Murmúrio do tempo escrita por slytherina


Capítulo 6
Viagem no tempo


Notas iniciais do capítulo

"Olhe o tempo, pegue o tempo, vire o tempo, mude o tempo, faça o tempo bom pra viver. Toda hora, todo o dia, toda a vida, toda a história, tem o tempo que tem que ter." Aventura no tempo - 9 Volts.



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1.

 

— Espere aí … você falou em … futuro? — Donegan estava confuso e incrédulo. Aquele homem estranho parecia conhecê-lo, mas falava bobagens.

— Sim! Um futuro muito distante. E acredite em mim quando lhe digo que você nunca deverá voltar lá. — Cassidy afastou-se dele e foi em direção ao ôvo metálico. Pensou por um momento se deveria contar tudo ao outro jovem. Talvez não. O outro sem dúvida enlouqueceria se soubesse da catástrofe iminente. Afinal ele transportara a bactéria da peste negra consigo, através da viagem no tempo para o futuro, selando assim o destino da raça humana, que não estava preparada para tamanha letalidade, e nem tinha antibiótico forte o bastante para combatê-la.

— Por que não? O que há no futuro?

— Morte. A extinção da raça humana. Aqui, neste tempo e lugar, você tem mais chances de ser feliz.

— E você, também fugiu desse futuro?

Cassidy refletiu sobre a pergunta. Ele também viera do futuro e não deveria voltar pra lá. Sabe-se lá que germe destrutivo e primevo ele seria portador? Que ironia! O futuro com suas doenças desenvolvidas em laboratório, com suas vacinas e superantibióticos, suas superbactérias resistentes a tudo, mas não ao sabão e anti-sépticos, não eram páreo para as bactérias do passado, que se propagavam com a sujeira e ignorância.

— Sim, mas a minha missão é destruir essa máquina. Ela é muito perigosa. Ninguém deve voltar para a era de onde eu vim. — Cassidy apontou para o ôvo metálico.

— E como o fará?

Cassidy olhou compenetrado para Donegan e a seguir para o artefato de viagem no tempo. Os dois estavam conectados de alguma forma. Talvez não pudesse destruir um sem matar o outro, e talvez essa fosse a chave para desativar essa máquina infernal. Não … não podia seguir este tipo de raciocínio, não quando ele mesmo tinha sua parcela de culpa, ao remover o "ôvo" da Irlanda e levá-lo para a América. Ele não mataria Donegan.

— Eu ainda não sei, mas pensarei em um modo. Por agora, penso que será melhor ficarmos por aqui.

Cassidy pensava que talvez não fosse preciso matar Donegan, mas apenas impedi-lo de voltar ao futuro, e o melhor a fazer era demovê-lo da idéia quando ela aparecesse, ao desesperar-se pela doença de sua futura esposa.

— Estive pensando em explorar os arredores, encontrar outras pessoas. Terei que deixar este … "ôvo" aqui, mas se ele é tão perigoso, não podemos deixá-lo á vista. Teremos que enterrá-lo. — Donegan falou pragmático.

— De acordo.

Ambos então enterraram o ôvo e plantaram mudas de plantas para demarcar o local, que ficou parecendo um santuário ou uma sepultura.

Os dois seguiram seu caminho no dia seguinte. Passaram por riachos, florestas e estradas de terra batida. Algumas carroças passaram por eles, mas ninguém lhes deu uma carona, ou algum tipo de ajuda, porque deveriam achar que fossem salteadores. Cassidy inclusive impediu Donegan de prostrar-se na estrada para fazer as carroças pararem.

Chegaram alguns dias depois, a uma aldeia que circundava um imponente castelo. Disseram aos sentinelas que eram viajantes de terra longínqua tentando começar nova vida por ali. A comunicação era difícil, mas Cassidy tinha alguma noção lingüística, e identificou aquele como sendo um dialeto de gaélico antigo.

Foram hostilizados a princípio, mas quando uma mulher chamada Dílesh lhes ofereceu água, Cassidy pareceu lembrar-se de algo. Ele cochichou ao amigo.

— Diga a ela que se chama Cardotyn.

— Por que?

— Por que ela gostará de você.— Cassidy fez uma careta para incentivar o outro.

Donegan aproximou-se de Dílesh e apontou para o próprio peito falando "Cardotyn". A mulher riu-se dele e abaixou os olhos brejeira, então se afastou, olhando de vez em quando para trás, para vê-lo novamente.

— Cassidy, deu certo. Acho que ela gosta de mim. O que afinal de contas significa "Cardotyn"?

— Algo como "aquele que dorme ao luar durante a noite, e é banhado pela luz do sol durante o dia, enquanto recebe alimentos graciosamente, dados pela generosidade e misericórdia alheia".

— O que? Você fez eu me chamar de mendigo? O que ela pensará de mim agora? — Donegan exasperou-se.

— Ela vai se apaixonar. Acredite em mim. — Cassidy riu do amigo.

2.

O tempo passou. Escorreu pelos dedos das mãos. Poderoso moldador do corpo e da alma. Donegan, agora chamado Cardotyn, casou-se com Dílesh. Tiveram filhos e viviam tranqüilos e singelamente, como aldeãos. Cassidy transformou-se em uma espécie de sábio. Um xereta, segundo os aldeãos. Um preguiçoso, segundo os artesãos, e um mistificador, segundo os curandeiros da corte.

Cassidy envolvia-se em tudo, e tentava melhorar a vida de todos com idéias e artefatos estranhos e inúteis, pois não precisavam deles. Tentara ensinar as crianças a ler, mas ninguém no reino via utilidade para isso. Tentara criar aparelhos para arar, cerzir, e conservar alimentos, mas todos rejeitaram essas inovações, pois eram contrárias às suas tradições. Por fim, ele se limitou a observar, catalogar e escrever intermináveis pergaminhos, que ele mesmo fabricava.

O amor também veio para ele, na forma de uma adorável mocinha de nome Sharona. Ele se enamorou de sua ingenuidade, intuitiva sagacidade e pertinente senso prático, que o ajudava a evitar confusões por ser estrangeiro numa terra de homens brutos, que não davam muita atenção à conversa fiada.

Ela o iniciou nos rudimentos de sua religião, e até o levou aos sábios da floresta. Eram druídas e viviam em comunhão com a natureza. Tinham sua própria mitologia na qual acreditavam, que explicava coisas na terra, no fogo, na água e no ar. Havia inclusive uma lenda conhecida apenas pelos iniciados na religião, sobre um herói que viajava em um ôvo de águia dourado, que tinha o poder de rasgar o véu da imortalidade, para visitar reinos distantes, e pessoas em diferentes estágios de suas vidas. Cassidy ficou muito interessado por tudo aquilo. Por esse motivo passou a freqüentar mais e mais o lar dos druídas.

Um belo dia ele tomou a resolução de partir. Talvez ele não voltasse ao futuro, no quartel general dos militares, talvez ele fosse parar em um período de tempo anterior, onde a lenda do herói surgira. Ele tinha curiosidade e o instinto de cientista a atiçá-lo, e além do mais, ele sabia o que iria acontecer no futuro imediato naquela região, e como nada do que fizesse iria impedir Cardotyn de tentar voltar ao futuro, a não ser matá-lo. Pensando assim, ele decidiu partir na máquina do tempo.

Aproximou-se de Cardotyn e sua família. Ajudou nas tarefas domésticas, e quando o amigo se feriu durante o trabalho no campo, ele ajudou a limpar o ferimento. E ninguém percebeu quando guardou o trapo sujo de sangue do amigo. Pois somente o DNA do amigo ativava a máquina.

Ele se despediu de sua chorosa amada, e a liberou para juntar-se a outro homem. Em seguida partiu para o lugar de sua chegada. Desencavou o ôvo metálico e usou o trapo sujo de sangue para abri-lo. Uma voz as suas costas o assustou.

— Decidiu partir sem me avisar? — Cardotyn falou-lhe.

— Sharona lhe contou, não foi?

— Sim.

— Poderia ao menos ter me ajudado com a escavação.

— Não! Estava cansado da viagem para ver se o alcançava, antes de partir. Além disso, o trabalho físico faz bem ao seu corpo.

Cassidy sorriu.

— Você não disse que no futuro só há destruição e morte? Por que quer voltar pra lá, amigo? — Cardotyn inquiriu curioso.

— Há uma pequena chance de que eu não vá para o futuro, mas para um outro lugar, ainda mais longe no passado. Vou tentar minha sorte por lá. — O que Cassidy não falou, embora pensasse, foi "E evitar que você tente salvar sua mulher, quando a hora chegar".

— Você é um tolo. Todos na aldeia te admiram e gostam de você. Deram até um título: Cassidy, o impertinente. — Ambos riram. — Sharona o ama verdadeiramente. O que pode ser mais importante do que o amor e bem-estar de sua alma-gêmea?

"O fim da humanidade, talvez." Cassidy pensou.

— Você me conhece, eu sou um cientista. Não consigo me acostumar a uma vida doméstica. Não posso ficar preso a um mesmo lugar por tanto tempo. — Cassidy deu um sorriso maroto.

— Está mesmo decidido a partir, não é? — Cassidy balançou a cabeça afirmativamente. — Tudo bem. Prometa que voltará se as coisas derem errado, ok?

— Sem dúvida. Até mais, amigo!

Eles se abraçaram. Cassidy entrou no ôvo e passou o trapo ensangüentado nas paredes do artefato, que se fechou instantaneamente. A seguir ele levitou rodopiando e sumiu em pleno ar, como se o ôvo metálico tivesse se dissolvido e transformado em farelos minúsculos, varridos pelo vento do outono. Cardotyn não conseguiu evitar algumas lágrimas. Tinha certeza que esta fora a última vez que vira o amigo.

Ele não se recordava inteiramente dele e de sua vida passada, como se tivesse realmente nascido e iniciado sua vida quando veio parar nesta terra esquecida pelo tempo. Todavia, aprendera a conhecer e amar Cassidy como a um verdadeiro irmão, durante os anos que passara se adaptando à vida na aldeia. Não entendia porque ele quisera partir, mas respeitava sua vontade.

3.

O tempo passou. Muitos anos depois da partida de Cassidy, a peste negra chegou naquelas terras. As fronteiras foram fechadas, porém não impediu o avanço da doença. Muitos morreram, inclusive o rei. Cardotyn transformou-se no curandeiro real e também construiu um hospital. Sua amada Dílesh faleceu, mas não suas crianças. Ele lamentou amargamente não ter uma máquina do tempo, para viajar ao futuro e trazer medicamentos para aquela gente. Talvez até pudesse salvar sua amada. Por último, lembrou-se de Cassidy e sua fuga anos antes da desgraça chegar. Ele teve certeza que de alguma forma, o amigo sabia o que ia acontecer. E isso o magoou profundamente. Sentiu-se traído e abandonado. E mais, culpava o amigo pela morte de sua esposa. Nunca o perdoaria por isso, tinha certeza.

Duas décadas antes destes acontecimentos, um ôvo metálico materializou-se nos céus da idade média, e um homem chamado Miles Cassidy, foi expelido ou fugiu de seu interior. Infelizmente já havia um ôvo metálico por ali, talvez o mesmo. Dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo, não é verdade? E dois objetos não podem existir ao mesmo tempo embora em espaços um pouco distantes. Por isso, o segundo ôvo metálico foi expulso daquele espaço-tempo, em direção ao futuro.

Ele foi em direção ao futuro, em local previamente ocupado, mas em decorrência da instabilidade espacial e temporal de sua última paragem, ele foi atraído pelo conjunto genético que ativava suas engrenagens. O ôvo metálico foi atraído para Louis Donegan, em sua prisão no futuro.

O artefato oval materializou-se em plena cela solitária, e o infeliz viajante do tempo não esperou um convite formal. Antes que seu cérebro pudesse processar o que ocorria ou as implicações históricas ou bio-cataclísmicas de seu ato, ele abriu e entrou no ôvo, ativando suas engrenagens pelo toque. O artefato metálico levitou, rodopiou e sumiu em pleno ar. E o cientista Louis Donegan nunca mais foi visto em vida, a não ser em registros magnéticos de um banco de dados.

Conta a lenda druída que uma enorme águia pôs um ôvo de ouro em um ninho de folhas verdes, na mais alta montanha, esquecida dos homens e de animais perigosos. Desse ôvo nasceu um herói. Ele era sábio e forte, mas um tanto confuso e excêntrico. Ajudava a todos e fazia muitos prodígios. Curiosamente, ele não quebrou o ôvo de onde nasceu, pelo contrário, o ôvo de ouro era sua casa e seu carro, com o qual viajava pelos ares, podendo ir a diferentes reinos e diferentes partes do tempo, para frente e para trás. E isso era uma coisa terrível e formidável, o que despertou a ira de outros deuses, que resolveram puní-lo. Mas isso é uma outra lenda, que não contarei aqui.

A certeza nisso tudo é que o ôvo metálico materializou-se novamente, muito tempo no passado, no coração de uma montanha. O pobre homem que de lá saiu, gastou sua vida inteira escavando sua saída de lá, e entendendo seu destino e condenação. Ao abrir o caminho para sua liberdade, ele se deparou com um precipício, de onde não havia saída, a não ser caindo para a morte.

Ele ainda tentou voltar para a máquina do tempo, mas uma das inúmeras falhas naturais da caverna construída por ele o subjugou, aprisionando-o e condenando-o a morte. Seu último pensamento foi para sua amada, e o quanto fora tolo por trocá-la por uma viagem no tempo.

 


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