Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 6
Uma borboleta presa em um vidro




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Júlia tentou ligar para Marcos, mas a ligação se encaminhou para a secretária eletrônica. A frustração de não conseguir falar com ele lhe corroía por dentro. Ela precisava saber se ele estava bem. Marcos não aceitou a sua ajuda para voltar para casa, e ele tinha bebido demais, talvez nem tivesse conseguido chegar no apartamento.

Ela estava hospedada em hotel em um bairro da boêmia, era um estabelecimento caro, mas seu noivo dera-lhe dinheiro o bastante para pagar. Júlia havia mentido para ele, dizendo que ia visitar a mãe no Brasil, quando na verdade viajou para a Buenos Aires procurar por Marcos e contar para ele o seu segredo. Um segredo que ela tinha receio de compartilhar até com o seu reflexo no espelho. O segredo que era também um motivo, o motivo de ela ter fugido para Paris com um homem detestável, deixando o seu amado para trás.

Sentia por ele no tempo que passaram juntos. No fundo, bem no fundo, em um cofre trancado dentro do seu coração, ela sentia uma esperança de que ele ainda sentisse algo por ela. Mas quando se encontraram tudo o que encontrou foi um olhar frio e cheio de ressentimento. Ele ficou sério o tempo todo, usando uma máscara de indiferença que ele só tirava para falar sobre o garoto que ela havia visto no apartamento dele.

Deitada na cama, ela refletia sobre o que fazer a seguir. Seu plano se resumia a ir até ali para contar o segredo para Marcos, não tinha pensado no que faria depois disso. Voltaria para o seu noivo em Paris? Ela não sabia o que fazer.

Fechou os olhos e começou a chorar em silêncio.

***

Ouvir música enquanto se realiza qualquer tarefa doméstica diminui cinquenta por cento do tédio dela. Além disso, era uma ótima atividade para a reflexão. Enquanto levava duas semanas de louça suja e fazia uma omelete, Theo pensava sobre os acontecimentos do dia anterior: primeiro, a ex-namorada de Marcos que supostamente deveria estar do outro lado do mundo aparece do nada procurando por ele; e segundo, Marcos aparece em seu apartamento caindo de bêbado e chorando por algum motivo ainda desconhecido.

Eram muitas coisas para se pensar de manhã.

Rebolava ao som de La Isla Bonita quando ouviu uma risada abafada atrás de si. Levou um susto e quase deixou o seu prato cair. Virou-se e viu Marcos que havia acordado e entrado na cozinha em silêncio para ficar olhando-o dançar — e aparentemente havia se “esquecido” de vestir suas roupas, então estava ali em toda a sua glória, seminu. Theo esforçou-se em fingir não ficar afetado diante daquela... demonstração ao vivo de virilidade masculina.

— Que foi?

— Nada. É que tu és uma graça quando dança.

Theo revirou os olhos.

— Sei Vai tomar banho logo que eu fiz uma omelete pra você.

— Mas que enorme gentileza! Você daria uma ótima dona de casa

— Cala a boca e vai logo!

Marcos fingiu ter ficado magoado fazendo uma carinha de cachorro abandonado e foi para o banheiro dando a Theo uma maravilhosa visão do seu traseiro.

Quando Marcos voltou do banho, sentou-se perto de Theo no sofá.

— Marcos, eu não quero parecer estar fazendo muita pressão em você. Só que estou muito preocupado contigo, o que aconteceu ontem?

Marcos respirou fundo, parecia que só agora ele tinha pensado no assunto. Talvez estivesse com esperança de que tudo que acontecera no dia anterior fosse apenas um sonho. Mas não foi. Theo ficou observando-o, segurou a mão dele e sussurrou:

— Está tudo bem, pode me contar.

E ele contou.

— A minha irmã, Larissa, se casou há dois atrás. Seu marido e ela quiseram logo de cara ter um filho, eles tentaram durante um ano inteiro, mas Larissa não engravidou. Eles procuraram ajuda médica e depois de exames, foi constatado que Larissa era estéril e que não poderia ter filhos. Ela ficou mal pra caralho quando ficou sabendo, teve que tomar antidepressivo até. A Júlia se voluntariou para ser uma barriga de aluguel para ela e a Larissa aceitou. Na época eu e a Júlia já estávamos juntas e ela decidiu não contar pra mim e fez o tratamento em segredo. O médico colocara os óvulos da minha irmã no útero da Júlia e...

— O que aconteceu depois? — perguntou Theo.

— O tratamento não funcionou, Júlia não ficou grávida. Ela ficou com medo da reação da minha irmã e resolveu fazer uma... loucura. Usou o único um método tradicional de engravidar.

Theo prendeu a respiração, já sabia o que ele diria a seguir.

— Ela não... ?

— Sim, ela me usou. Ficou grávida de mim para fingir que o tratamento dera certo, ela iria dizer que o filho era de Larissa.

Oh meu Deus! Aquela mulher era louca! Mas espera um segundo... Júlia não tinha parecido nada grávida no dia anterior.

Foi então que a ficha caiu.

Ah não!

— E foi por isso que ela fugiu?

— Não. Eu... Eu e ela costumávamos sair toda sexta para beber com amigos, e teve um dia em que eu bebi demais, fui dirigir e... — sua voz falhou, ele parecia prestes a cair no choro. Theo se aproximou dele e o abraçou — Eu não sabia que ela estava grávida, esperando um filho meu. Mas eu estava muito bêbado e bati o carro. Não foi muito grave, mas foi o suficiente para a Júlia perder o bebê.

Ele não precisou terminar a história, era fácil deduzir o que aconteceu depois. Júlia ficou em beco sem saída, se contasse que tinha perdido o filho, Larissa iria entrar em depressão de uma vez e... O que seria de Marcos se ele soubesse que tinha matado o próprio filho sem querer?

O resultado era claro: Marcos começou a chorar e Theo, que estava com o coração em pedaços, tentou sem sucesso acalmá-lo.

— A culpa não foi sua, você não sabia.

— Não saber não tira minha. Eu matei meu próprio filho Theo!

Ficaram em silencio por um tempo. Theo sentia-se como uma borboleta presa em um vidro, sem saída. Ele amava Marcos e precisava carregar aquela bagagem pesada que era o passado de Marcos. Sua compaixão o dominou e ele começou a chorar também. Dividir o peso dos dramas do outro era um desafio de qualquer relacionamento — mesmo em um relacionamento entre dois homens —, mas Theo só não sabia se seria forte o suficiente para isso.

Não foi por isso que ele havia saído de casa depois que a sua mãe morreu? Por que aguentou assistir a tristeza do seu pai fazê-lo definhar aos poucos? Não for por sua covardia que ele fugiu para outro país? Se ele não fora forte o bastante para ajudar o pai, teria que ser para ajudar Marcos.

— Vai ficar tudo bem, a dor é muito forte agora, mas ela vai passar. Assim como a dor de Júlia passou para ela poder vir aqui te contar isso. Vai ficar tudo bem — disse Theo, dando pequenos beijos na bochecha de Marcos, desejando que esses beijos tivessem o poder de curar a dor dele.

— Eu não sou forte o bastante.

— Mas vai ser sim. Você sabe o por quê? Porque eu te amo Marcos, e eu não vou deixar nada de ruim acontecer com você.

Marcos olhou para ele com uma expressão misturada de surpresa e felicidade.

— Eu... amo você também. Desde a primeira vez que te vi.

Theo sentiu novas lágrimas surgirem, mas dessa vez elas representavam a onda de felicidade que ele sentia naquele momento. Ele levantou a cabeça para tocar os lábios de Marcos com os seus. Foi um beijo casto, calmo como o voo de uma abelha, porém significativo. Era um daqueles beijos que na linguagem dos atos queria dizer: “eu amo você”.

Marcos o deitou no sofá e aprofundou o beijo, que de uma leve brisa se transformou em um tornado como aquele que levou Dorothy para Oz. Um beijo carregado de desejo. As respirações dos dois eram notas diferentes da mesma música, harmoniosas. Theo sentia a excitação de Marcos, que começou a dar beijos no seu pescoço, causando-lhe arrepios. Theo gemia de prazer. Passou as mãos para dentro da camiseta de Marcos, para explorar o seu corpo. Estava entorpecido com toda aquelas sensações maravilhosas, mas ao ouvir seu sinto ser desfivelado, ele deu por si e viu o que estavam prestes a fazer.

— Marcos, espera.

Ele parou, olhando-o nos olhos.

— O que foi?

— Eu não acho que eu esteja pronto para isso ainda.

Marcos fez uma expressão confusa e franziu a testa.

— Ai meu Deus Theo, você é virgem.

Theo caiu na risada. Ele com certeza não era virgem, não mesmo.

— Claro que não!

— O que foi então?

Theo mordeu o lábio, não sabia como dizer aquilo do jeito certo.

— É que nunca fiz isso com alguém que importasse para mim antes. Entende? Era apenas sexo, não havia sentimento envolvido. E acho que essa não é a melhor hora para isso.

Marcos sentou-se novamente, parecia que compreendia.

— Eu entendo, não quero forçar você a nada.

— Obrigado.

— Só que tem um problema.

— Qual?

— Vou ter que tomar outro banho. E bem gelado dessa vez.


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