Enquanto o Sol Brilhar escrita por Gabriel Campos


Capítulo 6
Jana: Juntando os cacos


Notas iniciais do capítulo

Música: The Only Exception
Intérprete: Paramore

https://www.youtube.com/watch?v=uZi0Q9vpO8k

Quero agradecer a todo mundo que está comentando, que favoritou, até aos fantasminhas que eu já considero pakas. Obrigado a quem me prometeu recomendação. Nunca pensei que essa fic chegaria a tanto. Tô meio emocionado e empolgado par escrever mais rsrsrs



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Todas as roupas e pertences importantes meus e de Tati estão dispostos em duas grandes malas as quais nós duas podemos carregar sozinhas.
Eu não sei exatamente para onde ir, nem ao certo o que fazer. A minha única certeza é a de ter de sair dessa casa e levar minha irmã comigo, pois sei que aqui, em nosso próprio lar, corremos perigo enquanto mamãe achar que Fagundes é um homem bom. Penso em ligar para Diogo, dizer a ele que eu aceito de todo coração fugir com ele da cidade, mas reflito e concluo que meu namorado não merece carregar nas costas os meus problemas. Comunicarei a ele mais tarde o turbilhão de emoções que se transformou minha vida.

Vinte minutos depois, ouço ao longe o som de uma buzina, estabanada. É Ana Paula, minha melhor amiga, que recebeu com êxito a mensagem que lhe mandei.

É hora de sair do quarto. Pego a mala e seguro minha irmã pelo pulso enquanto ela arrasta sua bagagem pelas rodinhas. Ponho a cabeça para fora do quarto e me certifico de que Fagundes não está pelo corredor. Tento não olhar mais para nada, apenas para a saída. No entanto, a foto em cima do raque, emoldurada e empoeirada do meu pai, vestido com o uniforme azul e amarelo dos correios me prende a atenção. Aquela foto sempre esteve ali, mesmo depois que papai morreu e depois que mamãe colocou outro homem dentro da nossa casa. Olho para a foto, depois para Tatiana, que nada entende, mas confia em mim mesmo assim. Estou fazendo isso por mim e pela minha irmã, papai. Sei que ficaria orgulhoso.

Ana Paula buzina de novo e eu me apresso em sair daquela casa. Será uma vida nova, porém árdua, eu tenho certeza.

🐾

Ana Paula mora sozinha num apartamento bem espaçoso, num condomínio, um pouco longe da minha antiga casa. Como é bem próximo à universidade, vejo pessoas do curso de medicina veterinária e até mesmo de outros cursos pelas redondezas enquanto estamos chegando. Há também muitas repúblicas, justamente pela proximidade com a universidade, o que facilita a vida de estudantes que vêm de outras cidades e até mesmo intercambistas.

— Aninha, muito obrigada por tudo. Juro que Tati e eu ficaremos aqui por pouco tempo. É só enquanto eu arrumo a minha vida. Apesar de ela estar uma bagunça, garanto a você que não demoraremos muito.

— Calma, fofa. — diz ela, manobrando o carro para entrar na vaga do estacionamento. — Não se preocupa com isso, vocês não são incômodo algum. Eu só lamento pelo que aconteceu e quero ajudar você. Nós somos amigas há tanto tempo! Seria uma puta sacanagem eu não te ajudar numa hora dessas.

— Obrigada. De verdade. — agradeço e desconsidero o palavreado da moça.

Aninha ofereceu o sofá-cama de sua sala para que eu dividisse com minha irmã. Eu deito e abraço Tati. Ela faz um sinal com as mãos, perguntando pela nossa mãe e eu digo para que ela durma, apenas. Eu só quero esquecer este dia terrível.

Quando acordo, percebo pela janela do apartamento que o sol do novo dia já aparece tímido pelas nuvens do céu alaranjado. Olho no meu celular: chamadas de minha mãe e de Diogo dividem a tela. Coço os olhos, olho para o lado e observo minha irmã dormindo como um anjinho. Eu vou te proteger, não como nossa mãe, mas de verdade.

Decido retornar a ligação de Diogo, que me atende com voz de sono.

— Estou na casa da Aninha. - digo. Ele questiona do outro lado da linha o porquê de eu estar ali - Só vem aqui. Eu preciso conversar com você.

Desligo. As ligações de dona Sandra Bernades Fagundes, por hora, serão ignoradas. Eu nem sei o que dizer a ela. Talvez ensaiar um "o seu marido é um maníaco pervertido" ou algo mais brando. Não, ela não acreditaria. Minha mãe nunca deu importância para nenhuma palavra proferida por mim, essa é a verdade. O que lhe interessava era que eu lhe desse assunto o suficiente para que ela se gabasse no salão de beleza . "Leva seu cachorrinho lá em casa . A Jana é médica de bichos.", eu posso ouvir das profundezas da minha mente. Eu posso lembrar quando as amigas fofoqueiras da minha mãe começaram a levar seus gatos doentes lá em casa, assim que eu entrei no curso e estava perdida quanto ao que eu realmente queria fazer, me matando para aprender a anatomia dos animais domésticos, a biologia, a química e outras disciplinas base para o curso. Não que eu não gostasse de cuidar dos pobres animaizinhos, mas eu não tinha nada como experiência. Eu me sentia impotente por não poder ajudar aqueles animais. Como agora estou.

— Bom dia, Jana! — Ana Paula nos cumprimenta, segurando uma xícara com um smiley estampado — dormiram bem?

— Sim, seu sofá é ótimo. — eu sorrio e passo a mão nos cabelos emaranhados de Tati, que continua a dormir. - Eu nem sei como te agradecer, amiga.

— Moça, a companhia de vocês vai me agradar e muito. — ela diz, alegre, do jeito dela. — Você vai à aula, Jana?

— Não. Se você não se importa, chamei o Diogo para vir aqui. Quero conversar com ele de uma vez por todas.

— Você está pensando em ir embora com ele mesmo?

— Se sim, eu quero ir rápido. Quero me mandar desta cidade e levar minha irmã comigo. - respondo, observando Tatiana dormir — e talvez eu tenha de abandonar o curso. Talvez trancar, e voltar depois, quando minha vida normalizar.

Nunca pensei que fosse falar isso. A medicina veterinária é, sempre foi e sempre será tudo para mim, mas as circunstâncias me levam a crer que sacrifícios precisam ser feitos. Agora eu tenho uma pequena família, preciso sustentar a mim e à minha irmã. O dinheiro que tiro nos plantões na clinica não dão para quase nada. Não posso viver de favor para sempre e tampouco ser sustentada por Diogo. Talvez um dia, no futuro, eu possa me formar. As prioridades agora são outras.

— Não diz isso, Jana! — Ana Paula se senta ao meu lado e me abraça — Se for por você estar aqui, não tenha pressa. Eu vou adorar a companhia de vocês duas. Além do mais, você pode pedir transferência para a Universidade onde Diogo vai estudar, no interior. Não fuja dos seus sonhos, minha amiga. Jana, você nasceu para ser médica veterinária e não vai ser por causa do monstro do marido da sua mãe que você vai abaixar a cabeça. — ela toca meu rosto — Ei, me escuta! Eu não quero ver você desistir, ouviu bem? A gente está quase no fim, não nade tanto para no final morrer na praia.

Houve uma outra vez em que eu quis desistir do curso: no começo. Foi quando eu achei que eu não conseguiria me adaptar à nova vida. Eu passei no vestibular aos dezessete anos, sempre fui baixinha, a menos desenvolvida, a desprovida de seios e eu me incomodava por ser a nanica no meio de tanta gente mais velha. Chorei por muitas noites, quando desistia de tentar entender a matéria. Muitas vezes saía de casa e ia para aula com fome; era o tempo das vacas magras, pois mamãe estava desempregada, e eu preferia dar meu café da manhã à minha irmã a ter que vê-la comendo meio ovo frito num pedaço de pão. Cheguei a desmaiar algumas vezes e Ana Paula, a garota que sempre esteve ao meu lado nos momentos mais difíceis, foi a primeira a saber da minha situação. Durante o primeiro semestre de curso ela me disse, pela primeira vez, para não desistir, como agora eu estava querendo fazer e como agora ela estava tentando me convencer. E foi durante a aula de anatomia animal que minha professora falou uma coisa que ecoa na minha cabeça desde então: "Quando você é pobre, a única coisa que você tem para se apegar é o futuro que terá pela frente caso se dedique aos estudos. Então estudem. E se apeguem ao futuro como um cão segura um osso e jamais larga."

São dez da manhã quando Diogo aperta a campainha do apartamento. Estou lavando as louças, não quero ser um estorvo. Tati assiste desenhos, concentrada para saber o que está acontecendo na tela da TV.

— Entra. — digo. Por um momento sinto vontade de saltar sobre seu corpo e agarrar meus braços ao redor de seu pescoço. Pedir a ele que me proteja, pedir sua ajuda. No entanto, cumprimento-lhe com um leve selinho. Ele entende que estou triste; não houve uma recepção calorosa.

Tati percebe que Diogo está ali e corre para abraçá-lo. Ele lhe dá um beijo no rosto e a pega nos braços de maneira divertida, deixando-a a alguns centímetros do chão. Minha irmã ri e eu me sinto bem por ouvir sua risada depois de tanta desgraça. Diogo diz, em desajeitada libras, "oi, minha linda" e eu me sinto orgulhosa por ver que ele aprendeu o que lhe ensinei. Digo à minha irmã para voltar a assistir e ela obedece.

— Quer água? - ofereço ao eu namorado com um fio de voz que me resta. Abro a geladeira, mesmo sem ele ter me respondido e, ao me virar, vejo aos belas esferas verdes de Diogo me fitando. Há pontos de interrogações no lugar de suas pupilas.

— O que aconteceu, Jana? Meu amor, eu sei que você não está bem. - ele se aproxima e me abraça, encosto minha cabeça sobre seu ombro largo e ele beija minha cabeça por sobre meus cabelos.

— Eu quero ir embora com você.

Ele me posiciona de modo que eu possa ver de novo seus olhos, agora sorrindo por eu ter aceitado sua proposta que outrora me parecia indecente.

— Por que você está triste, então? — ele indaga. — Eu te garanto, Jana, que vou te fazer a mulher mais feliz do mundo. A vida no campo vai ser bem melhor, se é disso que você tem medo.

— Não é disso que eu tenho medo. — confesso e olho para minha irmã, que continua atenta ao desenho, na sala. - Tenho medo pela Tati. Quero levar ela conosco. Quero protegê-la.

Então conto, com detalhes, sobre quem meu padrasto, Fagundes, é. Sobre o que ele fez comigo, sobre o que ele faz com minha mãe e sobre o que ele tentou fazer com a minha irmã. Vejo a pele branca de Diogo avermelhar com tanta ira e suas narinas abrirem mais. Ninguém, com a mínima dignidade, suportaria aguentar a minha história sem nem ao menos fechar a mão em punho e ter vontade de socar aquele homem.

— Eu vou proteger as duas, Jana. — Diogo me consola — Mas quero que você se forme. Conte comigo. No final do próximo semestre nós estaremos indo embora para o interior.

Eu fico um pouco contente. Diogo vai embora levando consigo seus planos, as promessas e eu passo a tarde abraçada com a minha irmã. Ponho a TV no mudo e entro no mesmo mundo que o dela. É tão lindo, tão perfeito, me dá saudades. Ana Paula, no entanto, chega, e eu vejo que é hora de entrar no mundo dos adultos novamente. No mundo dos adultos veterinários.

— Vá para o seu estágio. — diz ela — Eu sei que exercer sua futura profissão é o que te faz mais feliz. Eu cuido da Tati enquanto você está no plantão. Agora vai.

Caminho de jaleco pelos corredores da clínica e acabo vendo meu próprio reflexo numa porta de inox. Esta sou eu. Janaína Bernades, futura médica veterinária. Jana, para os íntimos.


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Notas finais do capítulo

Jana vai dar a volta por cima? O próximo é sobre o Bob e o cãozinho :)