Enquanto o Sol Brilhar escrita por Gabriel Campos


Capítulo 10
Jana: No covil da cobra


Notas iniciais do capítulo

Agradecendo à Bela pela recomendação :3

Música: Toda dor do mundo
Artista: Gram
Link: https://www.youtube.com/watch?v=XXY5R_mbcZ8



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/605601/chapter/10

As coisas vão indo bem. Continuo trabalhando no meu Trabalho de Conclusão de Curso, enquanto muitos outros colegas meus estão preocupados com os preparativos da festa de formatura, que será no final do próximo semestre.

"Qual será a empresa que cuidará das fotografias?"
"Aonde iremos tirar nossas fotos?"
"Qual será o buffet que contrataremos?"

Sinceramente, eu não quero nada disso. O que me importa agora é me formar, pegar minha irmã e sair dessa cidade, para o mais longe possível. Com Diogo. Ele e Ana Paula foram meu porto seguro durante os últimos dias. Talvez, se não fosse por eles, eu não estaria tão tranquila como estou agora.

— Quero que você conheça meus pais, Jana. — diz Diogo. Estamos no apartamento de Aninha, comendo pizza neste fatídico domingo. E Sei que a decisão de me levar para conhecer seus pais, para meu namorado, é uma decisão que foi pensada minuciosamente. Pelo pouco que sei até então do Senhor e da Senhora Mourão é que eles formam um casal muito tradicional.

Engasgo-me. Aninha percebe que estou assustada com aquilo tudo e tenta disfarçar oferecendo mais um pedaço de pizza para minha irmã Tatiana, que aceita.

— O que me diz, Jana? — Diogo toma minhas mãos para si e meu coração palpita mais forte. Estou com medo — Meus pais querem muito conhecer você. Acho que exagero um pouco porque sempre estou falando de você e... bem, acho que você e minha mãe vão se dar muito bem.

— T- Tá legal. Ok. — Eu aceito, balançando a cabeça repetidas vezes. Depois percebo que respondi por impulso. Diogo parece bastante animado com a ideia de me apresentar para sua família e decepcioná-lo recusando tal oferta me parece falta de educação.

— Acho que sujei suas mãos com essa gordura deliciosa de pizza. — ele diz, soltando minhas mãos e rindo. — Lá em casa não comemos pizza, assim, com as mãos. Usamos talheres. Quer dizer, acho que nem comemos pizza.

Tati faz um gesto com as mãos: Está uma delícia!

— Então, meninas, preciso ir. — Diogo se despede de mim com um selinho e de Ana Paula com um beijo na testa. Ele me surpreende quando, em Libras, diz à Tati que vai ficar com saudades e que volta logo. — Estou aprendendo. — ele nos confessa. — E, Jana, amanhã às sete eu passo pra te pegar, OK?

Meu coração acelera mais.

🐾

— Ok, amiga. O que foi aquilo? — Aninha questiona a mim, enquanto lavo as louças.

— Aquilo o quê?

— Jana, por favor! Eu te conheço há, sei lá, cinco anos? Eu vi que você não está a vontade com a ideia de conhecer a familia do Diogo.

Fecho a torneira. Será que estava tão na cara assim?

— É que, eu sei que o Diogo é de uma família rica e...

— Ah, amiga por favor! Isso é tão clichê!

— O que você quer dizer com isso? — indago.

— Janaína, não é porque você é uma moça simples, que os pais do Diogo não vão apoiar o romance de vocês.

— Mas será que eles sabem que nós pretendemos sair da cidade? Ele é filho único, Aninha, e sempre viveu sob as asas dos pais... Tenho medo de eles acharem que eu sou uma oportunista. E se eles souberem que eu tenho uma irmã menor para sustentar?

— Amiga, não esquenta. — diz Ana Paula. — Vai dar tudo certo. E se eles forem chatos, lembra que você já lidou com clientes mais chatos lá na clínica veterinária, ok? E, falando nisso, vou me atrasar para o meu plantão. — ela me dá um beijo no rosto e apanha as chaves do carro em cima da mesa— Aproveita o restinho do seu domingo, viu, sortuda?

— Se eu não tivesse de terminar um TCC... — brinco.

🐾

O grande dia seguinte chega. Percebo que as horas estão passando depressa. É incrível como o tempo está passando mais rápido ulimamente. Estou nervosa. Ansiosa, confesso. Seis e meia, não sei bem o que vestir. A cama de Ana Paula está uma bagunça, não sei se minhas roupas, ali espalhadas, servem para a ocasião. Decido pegar um vestido azul marinho, o meu preferido. Na verdade, ele é a minha melhor roupa, contudo, ainda estou insegura. Ponho um par de brincos dourados e penteio meu cabelo, fazendo um rabo de cavalo. Decido calçar um par de sapatos de salto que minha colega de apartamento me emprestou hoje mais cedo (eles devem valer mais do que a minha própria vida).

A campainha toca. Sete em ponto. Sim o tempo está passando rápido.

Caminho vagamente pela sala: Ana Paula assiste ao Animal Planet com a minha irmã. As duas estão tão entretidas que deduzo que Aninha mal ouviu a campainha soando, agora pela segunda vez. Abro a porta. Diogo se espanta, e eu também: ele traz flores.

— Você está linda! — ele me cumprimenta com um beijo de lábios quentes e me entrega as flores.

— Adorei. — Pouso o buquê na mesinha próximo a porta.

— E então... Vamos? — Ele toca a minha mão. Tento me sentir segura, mas à medida que ele me puxa em direção ao elevador, meu cérebro entra em pane. Sinto que não deveria ir, sinto que deveria estar com Ana Paula e Tatiana, sentada no sofá, comendo pipoca, assistindo à TV à cabo.

Como eu gostaria que este carro quebrasse agora. Por Deus, como estou nervosa!, penso. Meu namorado não tira o sorriso do rosto enquanto dirige e meu nervosismo é tamanho que eu mal noto as covinhas que se formam no rosto dele quando ele sorri e eu gosto tanto.

Chegamos. A casa é enorme e fica na parte mais nobre da cidade. Há um jardim enorme na frente, que cheira a lavanda e aquele aroma me entorpece à medida que Diogo e eu caminhamos até chegarmos até a entrada da casa, de fato. Ele aperta a campainha e me olha, ainda sorrindo. Deus, ele ainda não parou de sorrir desde a hora em que foi me buscar. As borboletas voam, brincam e sacolejam meu estômago.

Uma senhora, aparentando ter cinquenta e poucos anos de idade abre a porta. Usa um penteado chique no cabelo grisalho, porém belo, e um vestido elegante com um xale sobre os ombros. Dona Olga Mourão, mãe dele. Nos cumprimentamos e ela me convida para entrar. Enquanto caminhamos em direção a sala, sinto que a mulher me olha da cabeça aos pés. Sinto que vou cair se não me sentar logo.

— Com licença. — digo, sorrindo, mas explodindo de medo por dentro, antes de me sentar no sofá. Diogo senta ao meu lado.

Olga se acomoda numa confortável poltrona marrom da sala e cruza as pernas. Ela me encara com suas órbitas cor de mel que se destacam no meio de tanta maquiagem. Pelo visto sorrir não foi uma coisa que Diogo herdou da mãe. A mulher continua me olhando, me analisando, como se tivesse visão de raio X. E nem me surpreenderia se tivesse. Tento fixar meus olhos num grande lustre que há no teto daquela sala e então meu próprio namorado quebra o gelo.

— Aonde está o papai?

— Ainda está lá em cima, se arrumando. — ela responde, ríspida. — Os homens desta família são assim, então não se surpreenda se você chegar primeiro do que o noivo no casamento, garota.

Eu começo a rir. Rio porque ela tocou no assunto casamento e porque ela fez uma piada. Mas ela não sorriu. E então me sinto no filme “O Diabo Veste Prada”, diante daquela mulher. Eu realmente quero dar um jeito de agradá-la, até o fim da noite, porque até agora só estou piorando as coisas.

Um silêncio profundo toma conta do ambiente até a empregada trazer uma bandeja com chá e biscoitinhos e nos servir. Chá de camomila, Dona Olga acertou na mosca.

— Jana se forma em veterinária semestre que vem, mamãe. Não é ótimo? — Diogo comenta para quebrar o gelo. Ele está empolgado ainda, mal percebe o clima naquela sala.

— Odeio animais — ela beberica o chá — Para mim, deveriam ficar no zoológico. Ou então, aqui, nos meus ombros. — ela se vangloria , mostrando o xale e eu percebo que ele é feito de pele de algum animal, e não sintética.

— A senhora deveria conhecer alguns animais... Vivos — digo, olhando com repulsa para aquela peça de roupa. — Muitos são melhores do que alguns tipos de seres humanos.

— O que quer dizer com isso? — a mulher questiona, arregalando os olhos e olhando dentro dos meus.

— Que a profissão que eu escolhi é, sinceramente, por amor às causas perdidas. — respondo. — Há alguns dias, por exemplo, tratei de um cão que foi atropelado de propósito por um homem, no meio da rua. — menciono o caso de Bob e o seu cão de pelo amarelo, nem sei por qual motivo — As pessoas estão se tornando mais selvagens do que os próprios animais.

— Há pessoas de todos os tipos nesse mundo, garota. — Olga consegue sorrir, mas um sorriso com sarcasmo, claro.

Um homem desce as escadas. Gordinho, careca, as bochechas rosadas. Veste um terno. Hugo Mourão, pai de Diogo. Ele me parece um pouco mais simpático e eu me sinto mais à vontade com a sua chegada.

— Ora, ora, se não é a tão comentada Janaína Bernades! — ele desce as escadas e, ao se aproximar de mim, me cumprimenta, beijando minha mão. Fico feliz pelo primeiro gesto de educação naquela eternidade que fiquei ali encarando aquela mulher — Filho, por Deus, você disse que ela era linda, mas não imaginei que fosse tanto!

— Obrigada, senhor. — agradeço, sem jeito.

Vamos jantar. É um típico jantar de família chique, com comidas requintadas, seguindo a ordem tradicional de sempre e, de acompanhamento, uma metralhadora de perguntas, todas vindas da minha querida sogra.

— Imagino que você goste de crianças, Janaína. — ela diz.

— Eu adoro crianças, Dona Olga! — respondo, educadamente. — Inclusive eu tenho uma irmã. E ela é especial, em todos os sentidos.

— Diogo nos comentou sobre ela. — afirma o Senhor Hugo. Diogo toca minha mão, sobre a mesa. — Até andou fazendo um curso de Libras... como é que se diz? On-line.

— Pai! Não era pra ter contado! Era surpresa! — ele repreende. — Iria te mostrar o diploma, amor. — ele me beija.

E então o jantar segue. Dona Olga consegue ficar calada, mas os olhares que ela me dá durante toda a noite me assustam mais do que mil palavras. O pai de Diogo me conquista, é uma boa pessoa, sem dúvida.

— Vou ao banheiro. — digo. Já não aguento mais estar ali, ao lado daquele ser, me olhando, me analisando, talvez pensando se eu seria uma boa nora para ela.

Lavo o meu rosto, me apoio com os punhos na pia e vejo a água cair por alguns instantes. Aquilo, de alguma forma, deve me trazer paz e forças para continuar a noite. Ouço, porém, passos vindos do corredor e a porta do toalete se abre. É nada mais, nada menos, que Olga Mourão. A ilustre.

Agora, garota, você vai me ouvir. — os dedos dela tocam meu braço direito, apertando minha pele. Dói.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gente, deixei suspense nos dois últimos capítulos. No próximo vocês saberão o porquê! rsrsrs