Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 4
O beijo que despertou o sonhador




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O apartamento de Marcos era mais organizado do que Theo imaginou que seria. Não havia nada jogado no chão, a pia da minúscula cozinha estava limpa e o sofá estava livre de peças sujas de roupa. Aquela organização toda deixava o espaço sem personalidade, Theo notou que não havia porta-retratos ou nenhum outro objeto decorativo. Parecia mais um quarto de hotel de estrada.

— Você quer comer alguma coisa antes? — perguntou Marcos.

— Quero.

Theo sentou-se no sofá, sentia-se um pouco tímido. Suas mãos tremiam e seu rosto estava um pouco corado. Olhou para o ventilador de teto como se fosse o objeto mais interessante do mundo.

— Ei! Que folgado! Pode vir me ajudar aqui!

Theo riu e foi para a cozinha.

— Onde está aquela conversa de gentileza? Eu não me lembro de ter te feito cozinhar quando você foi no meu apê.

— Só não fez porque eu já levei comida pronta.

Era verdade. Theo escorou na parede e ficou observando Marcos vasculhar sua dispensa, tentou não descer seu olhar para o traseiro dele — seria muito indiscreto de sua parte. Mas era difícil não olhar.

— Achei! Você come macarrão instantâneo? Eu esqueci de passar no mercado, então é só isso que tem. Foi mal.

— Isso é uma desculpa para o fato de você não saber cozinhar?

Marcos fez um beicinho de tristeza e abaixou a cabeça. Theo foi invadido por uma vontade de ir até ele e morder aquele lábio... corou ao pensar nisso, e tentou disfarçar:

— Estou brincando? Macarrão instantâneo é o feijão com arroz de qualquer solteiro.

Por algum motivo, depois de Theo dizer aquilo Marcos desviou o olhar. O que ele havia dito de errado? Um momento de silêncio constrangedor se passou, o primeiro desde que se conheceram. Theo não sabia o que falar.

— Marcos? Está tudo bem?

— Sim, é só que...

Ele se virou pra pia e encheu uma panelinha com água para pôr no fogo. Theo entendeu aquele sinal: Marcos não queria olhar para ele durante aquela conversa, parecia mais confortável assim. Então Theo ficou só olhando para as costas dele, aguardando.

— A pessoa com quem eu estava saindo sabia cozinhar muito bem e..., bem, eu estava acoatumado a comer muito bem mas agora só fico comendo essas porcarias. — Ele tinha um tom de voz de quem não estava mais presente ali, estava preso em suas lembranças.

— Pessoa? — Theo corou ao dizer aquilo, mas precisava perguntar: — Era uma mulher? Ou homem?

Graças aos deuses Marcos não ficou ofendido com a pergunta. Theo sentiu-se aliviado com isso.

— Uma mulher. Já faz anos que não namoro com um homem.

O quê? Theo ficou confuso por um segundo até entender: Marcos era bissexual. Isso quer dizer que...

...

...

...

... Theo tinha uma chance com ele. Sentiu uma euforia descomunal, queria dar piruetas pelo ar, mas se controlo.

— E o que aconteceu com vocês?

— A vida. A vida aconteceu. Ela era a uma amiga da minha irmã, a gente se conhecida desde a infância, mas só na festa de ano novo passado é que ficamos juntos. Eu tinha bebido muito e ela também, quando eume dei conta já estava tirando as roupas dela no meu quarto o. Júlia, ela se chamava Júlia. Era muito aventureira, de espírito livre. Achei que seria só por uma noite, mas uma semana depois ela quis ir pro Rio comigo. Moramos juntos lá por quatro meses. Eu trabalhava em uma galeria de tatuagens e ela em um restaurante francês. Aí um dia eu cheguei em casa e ela tinha sumido, só deixou uma carta, dizendo que tinha se apaixonado pelo dono do restaurante e que iria para Pariz com ele. Eu não a culpo, sabe, ela era uma mulher de momentos, não se apegava a ninguém. Vivia com medo de acordar e se sentir entediada com a vida.

Theo ficou em silêncio. Simplesmente não tinha nada a dizer, não sabia nada sobre relacionamentos além do que lera nos livros ou assistido nos filmes. Seus "relacionamentos" se resumiam a uma noite. Sexo casual. E com pouca frequência, só havia transado com uns seis caras em seus vinte e um anos. E nunca dormia com seu parceiro sexual, sempre ia embora antes de cair no sono. Para ele, o ato de dormir com outra pessoa, de compartilhar uma cama, era íntimo demais para se fazer com qualquer um, ele reservaria isso para alguém especial.

— Pare de ficar me encarando e venha me ajudar logo!

— Tá bom.

Marcos tentou aliviar aquele momento tenso com suas piadas, sobre como o cabelo de Theo parecia como uma fada winks e que ele teria que comer um contêiner inteiro de macarrão instantâneo para poder ter o peso de um adulto normal. Theo fingiu ter ficado ofendido, mas Marcos disse em seguida que sua magreza na verdade era uma graça, como uma bailarina guardada em um caixinha de música.

— Ande logo com esse macarrão. — disse Theo — Preciso ir para casa tomar banho logo. Até porque...

Não teve tempo para completar a frase. Marcos simplesmente virara o chuveirinho na direção de Theo, molhando-lhe toda a camisa.

— Aqui está seu banho. Agora pare de reclamar.

— Que porra é essa? Não acredito que fez isso! — gritou, pegando um pano de prato para se secar.

Marcos gargalhava tão alto que devia dar pra ouvir lá do térreo.

— Ops! Parece que consegui deixar molhadinho!

Theo ficou vermelho como nunca. Mas depois uma sobrancelha: declarando guerra. Marcos até parou de rir. Esperou um segundo e começou a correr da cozinha. Theo foi atrás.

Os risos dois eram estridentes. Marcos entrou no banheiro e tentou se trancar lá, mas Theo foi rapido e empurrou a porta. Começaram a empurrar um ao outro, como duas crianças. Marcos apenas fingia que os empurrões de Theo eram fortes e se deixou levar até o box do banheiro. Theo levou a mão para trás de si e abriu o chuveiro, molhando aos dois. Riram mais ainda.

Então, de repente, Theo se deu conta do quão próximos eles estava. Suas rodadas diminuíram, para se transformarem em respirações pesadas. Theo estava praticamente prensado contra a parede, já que o corpo grande de Marcos ocupava quase o espaço inteiro do box. Ele teve que olhá-lo nos olhos. Aquela troca de olhar durou quase um minuto. No olhar de Marcos estava uma pergunta, e no de Theo estava uma permissão. Sua alma gritava sim sim sim sim!

Tudo aconteceu muito lentamente. Theo sentiu as mãos de Marcos agarrarem sua cintura, com uma força de possessividade. Engoliu em seco, uma, duas, três vezes. Seu coração batia mais rápido que nunca. E então, muito lentamente, Marcos se abaixou e encostou os lábios nos seus.

Começou bem devagar, quase um selinho. Mas. Theo queria mais, precisava de mais. Um primeiro beijo é como beber água salgada: quando mais se bebe, mais sede tem. E Theo tinha sede por Marcos, como um andarilho em um deserto. Havia tanta sede.

Theo tremia por causa da água fria, mas Marcos lhe abraçou com força e intensificou o beijo. Suas línguas começaram uma dança, pareciam feitas para isso. Theo usou as mãos para explorar os músculos do corpo de Marcos, que por sua vez acariciava suas costas. Prensou Theo ainda mais na parede, e ele conseguiu sentir a sua ereção. Theo não ficava para trás, nunca havia estado tão excitado em sua vida.

Aquilo era tão prefeito que bem parecia real.

Marcos interrompeu o beijo para poder respirar, e começou a fazer brincadeiras com a boca, mordendo os lábios de Theo bem de leve. Theo sentia como se pudesse se estilhaçar a qualquer momento, derreter como gelo em um Sol de verão. Ninguém era capaz de sentir tanta felicidade assim. Ele desligou o chuveiro, olhou para Marcos e sorriu:

— Parabéns, agora sim você conseguiu me deixar molhadinho.

* * *

Havia uma grande vantagem de serem vizinhos: Theo pôde dar uma passadinha em seu apartamento para se enxugar e colocar um pijama — um com desenhos do Nemo, muito gay. Enquanto isso Marcos ficara por conta de pedir uma pizza, pois o macarrão esquecido no fogo já era. Depois disso, Theo voltou para lá, ficaram abraçados no sofá enquanto viam o filme. Evitaram outro beijo, porque outra cena como aquela no chuveiro poderiaa ir longe demais, e ambos não tinham pressa. Queriam ir bem devagar, com calma.

Quando o filme acabou, Theo levantou-se para ir embora, mas Marcos o segurou.

— Dorme comigo.

Theo levantou a sombrancelha.

— Vamos só dormir, eu prometo. — insistiu Marcos.

— Mas você vai aguentar os meus roncos?

— São como música para os meus ouvidos.

Theo suspirou. Como dizer não para aquela carinha de anjo?

— Tudo bem.

— Sério.

— Sim.

Então Marcos se levantou e lhe deu abraço tão forte que tirou o ar doa pulmões de Theo, mas não reclamaria nunca daquilo. Marcos foi para o quarto e voltou de lá arrastando dois colchões de solteiro.

— Eu não comprei uma cama ainda, mas podemos juntar esses dois colchões aqui. Desculpe — ele parecia envergonhado com aquilo. Theo foi até ele e o abraçou, para monstrar que não se importava. Na verdade ele dormiria até sofá com ele se preciso fosse, só para ficarem juntos.

— Não se preocupe com isso.

Colocaram os colhões no chão da sala, e se aconchegaram nele. Estava frio naquela noite, tiveram que usar dois cobertores. Theo deitou a cabeça no peito, que laçou-lhe a cintura.

Mas demorou dormir. Sua mente viajava e o sono não vinha. Theo nunca fora de sonhar muito, de fazer planos e imaginar o futuro. A própria escolha do seu curso fora feita de última hora. Mas agora, ali, nos braços de Marcos, ele sonhava. Tudo por causa do beijo. Náo havia sido um beijo qualquer, havia sido o beijo que despertou o sonhador dentro de, que agora imaginava um futuro onde não estaria mais sozinho.

Ficou surpreso ao ver uma lágrima cair de seus olhos. Uma pequena gora de felicidade. Então fechou os olhos e se deixou para o mundo dos sonhos, onde ele não estaria mais perdido, sempre esperando por alguma coisa. Porque agora ele tinha um propósito: amar Marcos. E, por enquanto, era o suficiente.


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