Enquanto o Sol Brilhar escrita por Gabriel Campos


Capítulo 12
Jana: Antes do fim


Notas iniciais do capítulo

Gente, estou escrevendo de um notebook emprestado, por isso estou demorando a entrar aqui e tal. Mas por favor, não abandonem a fic ^^

Música: Other Side of the World
Intérprete: KT Tunstall

https://www.youtube.com/watch?v=aovpoMvv6rE



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Sento-me ao lado de Bob, que neste momento chora, com as palmas das mãos no rosto, na sala de esperas do hospital público da cidade. O ar condicionado parece estar ligado em sua temperatura mínima e isso me lembra o dia em que Diogo e eu subimos a serra para uma viagem e…

Péssima hora para se lembrar do Diogo. Quando eu me recordo do que aconteceu naquele jantar com os pais dele. Meus futuros sogros... Preciso ocupar minha mente com outra coisa.

— Alguma notícia da Dona Tânia? — ele me pergunta. O garoto me olha nos olhos. Os dele estão úmidos, vermelhos e cansados.

— Nada ainda, Bob. Mas não se preocupe, tão logo o médico estará por aí. — respondo. E ele volta a apoiar o rosto na palma das mãos.

Eu nunca estive num hospital. Digo, de seres humanos. Apesar de ser um projeto de médica veterinária, aprendi que muito da anatomia e da fisiologia animal se assemelha com a anatomia e fisiologia humana, no entanto, nunca seria capaz de lidar com um ser humano doente. É por essa e por outras que não escolhi seguir a carreira de medicina humana.

Silêncio. Não há nada mais do que o burburinho dos funcionários do hospital e dos soluços de Bob, chorando baixinho. Me sinto impotente, meio desconfortável. Sei que neste momento o que o consolaria seria um abraço, mas penso que abraçar este, até então, completo desconhecido pode ser estranho.

Num momento como este, um abraço nunca é demais. Que droga, eu preciso de um abraço também!

Ainda sentada ao lado dele, aproximo-me. Estico meu braço e faço com o que o corpo dele encoste no meu. Roberto chora em meu ombro por algum tempo, mas depois se afasta de mim.

— Desculpa, você deve estar me achando um tremendo de um marica. — ele diz, limpando as lágrimas — Mas é que a Dona Tânia é a única pessoa que eu tenho. Ela é como uma mãe para mim.

— O pessoal do condomínio diz que ela é uma ótima síndica e uma pessoa muito boa — afirmo, lembrando-me do que minha amiga Aninha sempre diz — Não fica assim, pensamento positivo.

Eu sou péssima em acalmar e consolar as pessoas, pois eu sempre acabo ficando nervosa também. Meus professores, mestres em veterinária são um pouco frios, eles aprenderam com o tempo e experiência a serem frios diante de situações delicadas, mas às vezes acho que nunca vou aprender a ser tão gélida assim.

Roberto me dá um sorriso no meio de toda aquela tristeza. Ele sabe que eu estou tentando dar o meu melhor.

— Muito obrigado, doutora Jana. — ele agradece — Eu sei que já tomei todo o seu tempo, então eu não vou me importar se você já quiser ir.

Eu retribuo o sorriso. Nunca o deixaria ali, sozinho, segurando aquela barra. Meu Deus, eu mal o conheço, amanhã eu tenho aula cedo, mas eu não sou uma pessoa ruim. Como aquela minha sogra.

— Escuta, Bob, você não tem família? Digo, o que aconteceu com seus pais?

— Eles me deserdaram. — explica — Quer dizer, é uma história muito longa, mas digamos que eu sempre fui a ovelha negra da família. Meus irmãos foram fazer sucesso no exterior, serem motivos de orgulho e eu acabei ficando para trás. É assim mesmo, sempre que há um tomate podre na gaveta da geladeira, é preciso retirar ele de lá, antes que contamine os outros. Por isso decidi ir embora de casa.

Pelo jeito que ele fala numa boa sobre isso, até parece que foi fácil para Bob sair de casa, de abrir mão da família. Mas não é. Eu sei disso porque também não tenho mais família, a não ser minha irmã. Às vezes penso na minha mãe, em como ela está ao lado daquele suíno imundo que ela escolheu para ser seu marido e substituir papai. Não obstante, também coloco na balança o peso do quanto minha vida melhorou quando peguei minhas coisas e sai de casa ao lado de Tati. Por mais que doa no começo, se seu coração diz que o melhor é tomar uma decisão tão drástica e difícil, e por mais que uma ferida se abra, o tempo cura quando a felicidade vem. Talvez tenha sido para Bob assim.

— Preciso ir então, Bob. — digo, com peso no coração. Retiro um cartão personalizado da minha bolsa — por favor, me liga e me dê notícias.

Despeço-me do rapaz com um beijo no rosto, um tanto quanto maternal. Caminho, procurando pela saída do hospital, há um vazio dentro de mim, principalmente quando me afasto de Bob e começo a me lembrar dos acontecimentos desta maldita noite, horas atrás.

Maldita noite...

Posso sentir ainda olhos de Dona Olga Mourão me fitando, de cima abaixo, tensos, vermelhos, lacrimejantes, não tanto quanto os meus; seus dedos apertando meu braço e unhas bem feitas quase perfurando a minha pele. Sua voz ecoando: “Agora, garota, você vai me ouvir”, ainda posso sentir o mesmo calafrio que senti naquela hora. Transporto-me para horas antes.

A porta do banheiro está trancada, recordo-me muito bem que foi a própria mãe de Diogo que a trancou. O grande e limpo toalete, cheio de azulejos brancos, parece ficar maior a cada segundo. Eu estou apavorada, sozinha ali, com aquela mulher.

— A senhora está me machucando. — sou obrigada a dizer. A mulher, cheia de classe, de batom vermelho e de petulância solta meu braço.

— Você não pode ficar com o Diogo. Você não é boa o suficiente para ele.

— E quem a senhora pensa que é? Deus? — retruco, na mesma moeda. Não posso deixar que a excelentíssima dona Olga Mourão defeque na minha cabeça. Eu sou fraca, mas não o bastante para deixar parecer vulnerável na frente de pessoas como ela.

Olga gargalha. Sua risada malévola se transforma no som dos meus pesadelos. Eu quero ir embora, mas por outro lado quero vencer aquela batalha.

— Eu não sou Deus, você está certa, garota. — Olga se escora na pia e cruza os braços, me encarando. Sinto-me uma miniatura, estou perdendo. Talvez ela seja um deus mesmo. — Mas eu sou uma mãe, você deve sentir pelo menos uma gota do que eu sinto pelo meu Diogo quando está tratando de seus pulguentos.

Maldita mulher. Maldita noite aquela!

— Eu sei o que é melhor para o meu filho e você não é o que ele merece. Ele precisa de mais, e não de uma suburbana como você. Sem ofensas querida, mas Diogo não quer se casar com você. Ele está te iludindo.

Fico surpresa por saber que Diogo tenha mencionado o casamento para os pais. Mas estou furiosa com as palavras disparadas por aquela mulher a mim, como uma metralhadora de adjetivos ofensivos.

— Diogo tem pena de você, querida. — continua ela — Ele nunca iria querer como esposa alguém que vai passar a vida toda limpando bosta de cachorro para ter o que comer. E isso é tão engraçado. — ela dá uma daquelas gargalhadas de novo.

A primeira lágrima aparece em meus olhos e eu empurro Olga Mourão para que eu possa alcançar a tranca da porta. Preciso fazer isso antes que a primeira lágrima caia. Preciso ir embora. Preciso fazer isso antes do fim.

Corro pela cozinha e acho uma porta dos fundos. Saio daquela casa como uma suburbana, derrotada, reduzida ao mínimo, ao pó, ao último átomo de carbono que me compõe.

🐾

Jogo a cópia das chaves do apartamento em cima da mesa e jogo o que resta do meu corpo e da minha alma no sofá. Aninha e Tatiana com certeza estão dormindo. Tento ver a hora no celular, mas os dígitos parecem estar dançando em frente à minha visão. Que se dane, já deve ser quase de manhã.

Não consigo pregar os olhos. Infelizmente este maldito dia não vai terminar tão cedo, sinto que precisarei emendar o dia anterior com o de hoje. Não sei se penso no pobre Bob, sozinho naquele hospital, esperando uma resposta positiva quanto à saúde de Tânia; não sei se penso em Diogo, que deve ter me esperado voltar do toalete a noite toda. Penso no que a mãe dele deve ter dito, ou melhor, sentido, após eu ter ido embora. Alegria, com certeza.

Preciso dar um rumo à minha vida, mas estou com muito sono para isso. Meus olhos pesam. Durmo no sofá. O dia acabou; os dilemas, não.


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