Enquanto o Sol Brilhar escrita por Gabriel Campos


Capítulo 16
Jana: O dia em que o mundo não acabou


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo tem alguns gatilhos mentais relacionados a estupro, porém eu tentei deixar tudo o mais ameno possível, não realizando descrições nem nada do tipo.
Meu bloqueio criativo em ESB começou no capítulo passado, pois eu não consegui dar continuidade a essa história. Às vezes a gente se acha maduro o suficiente pra tratar de vários assuntos, but... E olha que eu já tinha meus 20 anos.

Música: Somebody to Die For (extended version)
Intérprete: Hurts

Link: https://www.youtube.com/watch?v=UWC35H6JWik



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Hoje, quarta-feira, sete de outubro de dois mil e quinze é, segundo alguns religiosos fanáticos da internet, o (mais um) dia em que o mundo irá acabar. 

Quando abri os olhos hoje, eu bem que hesitei em sair da cama, agora me arrependo, mesmo sabendo que se eu ainda estivesse dormindo, o mundo aqui fora continuaria rodando.

O mundo ainda não acabou. Mas o meu, pelo menos, está prestes a acabar.

Um aroma de camomila invade as minhas narinas. Devo ter dormido no sofá da minha antiga casa. Não faço ideia de como consegui dormir no meio de todo aquele desespero, talvez um dos policiais tenham me acertado com um dardo tranquilizante. Tola. Levanto-me do sofá e sigo tal cheiro, chegando, obviamente, à cozinha.  O cãozinho Jack dorme comportado no canto da porta da cozinha, com o focinho entre as patas. Bob faz um chá, suas mãos tremem um pouco. O rapaz acaba deixando algumas gotas de água quente respingarem no seu corpo. Com o reflexo, ele solta e tudo acaba derramando dentro da pia.

Bob solta um palavrão aleatório.

Bob apóia os cotovelos no mármore da pia, põe as mãos no rosto e respira fundo. Penso em voltar ao sofá e dormir, mas quero saber o que aconteceu. O que fizeram com a minha mãe? E aqueles policiais, para onde foram? Acharam Tati? Pegaram Fagundes? Queria que tudo estivesse resolvido, que meu sono tivesse sido como um passe de mágica que transforma tudo em um felizes para sempre. 

Porém, eu estou sempre errada quanto às escolhas do universo para mim.

— Bob? - Digo. Ele se assusta um pouco ao ouvir minha voz. Não sei se é devido ao fato de eu estar mais calma em comparação a algumas horas mais cedo ou apenas pelo susto de ouvir algum som no meio de todo este silêncio absoluto.

— Ah... m-me desculpa, eu não queria causar toda essa bagunça. - ele dá um passo para trás, o suficiente para derrubar algumas panelas no chão, logo apanhando e as pondo no lugar. Isso me tira alguns sorrisos, tenho um apreço por gente atrapalhada, talvez por eu ser também.

Bob olha para mim , assustado, trêmulo. Eu percebo que não deveria estar sorrindo. Lembro-me do turbilhão de problemas que eu deixei de lado antes de , sabe-se lá como, adormecer.

— Dra. Jana, você precisa ser forte.

 

Ouço palavras soltas vindas da televisão. Estou agora deitada no quarto do apartamento de Ana Paula, envolta em um edredom. Minha pele arde em febre.
Saio da cama, ainda enrolada ao quente edredom. A luz da televisão entra pela porta do quarto. Sigo-a.
Mais frases e palavras soltas. Aproximo-me.

"Corpo encontrado" ; "Quinze anos " ; "Matagal" ;

Não é tão difícil juntar todas essas palavras-chave. Tudo o que Bob me contou hoje cedo estava vindo a tona. E o mundo ainda não havia acabado.

É difícil descrever o que sinto. É uma dor que, de tão dolorosa, não dói. Você sente apenas que falta um pedaço seu. Você se sente impotente, fraca.

Eu poderia ter dado o meu melhor. Eu vacilei. Fagundes conseguiu o que queria. Tati está...

Abro a porta e caio de joelhos no chão, segurando, em vão, o trinco. Grito, agora esmurrando as minhas pernas. Puxo os meus cabelos com toda a força que tenho. Ana Paula desliga a televisão e corre para me apartar, de alguma forma. Ela me abraça. Percebo que Roberto e o cachorro Jack também estão ali.

Fico envergonhada. Eu não quero demostrar minha dor para ninguém, mas é em vão. Eu não consigo lutar. É o pior sentimento que alguém pode sentir. Sinto o meu ninho vazio, destruído. Estou sem chão, sem morada. Penso que não tenho como continuar, não com esse peso, não com a ideia de que eu poderia ter melhor evitado tudo isso. Todo esse sofrimento.

Eu não paro de chorar. Ana Paula e Bob não conseguem me consolar. Não consigo ouvir o que eles falam. Estão ajoelhados no chão, por vezes me abraçando, por vezes enxugando minhas lágrimas, que descem pelo meu rosto como uma forte cachoeira.

Eles também estão chorando. Qualquer um em sã consciência choraria. Ninguém é forte o suficiente diante de uma situação desta natureza.

Sinto, de repente, a língua áspera de Jack percorrendo o meu rosto.  Bob tenta afastá-lo, mas em vão. O cachorro continua e acaba arrancando um sorriso meu.

— Alguém precisa escovar os dentes. - Comento, finalmente, referindo-me ao hálito um tanto quanto forte do cãozinho Jack. Limpo as lágrimas que restaram no meu rosto com as costas do braço direito  e me recomponho, pondo a mim mesma de pé.

Ana Paula me fita maternalmente com suas esferas castanhas e úmidas ali naquela sala. Bob está abaixado, disfarçando, fazendo carinhos aleatórios no dorso de Jack. Talvez o rapaz também esteja de mãos atadas com toda a situação. Para ele eu era a Doutora Janaína Bernardes, a heroína que salvou o seu amiguinho Jack da morte.

Bob e Ana Paula infelizmente não podem fazer nada por mim a não ser estarem comigo. E, um dia, se todo esse furacão abandonar a minha alma e o meu coração conseguir cicatrizar, eu agradeceria.

Quisera eu ter o poder se salvar um ente querido da morte. Quisera eu ter o poder de acabar com o mundo com o piscar de olhos.

É por isso que eu amo os animais e os defendo a qualquer custo. A humanidade é fria, doentia, imunda. As pessoas  são tóxicas, indignas. Eu odeio tais boatos de fim do mundo porque há momentos em que eu sou egoísta a ponto de desejar que o planeta Terra se exploda. 

O ano 2000 e o bug do milênio; dezembro de 2012 e o Calendrário Maia;  o dia de hoje.  O mundo poderia ter acabado em quaisquer dessas ocasiões. Seria muito egoísmo meu desejar que o mundo acabasse hoje? Seria muito mais fácil se tudo acabasse com uma grande explosão, levando todos os meus problemas à pó. O Sol poderia explodir e destruir todo o universo.

Mas o Sol insiste em brilhar. 

 


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Notas finais do capítulo

"Eu poderia te arrastar do oceano
Eu poderia te puxar do fogo
E quando você está de pé nas sombras
Eu poderia abrir o céu
E eu poderia dar-lhe a minha devoção
Até o fim dos tempos
E você nunca seria esquecida
Comigo ao seu lado"

— HURTS, SOMEBODY TO DIE FOR



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