Crônicas de Kyveth escrita por Eduardo Ariedo


Capítulo 2
II - Bandidos




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Muitas pessoas são atacadas todos os dias nas terras de Kyveth. E se existir um pouco de sorte dentro de si, possivelmente você ficaria agonizando por um tempo até que um clérigo qualquer a serviço do Criador pudesse te oferecer ajuda em troca de algumas moedas. Mas em outras ocasiões - que ocorriam com maior frequência -, morreria antes mesmo de sentir o sol golpeando sua face novamente. Por isso, Arthur dizia ser o homem mais sortudo do mundo, pois no mesmo lugar em que esperava que o fio de sua vida fosse cortado, passou uma pequena caravana liderada por um bardo que lhe ofereceu ajuda, sem pedir nada em troca.

Quando pensava no que havia lhe ocorrido, levantava a sua cabeça e fitava o céu com um sorriso imenso em seus lábios, agradecendo ao Criador por toda sua bondade. Thiago, era esse o nome do líder daquela caravana, se demonstrou receptivo a Arthur. E sempre que tinham tempo - ou seja, quase o dia inteiro, já que cavalgavam em direção a Ghardaïa, onde o bardo dizia que se apresentaria ao Rei Richard Lionhart - contava a Arthur histórias sobre as terras de Kyveth e tentava explicar um pouco sobre a complicada geografia daquele reino fascinante.

O bardo contava tudo de forma animada. Começou explicando sobre o reino onde estavam, Coshamir, e pela forma como falava, Arthur podia julgar que ele já havia feito aquele discurso diversas vezes, pois as palavras saiam de seus lábios quase que automaticamente; e a voz sempre era dramática e às vezes, quando já estava um pouco cansado de conversar sobre história com Thiago, o homem sorria e fingia estar extremamente interessado no que ele lhe dizia, pois não queria parecer estar sendo rude com o seu anfitrião. Principalmente por causa da roupa e da arma que havia recebido dele.


A camisa que vestia o corpo de Arthur parecia ter sido fabricada com um dos mais finos tecidos de Kyveth, pois a roupa azulada com leves detalhes dourados na gola e no peito lhe dava uma sensação de conforto que parecia jamais ter sido sentida por ele antes. Mantinha-o aquecido quando a noite chegava e durante o dia, principalmente nas temperaturas mais elevadas, parecia estar mergulhando em um rio tamanho era a sensação de refrescância que sentia. As calças, de tonalidade escura, também não fugiam do padrão de sua camisa. E a arma que havia ganhado, era uma espada curta com a lâmina um pouco cega e, além disso, o peso da arma não o agradava, mas Thiago, com o sorriso otimista em seus lábios, dizia que quando chegassem a capital, compraria-lhe uma espada bastarda.

Estavam ainda há um ou dois dias da cidade e os cavalos cruzavam a extensa estrada de terra batida que cortava as enormes planícies Grainwood em duas, o nome, segundo Thiago, era devido a um dos generais dos Guardiões da Ordem da Luz, Sir Theodore Grainwood, que naquele mesmo local, por onde agora passavam, marchou com sua cavalaria contra os demônios da Peste Negra que tentavam invadir a capital. Por sua honra e heroísmo, o local foi batizado com o seu nome e bem onde havia morrido, existia uma enorme pedra com o nome de todos os mortos naquela tarde.

O sol já se punhava no horizonte e aquele fim de tarde trazia consigo a refrescância de um longo dia de jornada atráves daquelas planícies esverdeadas. Naquele dia ventara pouco e aquele calor exorbitante havia desgastado completamente os viajantes da caravana, principalmente os cavalos que carregavam todo o peso e eram os que mais faziam esforço dentre todos, que agora louvavam e recebiam de bom grado a brisa fresca que soprava sem muita força. Apenas o suficiente para bagunçar um pouco dos cabelos já despenteados que haviam em suas cabeças. Era um clima relativamente de paz, que infelizmente não durou até o anoitecer, sendo quebrado quando uma seta feita de madeira com a ponta em aço cortou o ar em velocidade, parando apenas quando encontrou o peito de um dos carroceiros que levavam os outros cavalos. Em seguida, um grito de pavor vindo de outro encarregado de guiar as caranas alertou os demais.

Os olhos ligeiros de Arthur fitaram rapidamente a direção de onde vieram os gritos e pôde ver o sangue rubro manchar as vestes brancas que o carroceiro vestia, mas não foi isso que atraiu a sua atenção. Do leste, saindo das campinas esverdeadas, cerca de seis homens apareceram. Todos grotescos. Quatro vestiam roupas de couro e traziam consigo enormes machados pesados de duas mãos, que carregavam sem dificuldades em seus musculosos braços. Os outros dois, trajavam roupas mais leves e, em suas posses, estavam enormes arcos feitos com madeiras de péssima qualidade. Um desses arqueiros - o que acerou o seu tiro - tinha um sorriso sádico e irônico formando-se em seus lábios e parecia encarar Arthur diretamente em seus olhos.

— Bandoleiros... Raçinha miserável. — Resmungou Thiago, ao lado de Arthur. E no instante seguinte, uma nova seta atirada pelos ladrões de caravana cortou o ar com velocidade, cravando-se na madeira um pouco abaixo de ambos os homens. — GUARDAS! — Gritou ele, com uma raiva estranhamente incomum. — ACABEM COM ESSES MISERAVEIS, AGORA! — Finalizou e quando a última palavra escapou de seus lábios, quatro guardas, todos vestindo armaduras de couro e elmos de aço, saíram de dentro de uma das carroças. Em seus braços, pesados escudos de madeira com lanças que deveriam medir um pouco mais de um metro e sessenta. O bardo, após dar suas ordens, entrou na carrugem - um local onde estava seguro das flechadas do inimigo.

Arthur, sem saber o que fazer, ficou sentado ali, estático. Queria lutar. Era como se seus instintos pedissem para que ele desembainhasse a espada presa à sua cintura e fosse ajudar os demais guardiões. Contudo, não se lembrava de jamais ter estado em um combate como aquele que presenciava. Ao mesmo tempo em que seu coração pedia para que se juntasse naquele banho de sangue que estava prestes a ocorrer, seu cerébro mandava-o ter bom senso e ficar.

Rapidamente, olhou para o céu azulado e começou a notar pequenos pontos negros surgindo. Eram as flechas dos ladrões. Agora eles não precisavam de precisão, pois se demorassem muito tempo mirando em um ponto certeiro, a lança dos adversários seriam mais rápidas que o cordão de suas armas e morreriam. Por isso, lançavam ao ar muitas setas, pois ao menos uma acertaria o alvo.

Quando a primeira cravou-se na estrada de terra batida, já haviam outras sete sobrevoando aquela área. Subiam com tanta facilidade e após alguns segundos lá em cima desciam com velocidade e violência. A grande parte delas cravaram-se no chão, enquanto outras acertaram os lombos dos cavalos e uma pequena parte parou nos escudos dos guardas da caravana.

E sentado ali, Arthur viu o combate se iniciar. Os primeiros movimentos foram rápidos e quase não conseguiu capta-los. Os guardas formaram uma pequena parede de escudos e avançaram com velocidade. Escudos postos a frente de seus grandes corpos, aparando com facilidade os pesados machados que desciam de cima para baixo em movimentos rápidos. E, em seguida, logo após terem seus ataques fracassados, os bandidos tiveram que receber o contra ataque. Uma das lanças golpeou com perfeição impecável o pescoço de um de seus rivais que caiu no chão, já sem vida enquanto o sangue escorria de seus lábios e tingia a grama esverdeada de vermelho. Aquele mesmo em que algumas décadas atrás presenciara uma das mais sangrentas batalhas travadas em Kyveth, agora era palco de uma pequena luta entre um punhado de guardas contra saqueadores.

Dois dos ladinos caíram naqueles ataques das lanças dos guardas e o clima de vitória aos poucos começava a surgir. Uma inspiração repentina, mas o que parecia fácil tornou-se difícil. Aproveitando que os lanceiros abaixaram a guarda de seus escudos por uma pequena fração de minutos, os arqueiros postados alguns metros atrás aproveitaram a oportunidade e fizeram voar pelo céu uma nova saraivada de flechas. E dessa vez, conseguiram acertar o guarda que havia acabado de matar o seu primeiro bandido. Uma das setas acertou com força o seu ombro, o impacto não foi o suficiente para tirar sua vida, mas o machado do inimigo que acertou o seu pescoço foi.

Quando a cabeça, rolando, caiu ao chão. Arthur decidiu que era hora de entrar em combate. Estava despreparado e com equipamentos muito inferiores aos de seu oponente, mas seus instintos haviam sido, naquele momento, mais poderosos que seu consciente. E quando se deu conta do que estava fazendo, não havia como voltar. Já havia pulado da carroça onde estava e seus pés se movimentavam com velocidade e um gesto involuntário de seus braços, fez a espada presa a uma cinta de couro em sua cintura, ser desembainhada. Naquele momento, enquanto todo o medo que começava a aparecer dentro de seu corpo começava a se tornar em coragem, a arma que estava em sua posse não parecia estar tão desequilibrada quanto antigamente. Se tivesse matado um homem em sua vida passada, não se lembrava, mas se não houvesse, o primeiro iria perecer naquele momento e já tinha um alvo: o mais grande entre os quatro guerreiros com machado, o de barba ruiva e dentes podres. Arthur notou naquele momento que era um homem ambicioso e deixou claro o seu desafio de combate com um grito.

É claro que jamais saberia o nome daquele seu oponente, pois a única coisa que pensava naquele momento era no combate. O sangrento combate. O ruivo, ao notar o desafio de Arthur, deixou seus companheiros enfrentando o restante dos guardas e avançou, gritando palavras em um idioma desconhecido. O seu enorme machado era pesado e segurava-o com as duas mãos, erguendo-o acima de sua cabeça, querendo aproveitar a velocidade que havia conseguido naquela investida para dar um golpe fatal.

Então, quando ambos se encontraram, a arma do ladrão desceu com força e velocidade, visando dar um golpe perfeito que partiria a cabeça de Arthur em duas, mas o seu oponente - tomado pelos seus instintos - foi mais rápido. E como se já estivesse esperando esse movimento, Arthur jogou o seu corpo para o lado quando notou que o machado estava vindo em sua direção e o seu movimento foi perfeito. Rolou no chão e recompôs com velocidade, aproveitando que a lâmina inimiga estava agora presa ao solo.

O contra-ataque de Arthur veio rápido. A lâmina mal afiada de sua espada girou no ar, visava com aquele golpe acertar o peito do ladrão com tamanha força que conseguiria perfurar a grossa camada de couro que protegia sua pele e penetrar fundo o seu coração. Mas o impacto não foi o suficiente e o homem sentiu apenas alguns centímetros da ponta de sua arma rasgando sua veste.

Naquele momento, todo o medo transformado em coragem que tomou conta dele no começo do combate pareceu abandoná-lo e sentiu o seu corpo tremer quando o machado anteriormente cravado no chão voltou a avançar em sua direção. Passando a sua pesada lâmina pela grama esverdeada, o ladino tentou um golpe de cima para baixo. Não havia a mesma força e velocidade utilizava anteriormente, entretanto, apenas o peso de sua arma seria suficiente para provocar grandes danos no corpo de Arthur. Mas mesmo sem a coragem, os seus instintos pareciam intactos e quando ele notou as mãos do ruivo apertarem o cabo de madeira do seu machado, preparou-se para aparar o golpe com sua espada. Ele pergunta-se até hoje como foi capaz de conseguir se defender.

A lâmina do machado atacou-o pelo lado esquerdo. Caso não tivesse encontrado a espada do outro em seu caminho, acertaria em cheio a sua cintura, mas aquele simples desvio junto com a esquiva de Arthur, foram o suficiente para que o corte não fosse profundo; apenas o suficiente para rasgar a camisa branca utilizada por ele e tingi-la de vermelho sangue em seguida. O ferimento, apesar de incomoda-lo mais tarde, não pareceu ter muito efeito sobre Arthur naquele momento, que enquanto sentia novamente a vontade de lutar tomando conta de si, atacou novamente.

Agora, seu golpe não estava centrado em perfurar a sua roupa de couro, e sim em acertar com um movimento rápido e certeiro em direção ao seu pescoço desprotegido. A sua espada cortou o ar com rapidez. E poucos segundos depois, encontrou a pele inimiga e infelizmente, a sua arma não estava afiada suficiente e o ferimento que ali foi aberto, não matou seu adversário, mas a lança de um dos guardas da caravana, que pegou ambos de surpresa, tirou a vida do ladrão.

Então, como num passe de mágica, a adrenalina do seu corpo foi diminuindo aos poucos, enquanto seus olhos voltavam a estudar o ambiente ao seu redor. De todos os guardas que entraram em combate, só um havia morrido e os ladrões estavam todos caídos no chão, ensanguentados, com a exceção dos dois arqueiros que haviam sido capturados como prisioneiros de combate. Atrás de si, estava Thiago. O bardo olhava-o boquiaberto e ao mesmo tempo em que começava a sentir sua cintura voltar a doer, notava que ele avançava em sua direção.

— Arthur! Meu caro Arthur! — Exclamou, animado, enquanto abria seus braços para abraçar o seu companheiro de viagem. — Não sei quem fostes em vida passada, mas posso lhe garantir que sabia muito bem utilizar uma espada! — Terminou sua frase, enquanto recuava do abraço ao notar que ele estava sangrando. — Bom... — Voltou a falar, enquanto fazia certa expressão de nojo. — Teremos de dar um jeito nisso logo, mas parece que a lâmina do machado não penetrou muito sua pele, então, você não morrerá. Pode ficar tranquilo, no máximo pode contrair uma infecção e agonizar por longos anos, mas nada fora do comum.

A seriedade que colocava em sua voz chegou a assustar Arthur, mas logo o bardo riu e agachou-se, pegando o pesado machado do ladino e entregando-o ao filho da Tormenta. — Tome, é seu. Você não o matou, mas demonstrou ser um exímio lutador. Pode ficar com você ou queime-o para fazer um ou dois anéis de guerreiros, um costume que muitos combatentes têm para mostrar quantos já mataram em vida. Um costume de mal gostoso, sendo sincero, mas fazer o que? Cada um com seus gostos.

Arthur segurou o machado com as duas mãos e sentiu o seu peso. Aquela espada era leve demais para si, mas aquela outra arma estava acima de sua força, mas o seu tamanho não impedia o homem de examiná-lo com os olhos. Parecia ser um dos tesouros ganhos por aqueles ladinos em alguns de seus ataques, pois a sua qualidade parecia ter custado muito dinheiro para ser produzido. O seu cabo era completamente bem talhado e liso, tendo um local preso com couros onde se colocava as mãos para não escorregar ao dar um ataque. A lâmina, bem polida, parecia um espelho e quando os olhos do filho da Tormenta encontraram aquele aço, ele finalmente pode ver como era sua aparência.

O rosto era largo e musculoso. A pele, apesar de um pouco queimada pelo sol, era clara e beirava o pálido. Seus olhos, grandes e com certo ar de superioridade, tinham tons negros como a noite e aquela cor se mantinham em seus fios: o seu cabelo não era muito grande, cresciam em um penteado rebelde sobre sua cabeça e por conta do suor que se acumulava ali, alguns fios soltos caiam sobre a sua testa umedecida. Por fim, sua barba circulava seus largos lábios ressecados e, apesar de não ser grande e nem descer muito abaixo de seu queixo, era volumosa e cobria boa parte de suas bochechas.

— Obrigado... — Respondeu Arthur, sem muito jeito, enquanto caminhava em direção ao guarda que realmente havia matado o ladrão. — Mas eu não o matei e sim você, então, merece o machado mais do que eu. — Terminou. O outro pensou em protestar, mas quando as primeiras palavras ameaçaram fugir de sua boca, Arthur protestou e ele, por fim, aceitou.

Para Thiago, não importava com quem ficasse o machado, pois de qualquer forma quando chegassem a capital - o que aconteceria no amanhecer do próximo dia -, compraria uma espada boa o suficiente para o nível de Arthur e começaria a escrever sua história. Sabia que um grande potencial existia ali e o primeiro teste de verdade seria feito no torneio que estava prestes a acontecer. Um lugar onde os outros grandes guerreiros de Kyveth colocariam a prova todas as habilidades que o Filho da Tormenta havia demonstrado enfrentado aquele ladrão.

Enquanto se deliciava com o prazer que aqueles pensamentos lhe proporcinovam, o bardo deixou um pequeno sorriso de satisfação tomar conta de seus lábios e minutos mais tarde, após enterrarem o corpo do guarda morto, retomaram a viagem. Pois o amanhã lhes reservariam um grande, grande dia!


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