Morangos escrita por AyalaOM


Capítulo 1
Conto 01 - Tudo bem?


Notas iniciais do capítulo

Avisos: Linguagem imprópria.



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Eu odeio encontros em família. Eu odeio porque eles gostam de fingir que se preocupam com você, quando só querem foder com você – e não no literal, digo.

Mas particularmente hoje eu percebo que o conceito de família está errado. Que todo mundo só é ligado pelo sangue, não pelos princípios, que aqueles que deviam se importar com a merda da minha vida – e talvez da sua, se a sua família for dessas “abençoadas” – são os primeiros a apontar o dedo e esculhambar. Claro, porque falar é fácil. Quero ver fazer.

Então você pode dizer “Nossa Ana, como você é escrota!”, mas eu juro que tenho um motivo para dizer cada uma das palavras que eu disse para a tia Onilda e acredite se quiser, quem perguntou foi ela. Não dizem que quem pergunta quer saber? Eu acho que ela queria.

Era um dia quase tão tranquilo quanto os anteriores. Quase porque encontros familiares – sendo mais exata, visitas – me estressam. Sempre foi assim. Nunca gostei deles, por isso quase não os faço.

Eu havia decidido mudar de casa faz um tempo. Dois meses? Três? Deve ser por aí. Eu estava me afundando na merda, logo eu, 22 anos e enchendo a cara de cachaça pra ver se relaxo um pouco das injustiças que estou vivendo.

− Está tudo bem com você, minha filha? – Lá vem a tia Onilda querendo fofoca, na certa. Mas sabe, eu tô cansada de ser a chacota.

Deixe que digam, que pensem, que falem. Não é o que o Lulu Santos costuma cantar naquela canção? É isso mesmo, acho que quando vamos ficando velhos, vamos entendendo essas canções de gente velha haha.

− Sabe tia, eu podia mentir. – Comecei a falar e sabia que ia dar em merda, mas honestamente e perdão pelo linguajar, foda-se. – Mas hoje eu não tô muito a fim?! É que preciso estudar sabe? Mas meus pais não entendem isso, acham que eu sou a empregadinha doméstica deles, só pode!

Eu vi seus olhos arregalarem com a surpresa e sabia que mamãe ia querer o meu coro, mas eu não tenho mais 12 anos para temer isso. Ela não queria tudo de mim? Aqui estou eu, aberta como um livro.

− Não, eu não deixo de fazer nada em casa, mas o mínimo que eles podem fazer é me dar apoio. E nem é do financeiro que estou falando, tô falando daquele apoio que vem lá do fundo da alma, de um “obrigado” quando faço um favor ou de um “Boa sorte!” sincero.

Eu suspirei.

− Estou cansada disso. Não quero me matar, mas eu quero deixar isso para trás sabe? E o pior é que parece que até as paredes conspiram contra mim. Preciso me levantar, preciso criar coragem para viver a minha vida um pouco longe deles.

Eu me sentei no sofá e ela seguiu meu movimento, copiando-o. Eu continuei falando:

− Minha mãe já tem aposentadoria garantida, é funcionária pública e apesar das peripécias que ela apronta, desejo tudo de bom para ela. Meu pai… bem, emprego garantido ele tem, com um pouco mais de dificuldade, mas tem. Então porque diabos eles não veem o meu lado?

− Quer dizer, − Eu tomei uma respiração, queria explicar meu lado. − Eu sei que eles já não tem obrigação, sou uma adulta, mas custa ajudar? Nem é de um curso que eu preciso, consigo estudar sozinha, sabe? Tudo o que eu queria era paz. Só isso. Desde que eles se separaram que eu não tenho isso, parece que seus problemas vão me sufocar a qualquer momento. Eu me sinto presa. Pior do que isso, porque pelo menos os detentos tem alguma paz, eu não.

− Então me chega a minha mãe, ela acha que a vida dela é complicada? Tá difícil com o namorado? Termina e arruma outro então. Poxa, eu sou a filha e a única que ganha desconfiança, claro porque a filha vagabunda dela que saiu de casa com o namorado e voltou grávida merece todo o respeito e uma ovação de palmas, não eu a que estuda e nunca deu uma dor-de-cabeça para ela, mas a vagabunda, sabe tia?

Tomei mais uma respiração, me levantando do sofá. Continuei:

− E honestamente, eu estou tão cansada de tudo isso. Cansei da mesquinharia de todos vocês, cansei da falsidade, cansei de tudo. Eu só quero viver a minha vida e sabe do que mais?

− Não. – Ela respondeu-me num fio de voz.

− Eu vou conseguir. Mais dia ou menos dia eu consigo. Vou passar nesse concurso, ganhar 3 mil e pouquinho e viver dignamente, sabe por que tia Onilda?

− Por que? – A voz dela continuava trêmula, dei-lhe um sorriso de desafeto.

− Porque eu sei que daqui a uns 20 anos quando a minha mãe precisar de um filho, ela não vai procurar a vagabunda com o filho marginal, ela vai procurar a filha que se fudeu inteira para sair de casa, mas tem estabilidade financeira. E ela sabe que eu vou abrir as portas da minha casa, eu nunca cuspi no prato que comi e não começarei de hoje, mas sabe tia, isso me faz pensar em como a minha vida é uma bosta. E eu podia te dizer que sim, eu tô bem, mas eu não tô. E não se preocupe, eu vou ficar. Mais dia ou menos dia, eu fico.


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Notas finais do capítulo

A princípio eu pensei em postar isso no meu blog. Era um desabafo, na realidade. Mas depois eu pensei comigo mesma e decidi que queria escrever isso como um diálogo e postar aqui porque de uma maneira ou de outra, isso estaria na coletânia final, então que seja.
Espero que gostem (?), apesar de ser um self-insertion e claro, comentem aí seus desabafos =)
Beijinhos ^^~



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