincou Cassius.

— Mas você não estava treinando com seus tios? - prosseguiu Clair.

— Não temos tempo a perder. Se tivermos a ajuda que pretendemos conseguir, não teremos problemas. Sabemos o suficiente para sobreviver. - respondeu otimista. - E, falando em perder tempo, já devemos estar atrasados para o almoço. Estão convidados, se quiserem. Tenho que dizer que o cheiro estava muito bom quando eu saí.

— Sua avó tem fama de ser excelente cozinheira mesmo. - afirmou Cassius. - Mas irei dispensar o convite dessa vez, tenho bastante coisa para fazer aqui. Sinta-se livre para ir, se quiser, filha.

Tyler se despediu de Cassius e agradeceu pela ajuda fornecida. Foi andando a passos lentos até a porta, onde lembrou-se de uma coisa.

— Ei, pelo que me lembro vocês disseram que tinham algo a me falar também.

— Ah, é que... - iniciou Dahlia numa voz trêmula.

— Que eu descobri para que servia o livro que minha mãe me deu, como eu já lhe mostrei. - interrompeu Clair, lançando um olhar de repreensão para a outra jovem. - Muito útil, por sinal.

— Realmente. Pelo menos assim você vai poder reproduzir o mapa que acabamos de ver e não ficaremos perdido no caminho. - respondeu Tyler já saindo da casa de Dahlia.

Clair concordou prontamente com o amigo e deixou que ele tomasse a dianteira até a casa de dona Ana. Ela sabia que conseguiria alcançá-lo em pouco tempo.

— Por que você não falou para ele? - questionou Dahlia assim que Tyler saiu.

— Nós finalmente estamos progredindo aqui, não precisamos de mais drama desnecessário. - rebateu Clair. - Você não fez nada de errado em ajudar alguém que achava que estava perdido. Mas se acha que fez, considere você ir com a gente uma forma de retribuição pessoal da sua parte e não precisaremos mais tocar nesse assunto por enquanto.

Dahlia assentiu com a cabeça e viu quando Cassius reproduziu o mesmo gesto em concordância. Ela se despediu do pai, e seguiu rumo ao almoço na casa de dona Ana.


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