Sweet escrita por march dammes


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Minha primeira yuri, omg!! Espero que esteja bom...deixem opiniões nos comentários, por favor ;w;



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Sweet

Ela vem todos os dias, sem falta.

Sempre pontual, sempre aqui.

Exatamente às quatro da tarde, ouço o sino da porta tocar, e não é preciso me virar para saber quem é: os saltos de suas botas a denunciam imediatamente, acompanhados do tilintar de suas numerosas pulseiras espalhadas pelos dois antebraços.

Ela vem todos os dias, sem falta, e tem alguns acessórios que nunca tira, embora sua roupa mude um bocado; hoje, ela veste uma calça de couro que acentua sua silhueta perfeita, uma regata estilizada vermelha com o logo de uma banda que eu nunca ouvi falar e uma bandana xadrez amarrada aos cabelos negros e lustrosos, que escorrem como uma cascata pelos ombros amorenados. Os lábios carnudos sempre pintados de vermelho se projetam para a frente quando ela olha em volta, como se analisasse o lugar, e os olhos bem delineados, o que apenas destaca suas íris verdes, acompanha as reações dos outros clientes na cafeteria. Os homens babando – as mulheres a invejando.

Todos os dias a mesma coisa...ela se senta na mesma mesa perto da janela, cruza as pernas, dá uma espiada no cardápio e estala os dedos, seu esmalte brilhando na luz artificial. Sempre uma cor diferente.

Sou sempre eu que me aproximo, pois as outras garçonetes se dividem entre cochichar entre si e admirá-la com olhos brilhantes demais para perceber que ela quer pedir. Então, meus saltinhos estalando no chão de pedra, eu sorrio e tombo de leve a cabeça, a cumprimentando como faço com todos:

-Seja bem vinda. O que vai querer?

Minha voz é doce, é o que todos dizem. Ela parece perceber, pois delineia um sorriso de canto que não mostra os dentes, mas uma covinha de leve no lado direito.

-O de sempre –me diz, desde a terceira vez que veio aqui- Um red velvet cupcake.

Assinto e dou as costas, meus cabelos louros e de cachos pesados acompanhando o movimento. Vou à cozinha, e enquanto coloco o pedido no pratinho, com todo o capricho, ela saca o celular do bolso e começa a teclar. Me pergunto com quem fala.

-Aqui está –é o que digo todas as vezes, a servindo. Ela ergue os olhos do celular, sorri mais abertamente e o deixa sobre a mesa.

-Obrigada.

Gosto de como sua voz é levemente rouca, e me perco sem querer em suas feições. Não demoro a voltar à realidade, no entanto, então meneio com a cabeça e me afasto. Passo o resto do tempo limpando mesas vazias, vez ou outra espiando em sua direção. Ela não fica por muito tempo, demora de dez a quinze minutos para comer. Então, coloca o dinheiro sobre a mesa, levanta-se, joga o cabelo para o lado e sai.

Quando volto a me aproximar de sua mesa, agora para recolher o prato e o dinheiro, suspiro diante de outro evento de rotina: ela nunca come o bolinho. Raspa o glacê com a colher e larga o cupcake que faço com todo o cuidado, e isso me irrita. Tudo nela me irrita! Seu jeito de rebelde tô-nem-aí, sua falta de compostura, suas roupas chamativas...argh! Ela é tão mal-educada!

Então...por que continuo querendo que ela venha?

Os sentimentos são conflitantes, como todas as vezes, então sacudo a cabeça – os brincos compridos batem contra meu pescoço – e sigo para a cozinha.

*

Mais dia, menos dia, todas as vezes ela deixa o bolo para trás e come apenas a cobertura. Mas por quê?! A pergunta me atormenta tanto que, um dia, atrevo-me a perguntar. Espero que ela entre, como sempre – hoje ela veste um shorts jeans desbotado e uma camisa xadrez folgada e aberta, mostrando a blusa preta por baixo -, se sente, peça. Eu levo o red velvet cupcake, como sempre, e a vejo sorrir e agradecer. Mas, dessa vez, não vou embora.

Fico um tempo ali parada, as mãos juntas em embaraço, os lábios róseos comprimidos um contra o outro, o coração ecoando. Nunca troquei mais que três palavras com ela...devo mesmo fazer isso? O chefe pode brigar comigo por abordar uma cliente da maneira que pretendo fazer? E se ela rir na minha cara?

Tremo de leve, travada. Devo estar vermelha! Ela parece se distrair de seu doce e olha para mim, erguendo uma sobrancelha bem feita.

-Posso ajudar?

Meu coração dispara diante daquela interrogação, e não consigo mais segurar. Não adianta, é agora!

-Por que nunca come o bolo? –pergunto de repente, a deixando surpresa e sem ação.

-Como? –ela chega a cabeça um pouco pra frente, estreitando os olhos como se não tivesse ouvido direito.

-É isso mesmo! –eu espalmo as mãos na mesa, a fazendo se afastar num susto- Por que nunca come o bolo?! Eu o faço, todos eles, sozinha e com todo o carinho, e modéstia à parte são excelentes...por que nunca o come?! –estou soltando tudo num fôlego só, como se fosse algo preso na minha garganta há muito tempo- Você come só o glacê e deixa o bolo todo. É tão ruim assim? Por acaso não gosta da minha culinária? Ou faz isso só pra me irritar? –antes que perceba, tem raiva em meu olhar. Ela não parece medi-lo, no entanto, pois simplesmente ergue as sobrancelhas em uma expressão ao mesmo tempo surpresa e inocente. Então, com aquela voz rouca de veludo, responde, como se fosse a coisa mais normal do mundo:

-Eu não gosto de doces. Venho aqui só pra te ver.

Fico mais pálida que as paredes e depois mais vermelha que o recheio do cupcake que acabei de servir. Ela...o quê? Vem aqui só pra...ela não gosta de...? Então...mas o que diabos?!

-P-perdão? –gaguejo, fincando as unhas postiças de uma mão na palma da outra. Genial, Charlotte, incrível que tudo o que você consegue fazer agora é gaguejar.

-É –ela encolhe os ombros- Você é mega bonita. Gosto de vir todos os dias e te ver... –ok, devo estar extremamente corada agora- ...estava esperando o momento certo pra te convidar pra sair, mas você nunca dá uma brecha. –ela desenha um sorriso, que logo se transforma em uma risada baixa e meio nervosa- Acho que isso não foi bem uma “brecha”, né?

-A-ah –mordo o lábio inferior, mirando qualquer outro ponto na cafeteria que não seja ela- D-desculpe, eu n-não, quer dizer, n-não queria...ah, droga –pressiono a ponte do nariz entre o indicador e o polegar, franzindo a testa- Desculpe.

-Tudo bem –ela sorri e se debruça sobre a mesa, usando os braços como apoio- Mas já que contei, diz aí, princesa, qual seu nome?

Fico internamente chocada. Depois de se...declarar, vamos chamar assim, daquela maneira tão peculiar, ela ainda tinha a cara de pau de me pedir meu nome? E usando aquele tipo de linguagem?! Mas era mesmo uma incorrigível! Uma punk!

-Não sou obrigada a lhe dizer. –respondo, mais fria do que esperava. Percebo que congelei seus ânimos no mesmo segundo ao ver seu sorriso murchar, e sua postura mudar.

-...ah –faz ela, tirando os cotovelos da mesa (até que enfim!)- Certo. Claro que não. –ela abaixa a cabeça, e de repente, me sinto mal.

-Com licença –digo, atropelando as palavras, dando-lhe as costas sem chance de reposta por sua parte. Praticamente corro para a cozinha, fechando a porta ao entrar. Me encosto na parede ao lado, suspirando.

Droga...o que eu fiz?

Preciso de algum tempo para respirar e meditar, o que faço com os olhos fechados. Nem o confeiteiro nem as outras garçonetes me perguntam o que há; não é sempre que me veem tendo um surto parecido, muitos ali nunca o presenciaram, mas a minoria que me conhece mais intimamente sabe que não deve me incomodar.

Após minutos indeterminados, ajeito a postura, me sentindo pronta para enfrentar a garota desconhecida que acabou comigo em questão de segundos. Saio da cozinha decidida, embora minha animação murche como uma flor proibida da chuva ao correr meus olhos cor-de-mel pelo estabelecimento e não ver a garota. Apenas sua mesinha ao lado da janela, vazia. Me aproximo dela relutante, como se fosse encontrar um bilhete, uma mensagem, algum sinal de que ainda poderia ter esperanças...mas não há nada. Apenas a mesma quantia de sempre pousada sobre a madeira, e o prato decorado com um bolinho inacabado.

Como sempre.

*

Ela não aparece no dia seguinte. Nem no próximo. Nem no próximo do próximo...já me pergunto se deveria ter sido mais delicada com ela, na tarde do quarto dia de ausência. Sentada ao balcão, vigiando o relógio sobre a janelinha da cozinha com o queixo nas mãos e os cotovelos na bancada, me arrependo profundamente de tê-la tratado tão mal. Não sabia sequer seu nome! Sou impossível, mesmo...sempre me importando apenas comigo mesma e minhas próprias opiniões...”Você precisa abrir mais sua mente”, dizia sempre minha mãe. E ela estava certa.

Desbanquei e espantei uma cliente e uma amante, tudo no mesmo minuto, com as mesmas palavras. Por que tinha de ser tão rude? Me custava muito respirar fundo e pelo menos rejeitá-la de uma maneira mais cordial? Perdi freguesia...e pior ainda, uma companhia para todos os dias. É tão solitário por aqui, sem ela...

Penso tanto que mal escuto quando o sino toca, pontualmente às quatro da tarde. Mas não, penso, não pode ser ela. Ele não deve nunca mais querer olhar na minha cara – e tem motivos para tal.

Mas, inesperadamente, sinto alguém cutucar minhas costelas. Quebro o corpo, incomodada por aquele toque, e me viro para encontrar-me com os olhos cinzentos e tempestuosos de Annie, minha colega de trabalho.

-O que foi? –pergunto, a fuzilando com o olhar sem perceber. Apenas quando a pequenina se encolhe em seus ombros que trato de suavizar a expressão, conseguindo perguntar direito- Por que me chamou?

-Ah...olha quem está aí... –ela aponta timidamente para a mesa perto da janela. Então, meu coração dispara. Não pode ser...

-Ih, ela voltou. –diz Shell ao meu lado, mastigando o chiclete de boca aberta, como sempre. Me seguro antes de pedir que pare- Quem diria? Achei que tivesse espantado ela de vez com aquele ataque, Charlotte.

-Cale a boca, Shell –viro em sua direção, e ela ergue as mãos como se se rendesse. Afasta-se. Annie passa a mão pelos cabelos escuros e curtos, lhe dando uma aparência ainda mais de bonequinha, e pede, em voz baixa:

-Pode atendê-la? Como sempre faz?

-Por que você não faz isso pra mim, Annie? –olho para a pequenina, tão vulnerável naquela pose tímida- Não estou em condições...

-Ah! –ela parece se assustar e sacode as mãos- N-não posso fazer isso! Não, não...! –ela sussurra, nervosa- Ela é muito legal pra mim...

Por um segundo, fico estática. Então dou risada.

-Certo, eu vou lá, então. –respondo, com um humor mais leve. Enrolo uma mecha dos cabelos lisos de Annie em meu indicador e ela ri. Por final, pego meu caderninho e a caneta e vou até a mesa habitual perto da janela, dizendo, em uma voz doce, o cumprimento de sempre:

-Seja bem vinda. O que vai querer?

Ela apoia o braço no encosto da cadeira e me olha com os olhos beirando o desinteresse mórbido. Tento esconder que gelei, enquanto ela me fita de cima a baixo. Bem, é assim? Faço o mesmo com ela: seus cabelos escuros estão presos em um rabo de cavalo alto, dessa vez, com uma franja solta que cai sobre seu rosto, emoldurando-o. Sua pele morena brilha como se ela tivesse ido muito à praia nos últimos dias, e sua roupa eu nunca vi antes...uma saia jeans acompanhada de meia-calça escura e as botas habituais, uma camiseta vinho folgada e caída em um ombro, mostrando a alça do sutiã esportivo. Tem o logo de uma banda que acho que já ouvi falar, e talvez seja...eletrônica? Não sou boa nessas coisas. Voltando a seu rosto, os lábios parecem mais rubros que o normal, os olhos, mais destacados, e as orelhas são enfeitadas de piercings que eu nunca tinha percebido. Sinto uma vontade enorme de tocá-los.

Naquele meio minuto que passamos nos encarando, analisando uma à outra, um silêncio pesado se fez, rodeando-nos de tensão. Mordo o lábio e me pergunto o que vai acontecer agora.

Então, surpreendentemente, ela volta a sentar-se normalmente e tira o celular do bolso da jaqueta que pendurou na cadeira ao lado.

-O de sempre –diz, desbloqueando a tela- Um red velvet cupcake.

Certo, agora estou chocada. Ela está mesmo agindo normalmente depois daquilo? Me olhando daquela maneira, como se perfurasse a minha alma, e então pedindo o de sempre como se não fosse nada? Qual o problema dela?

-Pode deixar –murmuro, assentindo e me afastando. Pego o bolo, coloco no prato, o rodeio com calda de morango e posiciono um raminho de hortelã ao lado do doce, como sempre. A cabeça cheia de perguntas e o coração brigando com o cérebro, saio da cozinha sem deixar nada transparecer e coloco o prato em sua frente, devagar.

-Aqui está –digo.

-Obrigada –diz ela, sem sorrir. Me afasto, a deixando comer, e volto apenas depois que ela já saiu pela porta.

Suspirando, me aproximo da mesa, derrotada. Sou mesmo um fracasso. Por que não falei com ela? Por que não pedi desculpas, perguntei seu nome, me ofereci para pagar seu doce, qualquer coisa? Argh, sou tão idiota! Estúpida, estúpida, estú...

Algo sobre a mesa me chama atenção. Sobre as notas, algo que nunca vi antes... é um papel? Olho em volta para constatar que estou sozinha, então o pego com certa relutância. Nele, escrito de caneta vermelha em uma letra arrumada, há uma nota:

“Desculpe por tudo. Eu juro que planejava me declarar com mais suavidade, mas essas coisas acontecem né? Fiquei pensando em você por três dias seguidos...mas no final, não consegui pedir perdão diretamente. Espero que não esteja brava comigo.

P.S.: Ainda te acho muito linda.”

Meu rosto enrubesce como nunca antes. Olho em volta mais uma vez, esperando que ninguém tenha percebido. Droga! Aquela garota mexia comigo de verdade!

Guardo a nota em meu bolso e levo o dinheiro e o prato quase intocado para a cozinha, jogando o dinheiro na jarra de gorjetas. Passo o resto do dia sem conseguir tirar a imagem daquele sorriso cafajeste da cabeça.

*

No dia seguinte, ela vem de novo, e sorrio ao vê-la passar pela porta. Ela sorri de volta, e quando acena, vou até ela. Estou muito mais leve, definitivamente, e com o humor bom o bastante para falar sobre nós. Existe um nós? Espero que sim, pois quero desesperadamente falar com ela sobre isso.

-Seja bem vinda –digo, sorrindo mais abertamente que o normal ao tombar a cabeça- O que vai querer?

-O de sempre –ela diz, sorrindo de volta- Um red velvet cupcake.

Assinto, mas não saio dessa vez. Escondo uma risada atrás do caderninho, então digo:

-Certo. Mas antes que eu vá buscar e que você pegue o celular, posso fazer uma pergunta? –ela assente, então encolho um pouco os ombros- Você não conseguiu me pedir desculpas cara-a-cara porque teve medo da minha reação, ou porque é tímida mesmo?

Pela primeira vez, a vejo corar. Ela coça a nuca, desconcertada, e me seguro para não rir daquela reação adorável.

-Você encontrou o bilhete –ela mais como afirma- Hum...digamos que foi um misto dos dois.

Não me aguento e dou risada. Ela o faz junto comigo, e sinto o peito esquentar ao ouvir sua voz tão divertida, pela primeira vez. Era tudo tão inédito...

-Bem, então estou desculpada? –ela me dá o mesmo sorriso cafajeste de quando me perguntou meu nome, mas seus olhos brilham com expectativa. Eu me permito assentir com a cabeça, e aquelas esmeraldas apenas faíscam com mais intensidade ainda- Maneiro. Nesse caso, posso saber seu nome, “princesa”? –brinca.

-Só se me disser o seu primeiro –retruco. Satisfatoriamente, ela se apoia na mesa e responde:

-Katherinne, mas meus amigos me chamam de Kath.

-Charlotte, mas meus amigos me chamam de Lottie.

Estendo a mão, que ela segura como um príncipe faria.

-Ora, se não somos o casal perfeito, hein, Lottie? –ela sorri de canto, então beija meu dorso. Não consigo me impedir de erubescer.

Ela me solta e ficamos nos olhando por um tempo, ambas num misto de embaraço e alegria. Estamos fazendo um contato diferente, muito mais íntimo, e ao mesmo tempo que é algo novo e assustador, é algo inédito e eletrizante. Meu coração bate forte e me pergunto se o dela também.

-Então... –ela começa, apoiando o cotovelo na mesa e o rosto na mão- Que acha de sairmos quando seu turno acabar?

-Se puder esperar até as seis... –respondo, enrolando o cabelo no dedo indicador.

-Até as dez, se for preciso –ela sorri- E se pudesse me trazer um frappuccino pra acompanhar, eu agradeceria.

-Como quiser. –sorrio, lhe dou as costas e vou pegar os pedidos. E de algum modo, sinto no fundo do meu coração que estamos começando algo muito, muito doce.


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Notas finais do capítulo

E foi isso! Opiniões? Sugestões? Piadículas? Direto pros reviews! Por favor, peço que quem gostou comente, favorite, espalhe pro mundo...isso me ajuda muito, sério! Quero escrever histórias novas e diferentes e queria saber se o estilo de narração aqui agrada. Me avisem, tudo bem? Só peço isso!
Enfim, pena que era só uma one shot, mas talvez eu desenvolva melhor o relacionamento da Lottie e da Kath em outra fic, se o pessoal gostar ;3 Vontade, eu tenho.
Kissus e até a próxima!