Além de Irmandade escrita por Dricca


Capítulo 12
Abraço virtual de urso


Notas iniciais do capítulo

Mil desculpas por ter demorado pra postar mesmo depois de ter dito que não demoraria, acho que eu não posso dizer coisas sobre as quais não tenho certeza. O motivo foi um bloqueio inesperado, quer dizer, a gente nunca espera um bloqueio, mas esse foi um daqueles tão ruins, tão filhos da p***, que te fazem cogitar a possibilidade de nunca mais voltar a escrever decentemente de novo; aí eu comecei a ficar desesperada e deprimida e me afundei ainda mais no bloqueio. Não sei se consegui passar por cima dele, mas espero que sim, porque este era um capítulo que eu estava ansiosa pra escrever, e por isso não quero ter deixado nenhum resquício de bloqueio nele.

Quero agradecer do fundo da alma pelas últimas três recomendações que, assim como todos os comentários e todas as ameças para eu voltar, me deram um ânimo grandioso para continuar tentando e tentando. Obrigada RavensShadow, HealingMoon e Baeselor Taelnaris pelas facadas conotativas que levei lendo suas maravilhosas recomendações! Tô morrendo de amor por vocês no momento ♥

É isso, a gente se vê nas notas finais. Boa leitura!



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— Pra que serve essa lista, afinal? — enquanto eu empurrava o carrinho pelo setor de enlatados do supermercado, deslizei o dedo pela tela do celular, conferindo a lista de compras que Daniel tinha me obrigado a fazer no dia anterior.

— É uma lista de compras, você sabe pra que serve — Daniel respondeu debochado enquanto alcançava quatro latas de cereja em calda de uma das prateleiras; quando eu perguntei o porquê das cerejas quando estávamos fazendo a lista, Daniel disse que elas ficavam gostosas mergulhadas em vodca, ou a vodca ficava gostosa com as cerejas, algo assim.

— Mas olha só pra esse monte de gulodice — apontei para as compras dentro do carrinho, observando Daniel empilhar as latas de cereja ao lado das de energético. — Quem precisa de uma lista pra comprar só porcaria?

Daniel me direcionou um olhar de impaciência enquanto apoiava seu peso no carrinho, impedindo-me de seguir em frente.

— Quantas festas você já deu, nanico?

Suspirei emburrado, desviando o olhar para qualquer ponto aleatório que não fosse aquela expressão de superioridade de Daniel; às vezes ele era tão inconveniente.

Resmunguei algum palavrão e tentei forçar passagem com bastante esforço e nenhum sucesso.

— Deixa eu te contar uma coisa, Luca — Daniel me encarou enquanto falava com seu tom de voz no modo explicativo-para-crianças. — Se não tem lista, com certeza nós vamos esquecer alguma coisa, e não é você quem vai ter que sair no meio da festa pra ir comprar o que tá faltando.

— Sei lá, ainda acho que essa lista é inútil — forcei o carrinho novamente e, dessa vez, Daniel saiu da frente, soltando um suspiro resignado.

— Não precisa odiar a lista só porque eu te obriguei a fazer na hora do seu soninho da tarde — Daniel disse sarcástico e então me deu um peteleco na testa.

— Não odeio a lista — franzi o nariz para ele, esfregando o lugar que tinha ficado dolorido —, odeio você.

— Sei — ele sorriu de canto e me lançou um olhar malicioso e, quando percebeu que eu não diria nada, porque eu realmente nunca tinha resposta para esse tipo de olhar, Daniel olhou em volta e mudou o foco: — Qual o próximo item?

Levei a mão até o bolso da calça do uniforme para pegar o celular com a lista outra vez. Antes que eu pudesse ver a lista de fato, Daniel segurou meu pulso, me obrigando a olhar para ele confuso.

— Sem olhar a lista — ele disse autoritário, tomando o celular para ele. — Já que você acha que ela é inútil.

Parei de andar e encarei as compras no carrinho, depois olhei para Daniel, que sorria com aquele ar de quem se acha superior. Foquei nas prateleiras atrás de dele, pensando que talvez alguma coisa ali pudesse me dar uma luz, porque, sinceramente, eu não fazia nem ideia do que estava faltando.

Sorri quando percebi que estávamos parados bem em frente à prateleira dos frascos de azeitona.

— Azeitonas! — falei animado, aproveitando para chegar mais perto de Daniel enquanto me apoiava em seu braço para alcançar um dos frascos bem atrás dele, deixando-o entre mim e a prateleira; eu estava dando qualquer desculpa para poder sentir o perfume dele mais de perto.

— Não me lembro de ter colocado azeitonas na lista.

Daniel me surpreendeu quando me abraçou pela cintura e me ergueu do chão; ele deu uma volta enquanto me carregava e inverteu nossas posições, fazendo com que eu ficasse espremido contra prateleira como eu tinha acabado de fazer com ele, mas dessa vez com o rosto muito mais perto do meu. Abracei o frasco de azeitonas como se ele fosse um escudo enquanto olhava assustado para Daniel, meu coração batendo mais forte.

— Nós não vamos levar isso pra casa — Daniel continuou a falar, torcendo o nariz para o vidro de azeitonas, depois sorriu brevemente e saiu depressa à frente com o nosso carrinho, impulsionando-o com um dos pés, como se faz para andar de skate. Assim que o carrinho estava rápido o suficiente para ir sozinho, Daniel montou nele, segurando firme nas beiradas de ferro.

— Daniel! — corri atrás dele tentando não rir ou reparar no quanto ele ficava bem de trás na calça do uniforme. — Nós vamos levar minha azeitona, sim!

— Não vamos, não! — Daniel gritou para mim sem olhar para trás, impulsionando o carrinho com mais força.

Olhei pelo corredor adiante para checar se Daniel não estava indo de encontro com nenhuma pirâmide de garrafas de vidro ou qualquer coisa quebrável e cara. Apesar de não haver nada do tipo no caminho, percebi que um garotinho entrava apressado no corredor quase que diretamente na direção do carrinho, e, aparentemente, Daniel não tinha enxergado o pequeno.

— Daniel! — gritei afobado. — Tem uma criança...!

Antes que o pior pudesse ser evitado, o garotinho chocou-se contra o carrinho e caiu de bunda no chão. Daniel pulou do carrinho no mesmo instante e se agachou depressa para ajudar o menino. Alcancei os dois, preocupado.

— Deus! Você atropelou uma criança, Daniel — observei Daniel acudir o garoto, que já tinha começado a chorar. — Ele se machucou? — perguntei, fazendo uma careta.

Daniel analisou o garoto e deu de ombros. — Não tô vendo sangue.

Revirei os olhos, balançando a cabeça. — Mereço.

— Não chora, amigão — Daniel disse para o pequeno, que soluçava. — Olha só o que eu sei fazer.

Daniel começou a fazer aquele truque bobo com os dedos, dando impressão de que seu polegar estava sendo separado pela metade. O garotinho arregalou os olhos e parou de chorar, encarando as mãos de Daniel com espanto.

Suspirei, achando graça da cena. Daniel sempre sabia o que fazer quando o problema envolvia crianças. Aproveitei o momento para colocar o frasco de azeitonas no carrinho sem que Daniel percebesse.

Ouvi, então, o barulho de saltos altos num andar apressado. Olhei para o lado e vi uma mulher de expressão preocupada correndo até nós.

— Eduardo! — ela agachou-se ao lado de Daniel e pegou o garotinho no colo, depois olhou para nós, como quem espera uma explicação.

— Ele veio correndo e bateu no nosso carrinho — Daniel foi logo informando, como se quisesse tirar a culpa das costas.

Olhei para ele com cara feia; a culpa tinha sido muito mais de Daniel que do coitado do garoto.

— Ah, desculpem, o Dudu nunca para quieto, não é, filho? — a mulher justificou-se, olhando para o pequeno.

— Tudo bem, acontece — falei. —, nós devíamos estar andando mais devagar também — encarei Daniel, sugestivo, antes de voltar minha atenção para a mulher. — Tudo bem com ele?

A mãe de Dudu deu uma conferida rápida no filho. — Acho que não foi nada — ela sorriu um tanto sem graça para nós. — Desculpem o incômodo, meninos.

— Sem problema — respondi simpático, observando a mulher se afastar enquanto Dudu, no colo dela, tentava arrancar o próprio polegar sem sucesso.

Bufei, cruzando os braços. — O carrinho fica comigo.

Daniel deu risada. — Como quiser.

Depois que pegamos todos os itens da lista, fomos, finalmente, pagar as compras. Achei que seria a parte mais rápida, eu realmente estava esperando que fosse porque eu já estava exausto, afinal, Daniel tinha resolvido nos levar para o mercado diretamente depois que saímos de uma tarde difícil no Apus: Wanda tinha nos liberado de mais uma seção para que cobríssemos outro período de trabalho pseudo voluntário com as criancinhas à tarde, como na última terça-feira. Daniel não quis me escutar enquanto eu implorava por descanso, já que faltavam apenas dois dias para a festa no sábado, e seria péssimo deixar tudo para última hora.

De qualquer forma, não foi tão rápido passar pelo caixa quanto eu estava imaginando que seria. Primeiro por causa da fila, que estava gigantesca em qualquer um dos caixas; ao que tudo indicava, quinta-feira era o dia das frutas e todas as donas de casa da cidade pareciam ter resolvido vir ao supermercado ao mesmo tempo. Segundo porque, depois de finalmente chegar ao caixa, Daniel foi reconhecido pela garota que estava passando nossas compras, que disse que adorava os vídeos do Daniel e coisa e tal. O ruim foi que eu precisei tirar umas dez fotos dos dois juntos porque, aparentemente, ela não tinha ficado satisfeita com nenhuma das nove anteriores. Daniel pareceu não se importar, na verdade estava adorando ser o centro das atenções, colaborando para aumentar a fila atrás de nós.

Depois de levarmos as compras até o estacionamento subterrâneo do supermercado enquanto apostávamos corrida com os carrinhos recém-lotados de sacolas (tomando cuidado com possíveis atropelamentos), saímos à procura de decoração para festa. Daniel dirigiu até o centro da cidade, não muito longe dali, até uma dessas enormes lojas de artigos para festas, cuja localização nós havíamos descoberto durante o caminho no Google Maps.

O lugar era enorme. Tinha todo o tipo de coisa que se pode imaginar, tanto para festas grandes quanto para as pequenas. E Daniel pareceu se empolgar com isso. Tirou sua câmera da mochila e me obrigou a gravá-lo fazendo bagunça do começo ao fim das compras, dizendo que faria um vídeo inteiro sobre a festa para postar em seu segundo canal. E como Daniel não tinha nenhum pingo de consideração por mim, brigava comigo sempre que eu ria de alguma das suas palhaçadas e tremia com a câmera.

Quando finalmente encontramos luzes legais, além de algumas outras bugigangas, como boias para piscina e tintas de neon, enfim Daniel disse que podíamos ir para casa. O sol estava se pondo quando entramos no carro, logo depois de enfiarmos todas as caixas com as compras no banco traseiro.

— Daniel — olhei para ele, observando-o colocar o cinto de segurança. — Você tá sentindo o mesmo que eu?

Ele travou o cinto e voltou os olhos para mim.

— O quê? — ele parecia curioso.

— Fome — respondi, colocando a mão sobre o estômago.

Daniel riu e ligou o carro. — Achei que você ia falar outra coisa.

— Tipo o quê? — perguntei distraído, ligando o rádio.

— Tipo uma declaração de amor — ele sorriu, olhando atento para o espelho retrovisor enquanto manobrava o carro para tirá-lo do estacionamento.

Dei uma risada nervosa e me virei para o outro lado, buscando o cinto de segurança, tentando ocupar as mãos para disfarçar a vergonha. Eu odiava, com todas as minhas forças, ser tímido do jeito que eu era. Queria poder ser como Daniel, ou pelo menos conseguir conversar com ele sem morrer de vergonha, dar algum tipo de resposta legal para provocá-lo do mesmo jeito que ele fazia comigo.

— O que você quer comer? — ele perguntou enquanto saíamos para rua. — Tem um McDonald’s no caminho pra casa.

— McDonald’s tá ótimo — sorri; eu estava morrendo de fome, minha última refeição havia sido um sanduíche mais ou menos na lanchonete da escola.

— McDonald’s então — Daniel sorriu brevemente, aumentando o volume do rádio enquanto me lançava um olhar aconchegante.

...

No dia seguinte, depois de acordar do meu cochilo da tarde, decidi que precisava responder os e-mails do meu pai. Por mais que eu soubesse que deveria ter feito isso antes, de preferência logo que ele enviou os e-mails, eu não pude achar tempo no meio de toda aquela agitação que estava sendo a minha vida nas últimas duas semanas. Quer dizer, além de toda aquela coisa de preparativos para a festa e cumprir os servicinhos obrigatórios da diretora Eva, eu precisava lidar com o sentimento estranho e novo que eu estava descobrindo ter por Daniel. Meu pai acabou ficando em segundo plano, para não dizer que eu tinha me esquecido completamente dele.

Ainda sonolento, sentei em frente ao computador e, enquanto esperava o site carregar os e-mails, acendi a luminária sem desviar os olhos da tela.

De: Antony de Melo < antonydemelo@mmimobiliaria.com.br >

Para: Luca de Melo < lucademelo@hotmail.com >

Assunto: Eu estava exagerando sobre sua lista

Eu sei que eu disse que não compraria nada para você daqui de Miami, mas eu também sei que você não é um menino consumista. Pensando bem, você quase nunca me pede nada além de papel e lápis de cor, o que não é caro. Então pode fazer aquela sua lista de desejos e, quem sabe, eu compre uma coisa ou outra. Por falar nisso, seu aniversário não está tão longe, e eu sei que você quer aquele celular da tela absurdamente grande. Como aqui o imposto é menor, talvez eu possa aproveitar para comprar, já que as coisas na imobiliária estão indo bem. Não garanto nada, estou apenas pensando sobre isso por enquanto.

Amora está apaixonada por Miami, parece que mais do que por mim. Acho que vou ter que passar minha lua de mel carregando sacolas de compras e tentando parecer assustador para os marmanjos que ficam de olho em Amora quando saímos para a praia. Não era bem o que eu esperava.

Enfim, coma direito e não falte às aulas; vou ficar esperando sua resposta.

Abraço de urso,

Papai

De: Antony de Melo < antonydemelo@mmimobiliaria.com.br >

Para: Luca de Melo < lucademelo@hotmail.com >

Assunto: Muito ocupado para o próprio pai?

Luca, mesmo depois de dizer que compraria aquele celular que você tanto quer você não me respondeu :( Aconteceu alguma coisa? Eu sei que a escola pode estar um pouco difícil, já que você chegou um pouco depois que o restante dos seus colegas. E também, pelo que eu ouvi falar, o Apus é um colégio que costuma cobrar muito dos alunos. Mesmo assim eu gostaria que você desse um sinal de vida para o seu pobre pai.

Se alimente bem, não falte à escola e não brigue com Daniel. Às vezes eu me pergunto se fiz certo de deixar vocês dois aí sozinhos.

Abraço de urso,

Papai

De: Antony de Melo < antonydemelo@mmimobiliaria.com.br >

Para: Luca de Melo < lucademelo@hotmail.com >

Assunto: Estou preocupado

Luca, porque seu celular só dá na caixa postal? Você deixou no “não perturbe” de novo? Ou no modo avião? E pelo jeito você se isolou mesmo, porque eu vi no Whatsapp que você não vê mensagem nenhuma há um tempão. Aconteceu alguma coisa, filho? Por favor, responda o seu pai. Estou te pedindo. Não, estou mandando. Você precisa me obedecer, entendeu?

Abraço de urso,

Papai

De: Antony de Melo < antonydemelo@mmimobiliaria.com.br >

Para: Luca de Melo < lucademelo@hotmail.com >

Assunto: Procura-se meu filho

Você nunca está perto do Daniel quando Amora está no telefone com ele, também não atende o celular, não responde as mensagens e nem os e-mails. Quando você ficou tão difícil assim? Você sempre me respondia logo que eu enviava alguma mensagem, e agora eu só sei que você está vivo porque Daniel disse para Amora que estava tudo bem. Eu preferiria escutar você dizendo que está tudo bem. Sinceramente, assim fica difícil até para eu aproveitar minha lua de mel.

Só me responda logo.

Abraço estrangulador de urso,

Papai

De: Luca de Melo < lucademelo@hotmail.com >

Para: Antony de Melo < antonydemelo@mmimobiliaria.com.br >

Assunto: RE: Procura-se meu filho (foi mal, pai)

Juro que não foi de propósito.

Você estava certo sobre o Apus cobrar muito dos alunos (você nem imagina o quanto). Eu tenho estado bastante ocupado tentando chegar ao nível do pessoal que já estava no colégio faz tempo, e isso significa muito mais do que apenas algumas semanas de atraso (eu sinto como se tivesse vivido na escola das cavernas antes de entrar no Apus e ver aquelas apostilas com um milhão de exercícios difíceis); o pessoal do colégio é muito inteligente. Então, basicamente, eu tenho feito lições e dormido no meu tempo livre. Sexta-feira foi a primeira vez que resolvi sair de verdade com alguns amigos, e mesmo assim não saí do Apus (parando para pensar, percebo que eu não tenho vida social fora da escola); fomos assistir a um jogo de futebol. Foi divertido.

Não sou eu quem nunca está perto do Daniel quando Amora liga, é ele quem não fica em casa. Eu não sei para onde ele vai, e também não me interessa, apenas não fique falando como se ele fosse um filho bom por responder as ligações de Amora e eu não. Eu só... fiquei meio fora de área por alguns dias. Tem tanta coisa acontecendo, pai.

Enfim, me desculpe por isso. Eu estou me sentindo mal por ter prejudicado sua lua de mel porque deixei você preocupado. Mas você não deveria ter ficado assim; Amora tinha dito que estava tudo bem e está mesmo. Você é muito coruja, pare de se preocupar tanto. Apenas aproveite o casamento, a sua vida nova, a boa sorte com a imobiliária... Você precisa estar feliz para que eu também esteja, você sabe.

E, sobre o celular, EU QUERO. Seria o melhor presente de aniversário, pai. E não diga que não vai comprar mais só porque eu fiquei sem te responder. Por favor! :)

Abraço de urso, Luca.

Percebi que tinha calculado mal o nível de preocupação do meu pai quando, em menos de dez minutos após eu ter enviado o e-mail, recebi uma ligação dele. Eu nem sabia que horas eram em Miami para calcular o grau de obsessão do meu pai, mas eu nem precisava saber as horas: apenas o fato de ele estar gastando dinheiro em uma ligação internacional já provava o quão agoniado ele deveria estar.

Nós dois tivemos uma longa conversa (lê-se monólogo do meu pai) enquanto eu andava pelo quarto, pulava na cama, ou simplesmente ficava deitado encarando o teto. Quando ele resolvia fazer alguma pergunta sobre o colégio, eu precisava me policiar para não deixar nada escapar sobre a bronca da diretora Eva ou sobre as sessões com Wanda, já que eu sabia o quão maluco ele ficava quando se tratava do meu comportamento na escola. Mas na maioria do tempo apenas precisei ficar ouvindo suas aleatoriedades sobre Miami e balbuciando alguns “aham” e “uhum” para provar que eu ainda não tinha dormido; nada que eu já não estivesse acostumado, afinal, meu pai sempre se pareceu com uma tia velha no telefone.

Apesar de insistir que ele poderia fazer um e-mail para me contar as milhares de coisas sobre as quais ele fazia questão de detalhar, meu pai disse que digitar tudo aquilo levaria muito tempo. Então apenas desci até a cozinha e deixei o celular no viva-voz enquanto arrumava algo para matar a fome. E, à medida que escutava meu pai tagarelando sobre Amora, o hotel e a praia, consegui reunir sobre a bancada a maior quantidade de ingredientes que pensei que pudessem caber em um sanduíche.

No entanto, antes sequer de abrir o pacote de pães fatiados, ouvi um grito vindo do quarto de Daniel, e resfoleguei assustado, fitando as escadas na direção do quarto. No segundo seguinte larguei o pacote de pães, na intenção de correr até lá. Só que, logo no primeiro passo que dei, acabei tropeçando no tapete da cozinha, que estava com uma das pontas virada para cima, e tive que segurar na bancada para não cair de cara no chão. Por causa disso, esbarrei em várias das coisas que estavam em cima da bancada, e uma delas, o vidro de ketchup, acabou caindo. O frasco estourou numa grande poça vermelha e gosmenta quando encontrou o chão, respingando para todos os lados. Em um segundo a cozinha havia se transformado no cenário de uma luta sangrenta.

— Merda — foi tudo o que eu consegui dizer enquanto olhava para sujeira, um instante antes de me por de pé depressa e seguir para o andar de cima, preocupado com o possível motivo pelo qual Daniel havia gritado daquele jeito.

Assim que cheguei em frente ao quarto dele, abri a porta em um rompante, tão ansioso para entrar que joguei meu corpo contra a porta quase como se pudesse atravessá-la antes mesmo de abri-la por completo. Com o estrondo que fiz ao entrar, Daniel, que estava sentado em frente ao computador com seus headsets, levou um susto e xingou em voz alta; por pouco não caiu da cadeira.

— Daniel! — corri até ele, que soltava um palavrão enquanto deslizava os fones para o pescoço. — O que aconteceu? — perguntei afobado. — Eu ouvi você gritar.

— Será que foi porque eu levei um susto...? — Daniel respondeu em tom de obviedade, semicerrando os olhos; ele me encarava com uma expressão de quem estava esperando explicações.

— Eu sei que te assustei — falei impaciente. — Mas e antes disso?

— Eu levei um susto — ele insistiu, erguendo as sobrancelhas.

— Eu sei. Você já disse isso! — exclamei estressado. — Daniel, você tá normal?

Ele revirou os olhos.

— Luca, vê se entende, foram dois sustos. — ele fez o número dois com os dedos e os sacudiu perto do meu rosto. — Um com você e outro com o jogo que eu tava gravando.

Pisquei, olhando para tela do computador de Daniel, onde estava escrito “você falhou” em inglês, com letras cursivas das quais escorriam gotas de sangue. — Gravando?

— Ao vivo — Daniel acrescentou, sorrindo travesso.

De repente toda a adrenalina se esvaziou de mim, e minhas pernas ficaram bambas. Dei três passos de costas, desajeitado, até sentir a beirada da cama de Daniel atrás dos joelhos. Larguei meu corpo no colchão, soltando um suspiro, e encarei Daniel aliviado.

— Achei que você tinha sofrido um ataque cardíaco — admiti. —, ou que um ladrão tinha entrado aqui em casa pela sua sacada e te esfaqueado, sei lá.

Daniel começou a rir.

— Você vai ter que se acostumar com isso, nanico — ele advertiu bem humorado. — Às vezes eu me assusto assim enquanto gravo.

Apenas assenti, ouvindo algumas risadas altas virem de seus headsets. Escondi meu rosto entre as mãos e abaixei a cabeça, sentindo minhas orelhas esquentando; quantas pessoas tinham me visto entrar no quarto de Daniel todo desesperado daquele jeito?

— Você exagerou um pouco, hein — ele riu. — Pode ficar tranquilo, não fui esfaqueado.

Apenas me levantei e dei as costas para Daniel, caminhando para fora do quarto enquanto o escutava dar risada e voltar a falar com seus amigos.

Quando fechei a porta atrás de mim, apoiando as costas na madeira gelada, me lembrei de que havia deixado meu pai falando sozinho no celular e corri para a cozinha.

Assim que peguei o celular, depois de pular a poça vermelha de ketchup, vi que meu pai havia desligado a chamada há cinco minutos. E antes que eu pudesse ligar outra vez para explicar o que havia acontecido, meu celular começou a vibrar com outra ligação.

— Nando? — atendi logo no primeiro toque.

— Aquilo foi hilário — ele disse gargalhando; então lembrei que Nando era um dos inscritos fiéis de Daniel, e que, com certeza, ele estava rindo da minha humilhação de um minuto atrás.

— Vai se ferrar — suspirei enquanto esfregava meu rosto com a mão livre, mal humorado, ouvindo as risadas de Nando.

— O assunto do chat é você — ele comentou.

— O que tão dizendo?

— Tem uma parte perguntando quem é você e outra parte falando sobre sua bunda.

— Minha bunda? — repeti, espantado. — Como assim minha bunda?

— Acho que as meninas repararam na sua bunda quando você levantou da cama pra sair do quarto — ele explicou.

— Deus, que vergonha — falei desconcertado.

— Relaxa, as meninas são taradas assim mesmo.

— O que o Daniel disse?

— Nada, ué — Nando disse como se aquilo fosse óbvio. — Seria estranho se ele ficasse comentando sobre sua bunda, Luca.

Revirei os olhos. — Eu quis dizer o que ele respondeu quando perguntaram quem eu sou.

Por mais que aquele não fosse o melhor momento, não pude deixar de notar que a reação de Nando foi um tanto negativa quando pensou que eu queria saber o que Daniel achava da minha bunda. Provavelmente ele não seria o tipo de amigo que aceitaria numa boa se eu resolvesse contar que gostava de garotos.

— Ah, bom! — Nando deu risada. — Ele falou que vocês moram juntos porque seus pais se casaram.

— Só isso? — perguntei.

— Só. O que mais você queria?

— Nada — suspirei. — Nando, eu derrubei ketchup no chão, preciso desligar — avisei, sem me importar se aquela desculpa fazia sentindo ou não; eu precisava limpar logo aquela bagunça, antes que Daniel descesse e descobrisse que eu tinha feito todo aquele estrago na cozinha só porque tinha tomado um susto com o susto dele; eu me sentiria ainda mais patético.

— Ok — Nando respondeu incerto. — Te vejo amanhã.

— Ah, é — quase tinha me esquecido da festa. — Até amanhã, então.

...

Era tarde de sábado quando escutei vozes animadas vindas do andar de baixo. Larguei minha lapiseira sobre a apostila e suspirei cansado, puxando os cabelos para trás. Por mais que eu estivesse odiando fazer todo o dever de casa no sábado, eu sabia que no dia seguinte estaria cansado demais para isso. E mesmo assim estava me agarrando a qualquer pequeno motivo que servisse de desculpa para deixar todos aqueles livros e apostilas de lado.

Prestei atenção nas vozes, que a cada sessão geral de risos ficavam mais altas e agitadas; eu estava tentando identificar alguma familiaridade nelas, esperando que Nando e Vitor já estivessem ali também.

Daniel tinha convocado alguns amigos para serem nossos ajudantes de arrumação para a festa e disse que, se eu quisesse, poderia chamar meus amigos mais cedo também. Cadu e Madu logo recusaram, porque iriam sair só os dois durante a tarde, mas Nando e Vitor não tinham nada melhor para fazer.

Quando ouvi Daniel chamando por mim escadas abaixo, sorri satisfeito. Corri até o hall e encontrei, além dos meus dois amigos, umas seis pessoas, todas já vestidas para festa. Olhei para mim mesmo. Eu estava usando minha velha camiseta estampada de Van Gogh, a calça de moletom que eu usava para dormir e nada nos pés. Dei de ombros e fui cumprimentar Nando e Vitor.

— Legal a sua casa — Nando disse olhando ao redor, como se na verdade estivesse procurando a cozinha – e talvez estivesse mesmo.

— A cozinha fica bem ali — apontei para trás e Vitor soltou uma risada enquanto Nando vinha para cima de mim e apertava minhas bochechas, como fazia com qualquer um que conseguia agradá-lo.

— Tão pouco tempo e já me conhece tão bem! — Nando riu, depois seguiu direto para cozinha.

— Fica a vontade — falei apenas para ser educado, porque, aparentemente, Nando já estava se sentindo em casa; ele simplesmente fez sinal de positivo com a mão direita antes de sumir atrás da porta da cozinha.

Antes que eu pudesse arrastar Vitor para longe daquela falação, Daniel se aproximou, pedindo ajuda para buscar as caixas com as luzes que nós havíamos comprado na quinta-feira. As caixas estavam na área de serviço, depois do jardim. Vitor seguiu Daniel até lá enquanto eu era obrigado a filmar tudo, atrás deles. Daniel estava, desde o começo do dia, andando para lá e para cá com sua pequena câmera, gravando cada pequeno acontecimento. E quando Daniel pediu para que eu filmasse o conteúdo das caixas e eu perguntei o motivo, ele respondeu que gostaria de fazer seus espectadores se sentirem como se estivessem preparando a festa junto dele.

Quando voltamos com as caixas, dividimos o trabalho. As meninas ficaram com a parte mais estética da decoração, encarregadas de escolher os melhores lugares para as luzinhas de LED e os globos de luzes coloridas, além de ajeitar a mesa com as bebidas e as besteiras comestíveis que havíamos trazido do supermercado. Os garotos ficaram responsáveis por ajeitar as caixas de som, por trocar as lâmpadas normais pelas de neon e encher as boias esquisitas que Daniel tinha comprado para usar na piscina.

Por causa do trabalho em conjunto, acabei conversando com alguns dos amigos de Daniel, que eram realmente engraçados. O único que não dirigiu uma palavra sequer a mim foi Nathan, o garoto alto que sempre estava grudado em Daniel; ele obviamente não gostava de mim, mas eu não me importava com isso porque também não gostava dele.

Terminamos nossa parte antes das meninas, e, enquanto o resto dos garotos ligava a TV para jogar videogame, eu decidi fazer como Daniel e fui tomar um banho. Usei o banheiro do meu pai porque não estava com paciência para esperar Daniel desocupar o nosso; ele era quase tão demorado quanto eu.

De qualquer forma, eu quase preferia tomar banho naquele banheiro, porque àquela hora da tarde a luz do pôr do sol se infiltrava pelas janelas de vidro fosco, e era realmente agradável tomar banho com aquele brilho quente alaranjado. Além disso, quando eu desliguei o chuveiro e deslizei a porta de vidro do box, me deparei com milhares de gotículas de vapor flutuando, visíveis no feixe de luz. Fiquei parado por um longo tempo admirando a cena, pensando em alguma forma de desenhá-la ou pintá-la.

Depois de enrolar uma toalha na cintura e caminhar até meu quarto, fechei a porta e me joguei de costas na cama. Fiquei encarando o teto, tentando entender o porquê de eu estar me sentindo tão apreensivo. Talvez fosse porque as coisas estivessem indo bem, e Daniel e eu estivéssemos nos dando bem. E isso me deixava quase tonto de ansiedade, porque me fazia pensar em como Daniel agiria comigo durante a festa, e depois quando todos fossem embora e apenas restássemos nós dois. E ainda depois, pelo resto da semana.

Suspirei, sentindo um gelo no estômago. Eu me sentia como se estivesse com fome, mas não quisesse comer. Ou como se eu estivesse com sono, mas não quisesse dormir. Ou ainda como se eu estivesse caindo, mas com meus pés firmes no chão. E pela primeira vez eu não me sentia culpado. Era uma sensação tão boa poder me permitir estar sentindo tudo isso.

Daniel me fez perceber que não existe um instante exato para se gostar de alguém. Talvez exista somente aquele momento em que a ficha cai, como se nos tirassem o chão por um segundo. Mesmo assim é engraçado parar para pensar na forma como eu agi perto de Daniel, como se gostasse dele muito antes de me dar conta disso. Como quando comecei a não mais usar os fones de ouvidos no carro, pensando que, talvez, Daniel pudesse querer conversar ou falar qualquer coisinha trivial durante o caminho. Ou quando parei de reclamar nas vezes em que Daniel trocava de canal, porque parei de ligar para o que estávamos assistindo para me importar somente com o fato de poder sentar ao lado dele no sofá. Durante os intervalos, no colégio, eu me sentava estrategicamente onde eu pudesse ver Daniel e seus amigos conversando, e, nos dias de negação, quando eu me sentava de costas para ele, acabava com torcicolo de tanto virar o pescoço para trás.

Eu o conhecia a menos de um mês e mesmo assim sentia como se estivesse alimentando aquele sentimento há muito tempo. Talvez porque fosse realmente forte e sincero.

E por mais que eu entrasse em pânico toda a vez que tentava me imaginar contando às pessoas que eu era gay, o mesmo pânico não parecia me atingir quando eu pensava em admitir simplesmente que eu gostava de Daniel. Porque gostar de Daniel suavizava as coisas. Suavizava o medo que eu sentia do que meu pai acharia se descobrisse, assim como o medo que eu tinha do meu avô, do resto da minha família e do resto da família de Daniel.

Mas se eu sabia que gostava de Daniel, não sabia o que fazer com isso. Afinal eu nunca tinha gostado de ninguém, principalmente porque passei um longo tempo tentando focar inutilmente em garotas. E por isso também não fazia ideia de qual seria o próximo passo. Na verdade, eu não tinha certeza se deveria dar algum próximo passo, já que, de acordo com tudo o que eu tinha aprendido até aquele momento, a situação não poderia parecer mais proibida.

De qualquer forma, talvez eu não devesse fazer alguma coisa. Na verdade, a única coisa que eu podia – e sabia – fazer era, simplesmente, esperar para ver aonde me levaria toda aquela coisa que eu estava tendo com Daniel e pelo Daniel.

De repente, me fazendo acordar para a realidade, ouvi batidas na minha porta. Sentei-me depressa enquanto mandava quem quer que fosse entrar.

— Luca? — Nando enfiou a cabeça para dentro do quarto, e logo me lançou um olhar de impaciência. — Você ainda nem se vestiu, cara! O Cadu chegou e nós queríamos formar um time, nós quatro, no FIFA.

— Ele já chegou? — ergui as sobrancelhas.

— Ele sabia que nós já estávamos aqui, você tinha convidado ele pra vir mais cedo também — Nando explicou enquanto brincava com a maçaneta da porta, sendo hiperativo como sempre. — Ele veio direto do cinema com a Madu.

— Eu já desço então — falei enquanto me espreguiçava. — Eu só preciso me vestir e secar o cabelo.

— Vai logo — Nando mandou. — O Daniel foi tomar banho antes de você e já tá lá em baixo.

— É que eu fiquei um tempo... — tentei me justificar, mas Nando me interrompeu.

— Eu sei, vegetando.

— Tão pouco tempo e já me conhece tão bem! — brinquei.

Nando revirou os olhos e riu pelo nariz, depois saiu, fechando a porta.

Com um suspiro preguiçoso me levantei da cama e fui até o armário para pegar as roupas que Daniel tinha comprado para mim na primeira vez em que tínhamos ido ao shopping. Dentro da sacola havia um jeans azul escuro que, se fosse um pouco mais apertado eu me recusaria a vestir, e uma blusa branca de mangas compridas e gola larga.

Depois que terminei de me arrumar por completo, desci as escadas, notando que o corrimão estava coberto de luzinhas. Havia uma quantidade maior de pessoas caminhando e conversando por ali, e eu já podia ouvir música vindo da sala de estar, onde estavam as caixas de som.

Antes de conseguir chegar até a sala, me deparei com uma das garotas com quem eu havia trocado algumas palavras mais cedo, quando eu estava ajudando na arrumação.

— Luca! — ela se aproximou sorrindo, os cachos do cabelo indo para cima e para baixo; tentei lembrar o nome dela, mas não consegui, então apenas sorri de volta. — O que achou da decoração?

Olhei em volta. Tinha ficado realmente impressionante, muito melhor do que eu achei que ficaria. Até as plantas de amora estavam enroladas por luzinhas de LED, e os globos de luzes estavam nos lugares perfeitos, preenchendo todo o espaço com as luzes que giravam sem parar.

— Ficou bem legal — respondi, recebendo um sorriso da garota.

— Bom, preciso ajudar a Mel agora — ela apontou para cozinha, e quando olhei naquela direção, avistei uma garota loira de blusa de alcinhas vermelha e saia justa, sentada em um banco enquanto molhava o pincel em um potinho de tinta e depois começava a desenhar algo no rosto de outra garota. — A gente se vê por aí?

Olhei de volta para a garota, que mantinha um sorriso radiante no rosto. Apenas assenti com um breve sorriso e, enquanto ela se dirigia até a cozinha, caminhei para a sala de TV.

Cumprimentei Cadu e depois me aconcheguei no meu canto preferido do sofá para jogar videogame com os garotos, enquanto Madu, ao nosso lado, conversava animadamente com as mesmas meninas amigas de Daniel que haviam decorado a casa para a festa, como se fossem amigas de infância. Conforme jogávamos as partidas de futebol, eu notava o quanto a casa ia ficando mais barulhenta e movimentada; o burburinho e a música alta já bloqueavam quase totalmente os sons do videogame.

Como nunca dei uma festa que não fosse de aniversário ou cuja lista de convidados tivesse zero de parentes, foi novo escutar a campainha tocando para apenas gente do colégio entrar em casa, carregando mochilas e bolsas que escondiam garrafas de bebida alcoólica.

Algumas pessoas foram se reunindo a nossa volta para acompanhar a partida ou para pedirem para serem as próximas a jogar. Durante os raplays dos gols, eu tirava os olhos da tela da televisão e às vezes encontrava Daniel zanzando entre as pessoas, conversando com uma pequena câmera que usava para gravar ele mesmo e os amigos com quem falava. Eu não sabia se era porque eu costumava a vê-lo apenas usando uniforme, mas Daniel estava realmente bonito com seu jeans rasgado, regata e uma blusa de flanela amarrada na cintura. Às vezes eu até perdia uma jogada por olhar por tempo demais para ele.

— O Vinícius não quis vir? — perguntei a Vitor, enquanto um dos replays passava na tela, depois de perceber que Daniel não estava por ali naquele momento.

— Ele veio, deve estar por aí — Vico respondeu, fazendo o primeiro movimento do jogo; faltava apenas trinta segundos para a partida acabar.

Conforme o resultado de um rápido par-ou-ímpar, Nando e eu formávamos um time, e Cadu e Vitor o time adversário, que estava perdendo feio. Nando havia sentado em uma ponta do sofá enquanto eu fiquei na outra, deixando Cadu e Vitor entre nós porque, como Nando tinha sussurrado para mim antes de começarmos a jogar, dessa forma poderíamos trapacear dando cotoveladas nos outros dois. Eu não era trapaceiro (para a sorte de Vitor), mas Cadu provavelmente ficaria com dois ou três hematomas nas costelas.

— Há, vitória! — Nando se inclinou sobre os garotos para que déssemos um high five, depois jogou o controle para cima de Cadu e subiu no sofá, erguendo os braços; o pessoal ao nosso redor começou a rir da cena.

— Vocês dois não fazem porcaria nenhuma além de jogar o dia todo — Cadu disse emburrado. — Óbvio que vocês juntos iriam ganhar. Foi injusto.

— Nada é injusto se foi escolhido no par-ou-ímpar — Nando sentou-se no sofá outra vez. — E o que tanto vocês fazem da vida pra me olharem como se eu fosse um vagabundo?

— Eu tenho aula de tênis três vezes por semana e nos outros dias faço inglês — Vitor deu de ombros com uma expressão de cansaço; mesmo que pudesse parecer que ele estava se gabando, nós sabíamos que ele fazia tudo aquilo porque seu pai o obrigava, não porque queria.

— Tá, sem tempo pra videogame, ok — Nando admitiu e depois mirou Cadu. — Mas você, Cadu, não tem desculpa pra ser ruim.

— Eu tenho uma namorada.

Vitor e eu demos risada enquanto Nando revirava os olhos.

— Você sempre faz questão de jogar na nossa cara que tem uma namorada — Nando reclamou, olhando incrivelmente irritado para Cadu.

E antes que ele resolvesse fazer alguma besteira do tipo socar a cara do amigo, levantei no ar o meu controle, perguntando de quem era a vez de jogar. Logo, mais quatro pessoas surgiram e tivemos que nos levantar para dar o nosso lugar no sofá, e fomos nos sentar onde eles estavam antes.

— Vou procurar o Vinícius — Vitor anunciou em vez de se sentar conosco. — Preciso tomar conta dele, antes que ele encha a cara e fique bêbado demais pra dirigir de volta pra casa.

Todos nós assentimos e, assim que Vitor virou as costas para nós, Madu surgiu em nosso campo de visão, as bochechas coradas, e sentou-se desleixada ao lado de Cadu, enganchando-se no braço dele.

— Ei, amor — Madu disse com um sorriso; ela estava mais tranquila e gentil que o usual, talvez estivesse um pouco bêbada; sabe-se lá o que havia no copo que ela estava dividindo com as amigas de Daniel. — Vamos dar uma volta?

Cadu assentiu para namorada com um sorriso malicioso, e apenas olhou brevemente para mim e Nando e murmurou um “a gente se vê” antes se ser arrastado por Madu, sumindo no amontoado de pessoas que dançavam ocupando todo o hall e parte da sala.

Nando suspirou. — Às vezes o Cadu me dá nos nervos.

— Ele não faz de propósito — falei, observando um casal se sentar no espaço vago do sofá ao nosso lado.

— Eu não tenho tanta certeza.

— Você quer tanto assim uma namorada? — indaguei.

— Não é uma namorada, é a namorada — Nando fez uma pausa para respirar fundo antes de decidir se explicar. — O Cadu sabe que tem essa garota que eu gosto e que, diferente dele, eu não tenho coragem pra dizer isso pra ela. Ele sempre dá um jeito de tocar nesse assunto em qualquer discussãozinha boba, mesmo que não tenha nada a ver com namoradas.

— Essa garota estuda no Apus? — eu quis saber.

Nando assentiu, e, pela primeira vez, percebi que ele estava realmente chateado por algo que não envolvia comida.

— E você não convida ela pra fazer alguma coisa por que tem medo de levar um não?

Nando assentiu outra vez, sem dizer nada.

— Acho que isso tem a ver com personalidade, sabe — continuei, tentando encontrar uma forma de reanimar o espírito de Nando. — Algumas pessoas têm mais dificuldade que outras pra aceitarem um não, e talvez você seja uma dessas pessoas.

— Mas isso significa que eu nunca vou ter coragem pra fazer nada — ele me fitou desanimado.

— Não é bem assim — protestei. — Olha, eu não sei sobre as outras coisas da sua vida, mas eu acho que você pode conquistar essa garota, ao invés de chegar nela falando o que sente, assim, de repente.

— Você quer dizer, tipo, preparar o terreno? — Nando ergueu as sobrancelhas, interessado, como se nunca tivesse pensado no assunto.

Dei risada. — É, acho que dá pra dizer assim.

— Isso parece menos assustador — Nando assentiu, mas logo endureceu a expressão novamente. — Mas eu não sei como se conquista alguém.

Ri anasalado. — Não se apavore, aposto que nós vamos pensar em alguma coisa. O Daniel é bom com esse negócio de ser sociável, quem sabe ele até conhece essa garota e facilita as coisas pra você.

— Seria bom um encontro em grupo — Nando comentou. — Acho que eu me sentiria melhor com bastante gente por perto.

— É um bom jeito de começar — concordei. — Mas, de qualquer forma, você precisa estar pronto pra superar alguns medos se realmente gosta dela, sabe, já que uma hora ou outra você vai ter que dizer como se sente, ou pelo menos tentar demonstrar como se sente. Se não ela nunca vai saber.

— Você tá certo — Nando assentiu com um suspiro, como se estivesse se preparando para o grande momento desde já.

— É... — falei, pensativo; aquele meu conselho para o Nando servia muito bem para mim também. — Eu acho que sim...

Não pude desenvolver muito bem aquele pensamento, porque senti alguém cutucando o meu ombro e logo me virei para trás. Em pé, atrás do sofá, havia uma garota de cabelos curtos e gargantilha me encarando.

— Você que é o Luca? — ela perguntou um pouco impaciente.

Fiz que sim com a cabeça, esperando que ela continuasse.

— Tem alguém sem convite tentando entrar, e tá dizendo que é seu amigo — ela informou. — O cara dos convites pediu pra você ir até lá e resolver isso.

— Ah, ok, obrigado — falei um pouco confuso, afinal todos os meus amigos já estavam dentro da festa, e eu tinha quase certeza de que não estava esquecendo ninguém.

A garota sorriu para mim e depois se misturou com o resto do pessoal, sumindo de vista tão repentinamente quanto tinha aparecido.

— Vou lá ver quem é — avisei Nando. — Você vai ficar aqui?

— Acho que vou procurar o Vico enquanto você vê isso — ele olhou ao redor, como se já tivesse começado a procurá-lo. — Me mande uma mensagem se não conseguir nos achar, beleza?

— Aham, depois nós continuamos a conversa — apertei o ombro de Nando, queria confortá-lo de algum modo; era estranho ver o Nando alegre de sempre desanimado daquele jeito.

Nando sorriu agradecido, depois nos levantamos e, enquanto ele seguia em direção à cozinha, me virei para o lado oposto, esquivando-me das pessoas até conseguir chegar à porta.

Quando o homem que Daniel tinha contratado para cuidar dos convites que me viu, desviou o olhar para algum ponto na direção da garagem e acenou para que alguém se aproximasse. Assim que contornei duas garotas que entregavam seus convites e atravessei a porta para o lado de fora, não pude acreditar em quem encontrei ali, parado, me encarando com um sorriso.

— Matheus? — sussurrei seu nome, surpreso, enquanto recebia um sorriso enfeitado de covinhas.


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Notas finais do capítulo

Espero que vocês ainda saibam quem é Matheus depois de todo esse tempo iowepowidcoij

Preciso falar três coisas importantes aqui!
Primeira: o objetivo da minha vida vai ser postar o próximo capítulo em menos de duas semanas, mas eu vou parar de prometer essas coisas de tempo de postagem, porque nunca se sabe quando eu vou passar por um bloqueio e, além disso, tem a faculdade, que não tá sendo fácil T.T
Segunda: Sobre o desenho Luciel: minha amiga desenhista trocou de casa e tá ocupada com a mudança, além de que ela tá fazendo faculdade também. Só garanto que vai ter esse desenho até o final da fic, mas não sei quando. Preciso respeitar o tempo dela.
Terceira: Por mais que eu demore pra postar, nunca, nunquinha vou abandonar a fic. Acho que já falei isso em alguma das notas da vida, mas quero reforçar. Essa história é muito especial pra mim, e eu com certeza vou terminá-la.

Até o próximo capítulo! xoxoxoxoxxxx