Além de Irmandade escrita por Dricca


Capítulo 7
Falling in shopping


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal. Este capítulo, na realidade, fazia parte do capítulo passado, como um só. Mas iria ficar gigantesco, então eu decidi terminar o dia do capítulo anterior neste capítulo aqui.
E eu queria agradecer de coração pela recomendação (a coisa mais fofa) que o Lord Boleyn fez pra Além de Irmandade. Muito obrigada, fiquei muito feliz quando li!
É isso, boa leitura, gente. Espero que gostem! :)



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Acordei de bruços com alguém chacoalhando meus ombros e uma sensação estranha de déjà vu.

— Luca, acorda! — Daniel falava. — Já são oito da noite, vamos ao shopping.

— Amanhã nós vamos — falei sonolento.

— Nós vamos hoje — Daniel pegou uma almofada e começou a bater forte com ela em minha cabeça. — Eu deixei você dormir a tarde toda, preguiça!

— Ai! — reclamei. — Tá bom, só pare de me bater com isso.

Depois de acordado, subi até meu quarto para vestir um jeans e calçar meus tênis. Estava com uma preguiça dos infernos de sair, mas assim que pisei para fora de casa e respirei aquele ar de noite de verão enquanto esperava Daniel trancar a porta, eu me senti um pouco mais animado.

Pegamos o carro de Amora, já que o do meu pai tinha ficado no estacionamento exclusivo do aeroporto porque Daniel tinha ficado com preguiça de buscá-lo e eu ainda não podia nem sabia dirigir. E antes de chegarmos até o shopping, vimos um banco no caminho e decidimos fazer o pagamento dos convites lá. Quinze minutos depois, Daniel e eu já estávamos subindo as escadas rolantes do estacionamento para o térreo.

— Tá, e agora? — perguntei com as mãos nos bolsos traseiros, fitando o lugar novo ao redor.

Pelo que tínhamos visto no Google Maps e pelo que o pessoal falava na escola, aquele era o melhor shopping da cidade, e era realmente satisfatório que ficasse a menos de vinte minutos de casa. Era grande e bonito.

— Agora a gente faz compras, idiota — Daniel começou a caminhar pelo corredor.

O segui irritado até uma loja no fim do corredor. Eu não estava a fim de ficar fazendo compras com Daniel. Eu me sentia um pouco constrangido quando andava ao lado dele, porque ficava me lembrando do que tinha acontecido de madrugada. O bom de ser sempre distraído demais é que me ajudava a conseguir agir até que normalmente, porque de repente começávamos a conversar ou a brigar e eu me esquecia de ficar envergonhado, já que me esquecia do que tinha acontecido. É claro que estar meio bêbado naquela hora facilitava para que agora tudo parecesse um sonho distante, mas eu não estava tão bêbado assim, e ainda me lembrava muito bem do que tinha acontecido, com todos os detalhes. E nessas horas de silêncio isso preenchia meus pensamentos, e a imagem de Daniel com a mão dentro da minha calça ficava se repetindo, e repetindo...

— Luca, acorda! — olhei depressa para Daniel, que tinha uma pilha de camisetas e calças nas mãos. — Vê se para de ficar sonhando e escolhe alguma coisa pra você.

— Eu já tenho roupa — falei.

Daniel revirou os olhos.

— Qual é o seu tamanho?

— M — respondi, olhando em volta.

— O meu também é M — comentou ele.

— E você ainda me chama de nanico — encarei Daniel. — Mas nossos tamanhos são iguais.

— É, mas ao contrário de você, eu preencho as mangas das camisetas — ele riu.

— Que engraçado — falei sério.

— O que é que você tem? — ele perguntou, notando meu mau humor.

— Nada — falei. — Vou olhar as camisetas ali.

Dei as costas para ele e comecei a olhar as araras, sem realmente prestar atenção. Quando Daniel entrou no provador eu fugi da loja e apenas comecei a andar depressa. Sequer notei para onde estava indo. E estupidamente comecei a pensar na minha vida dali para frente, entrando num daqueles momentos de desespero emocional, pensando se eu aguentaria conviver com Daniel durante muito mais tempo. Eu queria que ele sumisse, mas ao mesmo tempo não. Eu realmente não sabia o que pensar.

Quando encontrei a livraria do shopping, no segundo andar, me senti um pouco aliviado. O cheiro de livrarias era como calmante para mim. Depois de algum tempo observando as prateleiras eu me lembrei de que o cartão estava com Daniel, e que se eu quisesse algum daqueles livros teria que pedir para ele. Uma onda de desânimo passou pelo meu corpo.

— Luca? — ouvi alguém me chamado e olhei para trás.

— Vitor — falei surpreso; ele estava com outro garoto que eu nunca tinha visto, parecia mais velho. — Oi.

— Esse aqui é o Vinícius, meu irmão — Vitor disse depois de me cumprimentar, apresentando o cara mais velho; sorri para ele com um aceno de cabeça, notando que os olhos castanhos e o nariz eram mesmo iguaizinhos os de Vitor. — E Vini, esse é o Luca, o garoto novo de quem eu te falei — Vinícius me devolveu o sorriso.

— Por que você não foi pra aula? — Vitor quis saber.

— Eu tava cansado por causa do casamento do meu pai — respondi.

— Ah, é mesmo, você tinha falado alguma coisa sobre isso na sexta-feira — Vitor sorriu. — Como foi lá?

— Foi... — pensei um pouco; não tinha uma resposta exata para descrever como tinha sido aquela festa de casamento. — Legal. Eu ganhei minha primeira ressaca.

Vitor soltou uma risada.

— Veio sozinho pra cá? — ele perguntou naturalmente bem humorado, eu gostava dessa tranquilidade dele.

— Na verdade eu tô com o Daniel — falei, deixando transparecer o meu desânimo. — Ele vai dar uma festa no fim de semana depois desse e veio comprar umas roupas.

— E ele te arrastou junto, pelo jeito — Vitor sugeriu, olhando-me como se soubesse o quanto isso podia ser desanimador, mas também como se só estivesse se divertido com essa ideia, sem se importar.

— É — afirmei. — Eu não queria vir, mas ele acabou me convencendo, ou seja, me bateu com uma almofada até eu concordar em me levantar do sofá pra poder vir com ele.

— Muito sutil — ele sorriu divertido.

Mesmo assim eu sabia que, na verdade, ter vindo com ele fazia parte da chantagem que Daniel estava fazendo comigo sobre não contar sobre a gente.

— E os pais de vocês não acham ruim uma festa logo que se mudaram? — dessa vez foi Vinícius quem perguntou, ele estava com os olhos pregados nos meus, parecia interessado. Talvez ele quisesse ir à festa.

Sorri sem jeito por um momento, eu era um pouco tímido para falar com desconhecidos, mas assim como Vitor, seu irmão passava uma tranquilidade despreocupada que tornava fácil de encará-lo nos olhos.

— Na verdade eles não sabem — respondi, apesar de não querer parecer irresponsável; sabia que Vitor era um bom garoto e Vinícius deveria ser responsável também. — Estão em Miami pra lua de mel e Daniel meio que se aproveitou disso; eu não impedi porque tanto faz pra mim, com tanto, é claro, que eu não me dê mal depois.

— Daniel é o seu irmão? — ele quis saber.

— Quase isso — tentei explicar. — Ele é filho da mulher do meu pai.

— Ah, entendi — ele positivou com a cabeça.

Antes que o silêncio reinasse e as coisas se tornassem meio constrangedoras, resolvi continuar a falar sobre a festa.

— O Daniel provavelmente vai fazer uma lista de convidados, já que ele mandou fazer uns convites, e eu vou te colocar lá, Vitor — olhei para ele, que sorriu animado. — E como ele mandou fazer uma quantidade gigantesca de convites, caso ele conheça mais alguém depois da encomenda — dei uma risada, já que aquilo era ridículo. — Então se você quiser ir, Vinícius — olhei para o irmão do Vitor. —, fique a vontade — dei de ombros, queria ser educado e convidá-lo também. — e pode levar alguém, se quiser.

— Seria legal — ele sorriu. — Sinto falta dessas festas de colégio sem motivo — ele ajeitou o cabelo dando uma risada; pelo jeito era um mal de família ser risonho. — O pessoal da minha turma de faculdade não é lá muito animado.

Vitor soltou um risinho.

— Ele faz Letras, e as pessoas são mais fechadas na turma dele – Vitor explicou.

— Ah — assenti, olhando para sorriso de Vinícius. — Bom, se vocês decidirem levar mais alguém, é só você me avisar na escola ou me mandar uma mensagem, Vitor — falei.

Ele assentiu prestes a falar alguma coisa, mas assim que ouvimos a conhecida voz do Daniel gritar o meu nome da entrada da livraria, ele ficou em silêncio, e como eu, olhou para a direção do moreno que entrava na loja.

Ele carregava três sacolas daquela loja que tínhamos entrado por primeiro, da qual eu acabei fugindo.

— Não acredito que você me deixou pra trás — Daniel disse ao se aproximar de mim, depois olhou para os irmãos e perguntou para mim quem eram eles.

Pigarreei um pouco constrangido, já que Daniel não fazia muita questão de ser simpático, ou tentar fingir, pelo menos.

— Gente, esse aqui é o Daniel — falei para os dois irmãos. — E Daniel, esse aqui é o Vitor, que anda comigo na escola, e o irmão mais velho dele, o Vinícius.

— Ah, oi — Daniel sorriu, parecendo um pouco mais agradável. – O Luca já convidou vocês pra a festa?

— Já, sim – Vitor respondeu tranquilo.

— Que bom — ele disse indiferente e então se virou para mim. – Por que você fugiu?

— Porque eu não quero ficar fazendo compras com você, Daniel — respondi o mais calmo que consegui, o que não foi muito. – Eu te disse que já tenho o que vestir.

— Mas você é burro, mesmo — ele debochou. — Minha mãe e o Tony deixam um cartão de crédito à disposição, e você não quer aproveitar?

— Eu quero usá-lo pra comprar uns livros que eu vi aqui — falei simplista, cruzando os braços.

— Livros, Luca? — Daniel fez uma careta.

— Qual o problema? — franzi o cenho emburrado.

— Você cheira a chatice.

— E você a delinquência.

Ouvi, então, Vitor soltar uma risada e logo olhei para ele. Vinícius e ele pareciam estar se divertindo vendo Daniel e eu discutindo. Aquilo me deixou morrendo de vergonha, Daniel me fazia perder a noção das coisas certas para falar em público, ou mesmo até particularmente.

— Vocês são ótimo juntos — Vitor zombou.

Daniel soltou uma risada maliciosa e eu só pude sentir minhas orelhas ficando quentes, ainda bem que eu estava com o cabelo solto por cima delas.

— Nós precisamos ir, Vico — disse Vinícius conferindo o relógio de pulso, chamando Vitor pelo apelido.

— Tchau, gente — Vitor se despediu com um sorriso divertido e, colocando as mãos nos bolsos do moletom, me encarou insinuante — Boa sorte com as compras.

Ele realmente estava se divertido com minha desgraça.

— Vou precisar mesmo — falei sem humor, o que só fez Vitor dar mais uma risada.

— Até mais — disse Vinícius com um aceno para mim e Daniel, guiando o irmão para fora dali.

Acompanhei com os olhos os dois até a saída, e depois olhei para Daniel, que me encarava feio.

— O que foi agora? — cruzei os braços novamente.

Daniel revirou os olhos. — Precisamos comprar suas roupas, vamos — ele deu um jeito de agarrar meu braço e me puxou, começando a caminhar em direção à entrada, mas eu me desvencilhei do seu toque, irritado, fazendo-o estagnar e olhar impaciente para mim.

— Eu quero comprar uns livros — revelei. — E quero o cartão de crédito pra isso — estendi a mão em sinal de que estava esperando que ele o entregasse para mim.

— Por que você não experimenta comprar algumas roupas em vez desses livros? — Daniel insistiu.

— Por que você tá insistindo tanto com isso? — perguntei irritado. — Você não tem nada a ver com a minha vida! Se eu quiser, posso me vestir com um saco de batatas nessa festa, merda; eu realmente não entendo por que você tem que se meter... — respirei fundo passando a mão nos cabelos. — Eu não sei o que você tá pensando sobre mim depois de ontem... Mas você não pode me tratar como se eu fosse uma criança, ou como se você tivesse alguma responsabilidade ou controle sobre mim; você não tem nada disso, você ainda é um estranho pra mim, e eu não suporto esse seu jeito desde o começo. Eu queria não precisar olhar pra sua cara todo dia.

Daniel observou-me indiferente por um tempo, não pude ler sua expressão impassível, então apenas esperei por sua reação, enquanto acalmava minha própria respiração. Eu sabia que tinha sido grosseiro, mas eu estava com uma grande aversão a Daniel desde o dia anterior, ou melhor, desde que, depois de me acordar, ele agiu como se aqueles beijos de madrugada tivessem servido apenas para me fisgar para ele, como se depois daquilo eu precisasse fazer tudo o que Daniel esperava que eu fizesse.

E se ele pensava que podia fazer isso comigo, estava muito enganado. Só porque eu nunca tinha beijado nenhum garoto antes de Daniel, não significava que eu precisava segui-lo como um cachorrinho a partir dali, ao contrário do que parecia que ele estava achando. E eu precisava colocar minha raiva para fora. Preferiria que não fosse naquela livraria, onde as pessoas pudessem ouvir e olhar de forma estranha, como estavam de fato fazendo. Queria que pudesse ter sido em casa, queria correr para o meu quarto e ficar lá.

Daniel então colocou as sacolas de compras no chão, procurou por algo em seus bolsos e quando encontrou o cartão de crédito me entregou, mantendo a mesma expressão séria de sempre. Apenas peguei o cartão, sem saber como agir, já que jurava que ele iria dar uma de chato como sempre e brigar comigo, ou qualquer coisa assim.

— Compre os seus livros — ele finalmente disse algo, e era muito difícil adivinhar o que ele estava pensando pelo seu tom de voz. — Eu vou te esperar na praça de alimentação, se você não se importar; tô só com aquele prato de nuggets o dia inteiro.

— Não — falei um pouco atordoado. — Não me importo, eu também tô com fome.

— Tá — ele disse, pegou suas sacolas e saiu; seus passos estavam um pouco duros, única coisa que transpassava algum sentimento da parte dele.

Pisquei algumas vezes e me virei para as prateleiras da livraria, dando um sorrisinho de canto.

Comprei cinco livros. Meu pai ganhava bem, e por mais que eu quisesse sair comprando até encher as mãos de sacolas, eu iria, com certeza, me sentir culpado depois por abusar da bondade do meu pai e de Amora, por deixar o cartão conosco. O problema foi quando passei pela sessão de papelaria. Eu não pude resistir. Sempre gostei de desenhar, criar quadrinhos e escrever contos. Na minha antiga casa eu tinha um mural onde pregava minhas fotos, desenhos e pinturas; e um cantinho cheio de lápis coloridos, tintas, blocos de desenho e todo esse tipo de coisa. Pensei que seria legal comprar alguns itens para reinventar o mural no meu quarto atual, que era quase todo branco, para deixar ele mais aconchegante.

Depois de pagar, segui com minhas também três sacolas para a praça de alimentação. Tentei não demorar muito na livraria, mas acabei ficando uns vinte minutos lá. Procurei Daniel com os olhos quando cheguei até a praça, mas não o achei. Havia muitas pessoas e muita movimentação. E eu não tinha nem o número do celular dele para ligar e perguntar onde é que ele estava. Fiquei parado o procurando por cerca de dois minutos, até que o enxerguei caminhando até mim.

— Decida o que vai comer — Daniel disse quando chegou perto. – Eu vou comprar pra nós dois enquanto você fica cuidando das nossas coisas, pode ser?

Daniel não costumava falar coisas como “pode ser?”; ele adorava usar imperativos comigo, mas eu, com certeza, não estava achando ruim.

— Aham — olhei em volta, procurando algum restaurante interessante até que avistei o Burger King, com um leve interesse. — Onde você vai pedir?

— BK — ele respondeu, parecia impaciente.

— Peça pra mim o mesmo que você então — disse cansado. — Eu tô com preguiça, além de que e nós geralmente temos o mesmo gosto para comida, com exceção dos tomates; não peça nada com tomate pra mim.

— Certo — ele estendeu a mão. — O cartão.

Cacei o cartão de crédito no meu bolso e o entreguei. Daniel o pegou, apontou onde estavam suas coisas e fui me sentar lá. E sete minutos depois ele segurava nossa senha, nós dois quietos, olhando para qualquer coisa menos para cara um do outro – pelo menos eu estava tentando evitar encará-lo.

Comecei a ficar impaciente. Eu não sabia se ele estava ou não bravo comigo por aquela pequena discussão na livraria, então só decidi falar o que eu estava pensando para tentar decifrar algum sentimento pelo tom da voz dele.

— Na minha cidade eu não precisava de senha no Burger King — falei, suspirando impaciente.

— O que confirma que esse é melhor shopping — Daniel deu de ombros. —, já que em plena segunda-feira esse lugar tá lotado desse jeito.

— É, faz sentindo — tamborilei os dedos na mesa, era difícil adivinhar o que Daniel pensava.

— Eu vou ao banheiro, rapidinho — Daniel falou, deslizando o papel que segurava em minha direção. – Aqui a nossa senha, preste atenção.

— Ok — peguei o papel, observando Daniel mais que depressa sair de vista.

Comecei a achar que ele estava de saco cheio de olhar para minha cara, talvez estivesse, de fato, irritado pela maneira como agi antes. Decidi, então, que precisava pedir desculpas. Mas o problema é que eu quase nunca pedia desculpas, uma porque eu raramente fazia algo errado, e outra porque era desagradável admitir que eu estivesse errado de alguma forma. Mas dessa vez eu achei que havia exagerado, já que eu descontei minha raiva só porque eu deixei que o Daniel fizesse aquelas coisas comigo quando nós dois estávamos bêbados. Pessoas bêbadas fazem essas coisas estúpidas, e não foi culpa dele por se aproveitar ou culpa minha por ter aproveitado. A culpa era da bebida, dos hormônios, da imaturidade.

Suspirei, olhando para o painel de senhas do BK. Faltavam mais cinco. Olhei para as nossas sacolas de compras na mesa e percebi que Daniel havia esquecido seu celular ali. Peguei-o e fiquei feliz por descobrir que não havia senha nenhuma. Abri o álbum de fotos me sentindo meio inadequado por estar invadindo a privacidade dele dessa forma, mas assim que comecei a ver algumas fotos antigas me esqueci disso. Lá estava Daniel com alguns velhos amigos, imaginei, em vários lugares diferentes, sempre juntos. Daniel parecia extremamente contente, levando em consideração o fato de que o sorriso que ele carregava naquelas fotos eu nunca tinha visto ao vivo. Talvez o que tenha se aproximado mais foi aquela risada do dia do casamento, quando estávamos brincando de pegar perto do lago. Mas mesmo assim, não foi como nas fotos.

Olhei para o painel de senhas. Agora eram apenas três na minha frente. Quando voltei os olhos para o celular de Daniel, tive uma ideia. Pensei por um momento se não era bobo demais, mas era algo criativo e que me pouparia de pedir desculpas pessoalmente. Então decidi colocá-la em prática.

Abri o Snap e tirei uma foto minha. Não foi tão simples porque eu queria fazer uma expressão legal que não me deixasse ridículo, mas que ficasse engraçada. Então demorei cerca de um minuto para conseguir uma foto legal. Cliquei para escrever a legenda e digitei “foi mal por ter sido grosseiro” e coloquei uma carinha triste e um coração. Depois apaguei o coração e procurei durante um tempo qualquer emoji melhor, mas acabou que eu decidi deixar como estava, apenas com a carinha triste. Selecionei o próprio Daniel dentre contatos e cliquei em enviar, e imediatamente recebi a notificação de que Daniel havia enviado um Snap para si mesmo. Guardei o celular numa de suas sacolas para que ele se esquecesse do aparelho e só visse a foto em casa. Sorri satisfeito e então olhei para o painel de senhas, quase tinha me esquecido de conferir. E era a minha vez.

Levantei afobado e corri até o Burger King, pronto para pegar nossos pedidos que, infelizmente, estavam em duas bandejas. Fiz um esforço equilibrado e consegui carregar as duas, depois de entregar o papel confirmando a senha para o atendente. Eu parecia um garçom amador andando pela praça de alimentação enquanto carregava uma bandeja em cada mão, com ajuda dos antebraços; mal conseguia ver o chão com aquelas coisas tapando minha visão. Eu estava quase no meio do caminho, andando com todo o cuidado, quando vi uma criança gritando e correndo em minha direção. Por um segundo me lembrei daquele pequeno garoto endiabrado do casamento, que tinha ficado bêbado por minha culpa. E concluí que crianças estão constantemente colocando minha paz em ameaça.

Apenas congelei onde estava e comecei a murmurar uma reza improvisada para que a garotinha escandalosa desviasse de mim – desvie, desvie, desvie, desvie. Ela vinha como um foguete. E eu não podia desviar por mim mesmo, porque senão derrubaria os lanches, era uma questão de segundos. Eu simplesmente a vi e os pensamentos passaram rápido pela minha mente, até que ela, com uma força muito além do que eu esperaria para uma garotinha, bateu contra minhas pernas. Tão forte que caiu de bunda no chão. E eu, bom, também caí, depois de um desiquilíbrio desengonçado para tentar segurar as bandejas. Os copos com as bebidas estouraram no chão, encharcando uma das pernas da minha calça. Olhei para frente e vi a garotinha abrindo o berreiro, chamando ainda mais atenção. Então olhei para os lados e vi hambúrgueres e salada espalhados pelo piso. A praça de alimentação por um momento ficou em completo silêncio, já que todos, ao ouvirem o barulho, provavelmente pararam de fazer o quer que estivessem fazendo para olhar. E depois começou o burburinho. Eu não queria olhar para os lados para encontrar os olhares em cima de mim. Ah, merda. Minhas orelhas começaram a esquentar.

Vi que uma mulher se aproximou correndo da cena, ela tinha uma bolsa grande cor-de-rosa a tira colo e uma chupeta em uma das mãos. Ela segurou a garotinha e a trouxe para seu colo.

— Me desculpe, moço — ela me olhou com o que eu achei ter sido pena (até eu estava com pena de mim mesmo), e levou a garotinha para longe dali, que ainda chorava histericamente.

Eu também queria minha mãe. Mas eu nem sabia se ela ainda estava viva ou não. Queria alguém para me tirar dali, pelo menos, para me levar para casa. Comecei a ficar desesperado de vergonha, ouvia alguns risos, sem coragem de olhar em volta e encarar as pessoas. Maldita timidez.

— Luca! — nunca pensei que me sentiria aliviado em escutar aquela voz; olhei para cima pela primeira vez e vi Daniel correr e se agachar ao meu lado, tomando conta para não se molhar nas poças de refrigerante. — Você tá bem?

— Não! — murmurei choroso, olhando seus olhos cinzazuis. — Quero enterrar minha cabeça num buraco e nunca mais tirar de lá.

Ele desmanchou a expressão preocupada que tinha do rosto e soltou um risinho.

— Não dê risada! — exclamei nervoso.

— Mas é engraçado — ele içou as sobrancelhas. — Foi o que você me disse no casamento enquanto ria sem piedade de mim.

— Meu Deus, isso foi aleatório; acho que você não deveria guardar rancor — passei a mão pelos cabelos enquanto ouvia Daniel rir baixinho. — Me ajude a levantar, preciso sair daqui.

— Qual é a palavra mágica? — ele me encarou, sagaz.

— Daniel! — fiz cara de choro, o que apenas fez com que ele risse mais.

Daniel se levantou e esticou a mão para mim. Segurei e me levantei com sua ajuda, sentindo a calça grudenta de refrigerante na minha perna e uma dor terrível na bunda. Fiz uma careta por causa disso.

— Vá direto pro carro, antes que você fique ainda mais vermelho e exploda de vergonha — Daniel disse entregando as chaves do carro de Amora para mim. — Eu vou falar com alguém da limpeza sobre essa bagunça e pegar nossas coisas.

— Tá bom — concordei aliviado e logo em seguida comecei a andar depressa para fora dali, antes que as pessoas começassem a marcar o meu rosto e, caso isso acontecesse, eu não teria mais coragem para voltar naquele shopping.

Depois de chegar ao carro, esperei durante vinte minutos até Daniel resolver aparecer. Eu comecei a pensar coisas absurdas para justificar o motivo de tanta demora antes disso. O pessoal da limpeza poderia tê-lo feito limpar toda a bagunça, ou nossas coisas poderiam ter sido roubadas discretamente durante a distração que eu havia causado caindo... Mas quando Daniel entrou no carro, sem precisar perguntar se alguma daquelas barbaridades havia acontecido, eu vi as duas sacolas de papel com lanches para levar, e dois copos cheios de refrigerante. Ele colocou nossas compras no banco de trás e depois sentou no banco do motorista com os lanches.

— Eu não ia perder um lanche do BK — foi o que Daniel disse antes de ligar o carro, ao colocar as sacolas e papel no meu colo.

Apenas soltei um riso anasalado e depois disso nenhum de nós dois falou nada por bastante tempo, apenas viemos escutando o rádio na volta para casa. Em um sinaleiro a cinco minutos de casa resolvi fazer uma pergunta, para me tirar da curiosidade.

— Você viu acontecendo? — olhei para Daniel no volante. — O meu tombo.

— Vi — ele riu. — Foi hilário.

Suspirei envergonhado. Cheguei a quase afirmar para mim mesmo que cair na frente de Daniel era quase mais vergonhoso que cair em frente de todo aquele pessoal do shopping. Mas afastei essa ideia da mente tão rápido quanto ela surgiu; Daniel não era tão importante assim.

— Chegamos, aleluia — Daniel disse logo depois de estacionar o carro na garagem, procurando as chaves de casa nos bolsos. — Vamos comer!

— Eu vou tomar um banho antes — falei enquanto entrava em casa e tirava os tênis. — Minha perna esquerda tá grudando por causa da Coca-Cola — puxei a calça, sentindo o tecido desgrudar da minha pele. — Eca.

— Era Pepsi, não Coca — Daniel declarou pegando os lanches das minhas mãos.

— Que desperdício — suspirei. — Vou pro banho — e subi as escadas diretamente para o banheiro.

Depois de tirar todo o grude da minha perna, aproveitei a água quente para desestressar de toda a tensão que passar vergonha no shopping tinha me causado, e estava tão bom ficar debaixo do chuveiro que perdi a noção do tempo. Quando desci para a cozinha, já vestido com meu pijama, Daniel não estava mais lá, apenas o lixo do seu lanche jogado na bancada. Revirei os olhos pelo desleixo dele e peguei todos os papéis para jogar no lixo, enquanto esperava o meu sanduíche esquentar no micro-ondas.

Eu não estava a fim de assistir TV como sempre fazia quando tinha que comer sozinho. Apenas sentei na bancada com meu sanduíche nas mãos, escutando o barulho do chuveiro enquanto Daniel tomava banho lá em cima, notando o quanto as coisas ficavam silenciosas sem ele por perto. Eu ficaria feliz com isso duas semanas atrás, mas naquele momento eu não me sentia assim. Era como se o ambiente ficasse meio vazio sem as idiotices de Daniel.

Quando subi, depois de limpar minha bagunça e desligar as luzes do primeiro andar, escovei os dentes e fui para o meu quarto. Eu estava cansado e na manhã seguinte eu precisava ir à escola, então era bom que eu dormisse logo.

Eu estava ajustando o horário do despertador no meu celular, sentando em minha cama, quando ouvi batidas na porta. Levei meus olhos até a maçaneta.

— Pode entrar — anunciei.

Daniel estava com os cabelos escuros molhados, usando uma calça cinza de moletom e uma regata preta. Ele carregava uma sacola de uma das lojas em que tinha feito compras, balançando-a pelas alças de cordinha. Eu estranhei aquela sacola em específico porque eu não tinha a visto entre as outras enquanto eu esperava na praça de alimentação. E eu não estava equivocado, já que todas as outras sacolas eram brancas, e aquela era azul.

Ele me olhou por um tempo, parecia meio incerto sobre o que estava prestes a dizer ou fazer. Comecei a chacoalhar uma das pernas, ansioso, largando o celular ao meu lado por cima das cobertas.

— O que foi? — perguntei, já que ele não falava nada.

— Eu comprei isso pra você, já que você se recusou a comprar qualquer coisa pra vestir — Daniel andou até minha bancada e deixou a sacola em cima dela. — Eu fiz isso enquanto te deixei esperando no carro.

— Ah — naquele instante, então, fez algum sentindo Daniel ter demorado tanto por causa de dois hambúrgueres. — Não precisava.

— Por isso que eu comprei — ele me olhou impaciente. — Pra contrariar essa sua teimosia de que não precisava; eu talvez nem fosse te dar, porque achei que você ia pirar igual fez na livraria, mas eu vi seu Snap e...

— O Snap! — interrompi Daniel involuntariamente. — Eu tinha me esquecido dele.

— Espero que só porque você tenha esquecido, também não tenha se arrependido de ter feito... — ele ia dizendo enquanto, intrometido, mexia nas minhas sacolas de compras. — Porque eu gostei.

Inflei as bochechas para evitar um sorriso. Eu não queria ter que admitir, mas eu tinha ficado feliz.

— Você comprou tanto papel — Daniel olhou para mim por um segundo antes de continuar revirando minhas coisas novas.

— Eu gosto de papel — falei e franzi o cenho, achando aquela frase engraçada. — Porque eu gosto de desenhar. E escrever.

— É mesmo?

— É — levantei-me da cama e fui até uma das gavetas da bancada, tirando alguns dos meus desenhos de lá.

Entreguei-os para Daniel, que ficou os observando por um tempo.

— Eu não sabia que... — ele deixou morrer a frase enquanto virava um desenho que tinha ficado de ponta-cabeça no meio dos outros.

— Que eu desenhava?

— Que você era tão bom — corrigiu ele, entregando-me os desenhos depois de ter visto todos.

— Obrigado — sorri para ele, depois me virei para guardar os papéis de volta no lugar.

— Bom, eu vou pro meu quarto agora — Daniel disse colocando as mãos nos bolsos da calça de moletom. — Só vim pra entregar as roupas.

— Obrigado por isso também — falei meio sem graça.

Ele assentiu, bagunçando os próprios cabelos com uma das mãos.

— Boa noite, Luca — ele disse com um sorriso um tanto inseguro em comparação aos quais eu estava acostumado a ver da parte dele.

— Boa noite — respondi, encostando-me a bancada, observando Daniel até que ele fechasse a porta do meu quarto.

Olhei para aquela sacola azul e suspirei sem saber ao certo o quê pensar de tudo aquilo.

Apenas me joguei na cama depois de desligar as luzes, absorvendo aquela escuridão misturada na expectativa de como seria quando chegasse de manhã outra vez.


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Notas finais do capítulo

Pras pessoas que me pediram alguma imagem do Daniel e do Luca: eu realmente procurei alguma de alguém que parecesse com o que eles são pra mim, só que não consegui encontrar de jeito nenhum, MAS, por causa disso, falei com minha amiga desenhista e ela vai fazer um desenho dos dois! E ela é realmente boa nisso. Assim que eu estiver com o desenho disponibilizo o link pra vocês!
E, gente, eu preciso dizer que Além de Irmandade será uma história comprida, e por isso eu não estou escrevendo acontecimentos super duper incríveis e fazendo com que tudo vá depressa, porque eu acho que é preciso criar essa sensação de que eles estão se conhecendo aos poucos. Por isso a festa talvez só saia no capítulo depois do próximo, já que ainda têm tantas coisas pra acontecer antes do próximo fim de semana deles juntos.
Enfim, eu só queria que vocês soubessem disso. Até o próximo, beijinhos ;**