Além de Irmandade escrita por Dricca


Capítulo 6
Meu irmão platônico


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, pessoal. Espero que gostem! ;)



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Acordei com alguém me sacudindo, e a primeira coisa que senti, além da poça de baba que eu tinha derramado no travesseiro, foi uma dor terrível de cabeça. Virei para o lado oposto daquelas mãos inconvenientes que insistiam em me chacoalhar, com o doce e inocente pensamento de que aquela era mais uma das manhãs normais em que meu pai vinha até meu quarto tentar realizar a missão impossível de me tirar da cama.

— Pai, você disse que eu podia faltar hoje... — falei sonolento me referindo ao colégio e voltei a me aconchegar no travesseiro, dessa vez do lado não babado; eu mal tinha acordado, mas estava pronto para voltar dormir.

— Não sou seu pai, imbecil — ouvi aquela voz irritantemente familiar de Daniel atrás de mim e imediatamente abri meus olhos, agradecido por pelo menos estar virado de costas para ele, notando que havia algo de muito errado acontecendo.

Primeiro porque, sim, aquele obviamente não era meu pai, até porque meu pai, além de não me acordar mais assim desde que nos mudamos para cá, deveria estar em algum lugar em Miami a essas horas. E segundo (e mais importante): a porta deveria estar trancada!

Tudo o que eu fiz, então, foi pegar a ponta do meu cobertor e puxá-lo sobre mim, cobrindo-me até a cabeça, me encolhendo dentro do meu casulo da vergonha. Tudo o que eu queria saber naquele momento era como Daniel tinha conseguido entrar no meu quarto, e por que ele tinha feito isso.

— Luca — Daniel disse naquele tom que os pais usam para dar bronca nos filhos, eu já estava quase me acostumando que ele o usasse comigo. — Larga de ser infantil e sai daí.

Então ele começou a puxar o cobertor, e, vamos ser sinceros, ele era mais forte e conseguiria arrancá-lo de mim com apenas mais alguns segundos de esforço. Por isso achei melhor me embolar nas cobertas de forma que ele pudesse me ver, sem precisar ficar sem elas. Porque eu precisava delas para me sentir protegido contra aquela atmosfera vergonhosa.

Assim que Daniel me percebeu ajeitando o cobertor ao redor de mim mesmo, parou de tentar puxá-lo e esperou que eu terminasse, e quando finalmente olhei para ele, vi que estava achando graça de alguma coisa.

— O que foi? — perguntei irritado, apenas meu rosto estava visível e eu me sentia mais seguro assim; abençoados sejam os cobertores.

— Você tá parecendo uma santa — ele respondeu cruzando os braços, olhando para mim com aquele sorrisinho zombeteiro perturbador.

Ignorei a idiotice dele. Eu estava mais preocupado sobre a forma natural com que ele estava agindo. Era como se nada tivesse acontecido ontem, ou como se ele não se importasse com o fato de nós dois termos nos... pegado no sofá da sala de madrugada. Como ele podia agir tão naturalmente? Eu estava quase explodindo de vergonha só de ter que olhar para ele! Quer dizer, eu estava embolado num cobertor por causa disso, porque não queria que Daniel olhasse para mim, e, além disso, porque ele magicamente tinha conseguido arrombar minha porta.

— Como você entrou aqui? — perguntei, cerrando os olhos.

— Pela porta — ele deu aquela resposta medíocre e depois apontou o criado-mudo com o queixo. — Eu trouxe um pouco de café.

Olhei para o lado. No meu criado-mudo estava a xícara azul que meu pai costumava usar cheia de café fumegante. Meu Deus, o que tinha dado no Daniel para fazer café para mim? Decidi ignorar aquilo por hora, voltando o olhar para ele; eu queria era saber das suas técnicas de invasão.

— A porta tava trancada — falei com a mesma expressão raivosa.

Daniel suspirou impaciente.

— A fechadura do seu quarto é mesma que a do meu, ou do quarto da minha mãe e do Tony — ele deu de ombros enfiando as mãos nos bolsos de trás do jeans. — Normalmente as fechaduras de dentro das casas são todas iguais.

Eu nunca nem tinha pensando nisso. Era melhor eu tomar cuidado extra com o maluco do Daniel, e pedir para o meu pai para trocar de fechadura.

— Tá — falei. — Agora você pode ir embora.

— Quê?

— Por favor — tentei falar educadamente, mas saiu mais como uma ordem.

— Não — Daniel voltou a cruzar os braços.

— Retire-se do meu quarto!

— Não!

— Vá embora, porra! — gritei irritado, jogando as cobertas para longe, levantando-me na intenção de empurrar Daniel para fora.

Mas assim que coloquei os pés para fora da cama, imediatamente senti minha cabeça pesar, e minha visão deu voltas. Daniel me segurou antes que eu caísse de cara no chão por causa da tontura.

— Você é muito idiota — ele falou. — Você tá de ressaca, precisa fazer as coisas devagar.

Senti seus braços em volta de mim e meu coração acelerou. Preferi pensar que era só medo de Daniel fazer algo comigo outra vez, e não porque eu estava daquele jeito “nervoso-bom” com daquilo. Desvencilhei-me dele constrangido e pigarreei.

— Por que você tá aqui? — perguntei acusatório. — Porque fez café e invadiu meu quarto?

— Café é bom pra ressaca — ele respondeu naturalmente. — E você sabe que horas são, nanico? Achei que você tinha entrado em coma, precisei vir te acordar.

— Não, você não tá entendendo — passei as mãos pelos cabelos, nervoso, e senti o quanto eles estavam grudentos depois da quantidade de spray fixador que eu tinha usado ontem; comecei a abrir as gavetas procurando um elástico. — O que eu quero saber é por que você tá aqui, sendo normal, quer dizer, normal você não tá porque fez café pra mim, mas... — respirei fundo, antes que meu tom de voz soasse mais desesperado do que já estava. — Por que você tá agindo como se nada tivesse acontecido? Como se a gente não tivesse...

— O quê? — ele perguntou sarcástico; óbvio que ele sabia o que eu estava querendo dizer, mas estava me provocando para falar.

— Como se você não tivesse me beijado.

Eu realmente precisei de forças sobrenaturais para falar aquilo em voz alta para ele.

— Eu te beijei — ele admitiu, enquanto eu encontrava o elástico na última gaveta. — Mas depois você me beijou também, e várias vezes.

— Daniel! — falei alto, olhando bravo para ele, com o pescoço quente de vergonha. — Dá pra me responder?

Daniel suspirou enquanto eu amarrava o cabelo.

— Você realmente acha que aquilo teve alguma importância?

Arregalei os olhos para ele, sem conseguir falar nada. Eu não esperava ouvir isso. Eu não queria ter ouvido isso.

— Quer dizer — Daniel continuou, olhando indiferente para mim. — Aquilo não foi nada de mais.

Filho da puta!

— Pode não ter sido nada pra você — falei bravo e magoado ao mesmo tempo. —, mas eu nunca tinha...

Olhei para baixo, sem conseguir terminar a frase, notando só então o quanto eu estava afetado pela indiferença de Daniel. Eu deveria estar aliviado agora, dando graças por ele não estar nem aí, porque assim tudo poderia voltar ao normal e poderíamos agir como sempre, isto se eu conseguisse. Mas aquilo doeu em mim, porque querendo ou não, eu precisava admitir que Daniel tinha sido o primeiro garoto que eu beijei. E se para ele não fazia diferença nenhuma, para mim estava tudo arruinado por causa disso, afinal tudo o que eu tinha preservado durante a minha vida toda, todos aqueles sentimentos que eu guardei para mim mesmo em relação aos outros garotos... Daniel tinha destruído tudo isso de madrugada no exato momento em que me beijou, e agora eu estava me sentindo por dentro como uma daquelas cidades devastadas depois de um furacão.

— Nunca tinha beijado um garoto? — Daniel perguntou, retomando o que iria falar.

— Nunca — admiti em voz baixa, depois respirei fundo e caminhei para longe dele, buscando por algumas toalhas para que eu pudesse tomar banho.

Eu estava me sentindo horrível. Antes de Daniel, além de eu nunca ter beijado um garoto, também nunca tinha mentido para o meu pai tão descaradamente como fiz, e nunca tinha bebido também. Ele estava me transformando num delinquente aos poucos, quer dizer, na verdade aquilo tudo tinha acontecido em apenas duas semanas! Isso definitivamente não era “aos poucos”, não dava nem o tempo que nós precisaríamos ficar em casa sozinhos! Me dava medo só de pensar no que mais poderia acontecer agora que não teria mais ninguém além de nós dois naquela casa por duas semanas e meia.

— Achei que você já tinha ficado com um garoto — ele parecia um pouco surpreso.

— Por quê? — virei para ele no meio do caminho. — Parece que eu sou gay?

— Parece.

Olhei para ele de boca aberta. Eu nunca pensei que, sei lá, eu fosse tão óbvio. Quer dizer, eu sabia sobre meus próprios pensamentos e sentimentos... Mas sempre achei que escondia tudo isso muito bem. E nunca nem admiti para mim mesmo que eu pudesse gostar de garotos, só para não precisar tornar tudo aquilo mais real. E de repente ele estava ali, dizendo que aquilo estava na cara. Mas talvez Daniel só percebesse esse tipo de coisa porque ele também fosse gay.

Você não parece — falei, voltando a buscar pelas toalhas.

— Eu fico com garotas também, talvez seja por isso que eu não pareça — Daniel explicou, mesmo que não parecesse muito confiante no que estava falando. — Mas mesmo assim prefiro garotos; eu nem sei com quantos eu fiquei antes de você, pra falar a verdade.

— Você foi meu primeiro — disse apenas, já que não podia ficar dizendo se eu gostava mais de meninas ou meninos ou quanta gente eu já tinha beijado, já que eu tinha pouca experiência. Mas se todos os meninos fossem como Daniel, então talvez eu realmente preferisse garotos.

Daniel ficou em silêncio por um tempo, eu sentia seu olhar sobre mim enquanto eu pegava as toalhas. E por um instante pensei que ele pudesse ter ficado arrependido de me tratar como um nada, mas percebi que tinha sido impressão minha depois que ele, um tanto quanto sarcástico, me perguntou:

— Você não ficou chateado, ficou?

Aquele tom de voz era tão irritante, tão “que peninha dele”, que eu quis atirar as toalhas no chão e correr para dar um chute na cara dele.

Respirei fundo. — Não.

— Ótimo — disse ele mais leve e contente, como se estivesse aliviado por não precisar ter piedade da minha tristeza, como se isso pudesse ser um fardo muito cansativo para ele carregar. — Porque eu te acordei, na verdade, pra que você me ajudasse.

— Ajudar com quê? — fechei a porta dos armários olhando para Daniel, tentando parecer indiferente; tudo o que eu queria era chegar ao banheiro e me trancar lá dentro, para poder me sentir mal sem que Daniel ficasse com dó de mim, ou simplesmente sem que ele ficasse olhando.

— Com os preparativos da festa.

Fui até um dos criados-mudos e peguei meu celular da gaveta.

— Ainda tem tempo pra isso — falei olhando o horário na tela; já eram quatro da tarde, eu realmente tinha quase entrado num tipo de coma do sono. — E eu não vou te ajudar, a festa quem quer dar é você; você teve a ideia, você que se vire.

Comecei a caminhar até o banheiro, e Daniel veio atrás.

— Porra, nanico, você também vai aproveitar a festa — Daniel disse enquanto eu tentava andar depressa para poder fechar a porta na cara dele.

— Agora eu sei por que você fez café pra mim — falei irritado; Daniel só tinha sido legal para que eu o ajudasse com toda a burocracia festeira dele.

— Eu não sou tão egoísta quanto você pensa — ele retrucou.

Entrei no banheiro e tentei fechar a porta depressa, mas Daniel a segurou antes que eu conseguisse.

— É sim — protestei.

— Não sou, não — ele continuava segurando a porta, e eu nunca iria conseguir vencer aqueles braços dele. Mesmo assim eu tentava forçar a porta com tudo o que eu tinha, o que, no momento, se resumia em muita raiva.

— Me deixa tomar banho!

— Só se você disser que vai me ajudar.

— Não!

— Vou contar pra todo mundo que a gente ficou — Daniel ameaçou.

— O quê? — soltei a porta, olhando nervoso para ele — Isso não é ruim pra você também?

— Mas é pior pra você, só de ver sua reação — ele deduziu assertivo.

— Você não faria isso!

— Então me ajude com as coisas da festa.

Bufei, resignado. Acho que ajudá-lo não seria tão ruim quanto ter seguidores preconceituosos querendo me espancar depois da escola.

— Que seja, eu ajudo — falei, tentando não deixar transparecer toda a angustia que eu estava sentindo. — Agora me deixe tomar banho em paz.

Ele deu um passo para trás com um sorriso vitorioso e eu fechei a porta com força, trancando-a tão rápido quanto pude. Ouvi as risadas de Daniel e, com raiva, dei um soco involuntário na parede. Quando senti a dor me arrependi, mas ao mesmo fiquei mais calmo, pelo menos em alguma coisa eu tinha batido. Eu odiei Daniel com todas as minhas forças naquele momento. Como ele podia ser tão sem coração?

Depois de escovar os dentes, liguei o chuveiro. E assim que entrei debaixo da água quente, me senti um pouco melhor. Mas mesmo assim eu estava péssimo. Em nenhum momento, nessas duas semanas, eu senti tanta falta da minha antiga vida como estava sentindo; mesmo que meu pai estivesse triste antes, eu tinha a tranquilidade de viver sem saber quem era o Daniel. Eu sabia que era egoísmo, mas estava sendo difícil de conviver com aquele garoto maluco-sem-coração. Meu pai podia estar contente agora, já que tinha uma casa bonita, uma família e uma mulher linda. Só que no meu ponto de vista, eu tinha uma casa longe de tudo o que eu conhecia, um suposto irmão que tinha me beijado, e uma madrasta que me fazia sentir falta da minha verdadeira mãe – que eu nem sabia onde estava. A vida tinha sido muito filha da puta comigo.

Pensei em hoje de madrugada, em Daniel. Eu não sabia se todo aquele sentimento maluco que eu senti enquanto o beijava tinha sido por causa da bebida ou não. Eu queria tanto que fosse. Por um segundo pensei em beijá-lo mais uma vez enquanto sóbrio, só para confirmar que eu não sentiria nada por ele dessa vez. Mas e se sentisse? Era melhor que eu deixasse que isso ficasse enterrado no passado e só. Quer dizer, eu não deveria nem estar pensando em beijá-lo de novo! Eu me sentia muito estranho e com vergonha de mim mesmo.

E o pior era que Daniel estava agindo como se aquilo não fosse nada. Eu estava esperando raiva da parte dele, ou quem sabe até algum tipo de felicidade, na melhor das hipóteses. Mas ele acabou me dando a mais perturbadora reação de todas: indiferença.

Desliguei o chuveiro e me enrolei na toalha. Fui até o quarto, me sequei e vesti uma calça de moletom e uma camiseta preta qualquer. Enquanto secava o cabelo com a toalha, avistei a xícara azul no criado-mudo, que me fez pensar em Daniel outra vez. Nem aquele café ele tinha feito sem esperar nada de mim, ele era um maldito aproveitador.

Depois de terminar com os cabelos, peguei a xícara com um suspiro e, em seguida, desci as escadas, indo até a cozinha. Daniel estava usado o Ipad na bancada, com uma montanha de nuggets num prato a sua frente.

Eu ainda me sentia estranho quando chegava perto dele, mas sua naturalidade era tanta que não tinha como eu conseguir evitá-lo. E isso me irritava profundamente. Eu queria muito que ele estivesse sendo um cretino comigo para eu poder ser um cretino com ele também.

— Olha só, qual você prefere? — Daniel me estendeu o Ipad logo depois de eu ter derramado o café e deixado a xícara na pia; na tela havia a imagem de dois modelos de convites para a festa.

Analisei os dois e devolvi o aparelho para ele, que estava com as bochechas lotadas de comida.

— O preto — respondi, pegando um dos nuggets. — Mas acho um exagero fazer convites, só pra gastar mais dinheiro.

— Também gostei mais do preto – ele falou de boca cheia. — E os convites são pra que aquela criançada do primeiro ano pra baixo não entre na minha festa.

Daniel limpou as mãos no jeans e tirou o celular do bolso. Ele era nojento. Observei enquanto ele ligava para a gráfica e fazia a encomenda dos convites para a festa, ao mesmo em tempo que se empanturrava de nuggets.

— Pronto — ele largou o celular na bancada. — Vão chegar quinta-feira — ele disse sobre os convites. — Só temos que ir ao banco depositar o dinheiro na conta da empresa.

— Tá bom — deitei a cabeça na bancada, desanimado e com dor.

— Toma um remédio, nanico — Daniel falou, indo até a geladeira e tirando o ketchup de lá.

— Não gosto de tomar remédio — falei.

— Então morra de dor — ele jogou meio litro de ketchup em cima da montanha de nuggets.

Revirei os olhos e levantei, em busca de um remédio nos armários bagunçados. Amora tinha comprado comida para um mês inteiro ali. Achei e tomei os remédios, enquanto via Daniel se lambuzar de ketchup. Ele acabou derramando na camiseta branca, e disse que ia trocar de roupa e já voltava. Como se eu me importasse ou quisesse saber. Por mim ele poderia ficar no quarto o dia inteiro, que seria muito menos incomodo para mim não ter que olhar para cara dele.

Peguei uma garrafa d’água na geladeira e fui até a sala, ligando a TV. Daniel não tinha aberto as cortinas ali e tudo estava escuro, minha cabeça agradeceu. Comecei a ver Sherlock.

Daniel chegou um minuto depois, com uma camiseta branca idêntica a outra que tinha sujado. Ele estava bonito, já que a camiseta combinava com seu jeans azul apertado. Desviei o olhar antes que ele notasse e me concentrei na televisão.

— Não quero ver Sherlock — Daniel sentou do meu lado. — Não consigo entender o que ele fala.

— Isso porque você é burro — falei, mas nem eu estava conseguindo acompanhar, tamanha dor de cabeça; e também não conseguiria prestar atenção se Daniel continuasse agindo como se fôssemos irmãos de verdade ou amigos o suficiente para ele ficar mandando na minha programação. Mas eu estava tão cansado da minha própria paranoia que resolvi dar uma trégua para ele e para mim mesmo; se ele achava que não tinha sido nada demais, então eu também tinha que achar, em algum momento isso entraria na minha cabeça. — Toma — entreguei o controle remoto para ele com um suspiro pesaroso. — Escolhe alguma coisa pra nós vermos.

Enquanto ele zapeava entre os canais, perguntei:

— O que tem pra fazer hoje? — disse em relação aos preparativos da festa.

— Pagar os convites e comprar roupas — ele respondeu de olho na televisão.

— Roupas? — repeti.

— É — Daniel me olhou por um segundo e depois voltou a prestar atenção na TV. — Nós somos os donos da festa, precisamos, no mínimo, estar bem vestidos.

— E nós vamos fazer isso quando? — perguntei já irritado com inutilidade daquela insistência idiota para eu ajudá-lo com as coisas, o que ele queria de mim? Conselhos para combinar cores?

— Prefiro sair à noite — ele disse. — De dia o shopping fica cheio de mulher, gente velha e criança.

— Então você me acordou pra porra nenhuma? — falei bravo.

— Fica quieto, Luca — ele ignorou minha pergunta. — O que você acha de terror?

— Não gosto de terror — cruzei os braços.

— Por quê? — ele olhou para mim. — Você tem medo?

— Talvez — respondi, encarando a TV.

Ele começou a rir e selecionou um dos filmes de terror.

— Que droga, Daniel! — falei. — Não quero assistir isso!

— Mas eu quero.

— Eu cheguei aqui primeiro, vai assistir no seu quarto! — esbravejei.

— A TV daqui é maior, no meu quarto não tem graça.

— Vai se foder — falei alto. — Me dá esse controle aqui.

Tentei pegar o controle, mas ele desviou, rindo. E aquela risada dele me irritava, assim como todas as outras coisas que ele fazia. Eu precisava pegar aquele maldito controle e depois chutar Daniel para fora dali.

Eu praticamente escalei nele para conseguir isso, e quando finalmente consegui pegar o controle por motivos de estar praticamente com o joelho na barriga de Daniel, ele tombou de costas no sofá e eu caí por cima dele. Me apoiei nos braços, afoito, e olhei para Daniel, logo abaixo de mim, com o rosto tão perto do meu. Acho que nesse momento eu fiquei mais vermelho que todas as coisas vermelhas juntas, principalmente depois de Daniel me lançar um sorriso malicioso.

Me apressei em sair de cima dele e me arrastei para a outra ponta do sofá, evitando encará-lo. Infelizmente isso deu oportunidade para Daniel se apoderar do controle e também da programação. Ele apenas aumentou o volume do filme de terror que estava começando.

Revirei os olhos e ajeitei o cabelo para trás, me levantando.

— Aonde você vai? — Daniel me olhou.

— Pro meu quarto — falei andando.

Ele agarrou meu braço, fazendo com que eu parasse para olhar para ele também.

— Por causa do filme?

— É — falei.

Mas na verdade pouco me importava o filme que ele tinha escolhido. Terror, para mim, não era assistir aquele filme, mas precisar ficar por mais tempo perto de Daniel ali naquele maldito sofá que me fazia lembrar de tanta coisa.

— Eu troco — ele disse. —, pode ficar.

Eu não sabia mais como interpretar as coisas que Daniel falava para mim. Se eu não tinha sido nada demais para ele, então porque ele quis que eu prometesse que o ajudaria com os preparativos da festa? Ele poderia fazer tudo sozinho sem problemas. E se a madrugada de hoje não teve importância, porque então Daniel queria que eu ficasse ali assistindo TV ao lado dele? Talvez essa fosse a maneira que ele tenha inventado para se vingar por eu ter dado para trás enquanto estávamos nos beijando. Eu precisava de um tempo para pensar, para acalmar meu constrangimento. Mas não conseguiria fazer isso se Daniel continuasse desse jeito comigo, tão bipolar.

Acabei cedendo e fiquei por ali, mas claro que o mais longe de Daniel que o sofá me permitiu ficar. Ele escolheu um filme de zumbi qualquer, e estava tão chato e eu estava com tanto sono, principalmente depois que o remédio para dor começou a fazer efeito, que acabei adormecendo depois de meia hora.


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Notas finais do capítulo

Gente, eu demorei pra postar (em comparação as outras vezes) porque ando muito ocupada com as coisas da faculdade, e acho que a partir de agora eu vou poder postar uma vez por semana ou pra mais, e não duas vezes como eu gostaria. Espero que entendam, e até o próximo! xoxo