Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 3
Duas almas prontas para o amor




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Não se pode substituir um amor. Cada amor é diferente do outro. Não é como uma imagem que ao ser salva em um computador e encontra outra de mesmo nome e o software pergunta: já existe um arquivo com este nome, deseja substituí-lo? Não. Marcos acreditava que o seu coração era espaçoso o bastante para muitos amores, para os que duravam e para os que se resumiam a um fim de semana. Então, apesar de ter saído de uma relação a pouco tempo, ele já se sentia preparado para amar novamente. Para que perder tempo vivendo uma "fossa" se um novo amor estava a alguns metros de distância?

Tudo parecia mais vivo quando se estava apaixonado. As cores eram mais vibrantes, os sabores eram mais doces e as músicas mais agradáveis. Até as pessoas pareciam mais alegres nas ruas, ele tinha a impressão de que lhe davam sorrisos de companheirismo .

Ele andava com pressa. Theo havia marcado com ele de se encontrarem às sete em um pub perto do apartamento para que pudessem discutir sobre a escolha das músicas para o seu trabalho. Ia quase que correndo quando passou em frente a uma loja. Uma ideia surgiu em sua mente e ele resolveu entrar.

Estava vazia a não ser pela balconista jovem, que lhe ofereceu um sorriso tímido que quase todas as mulheres — e alguns homens — lhe davam quando ele chegava. Marcos era bonito, e tinha total consciência disso. Não era de falsa modéstia . Saber que era bonito era como saber que seus olhos eram verdes. Um fato concreto e simples, observável e incontestável.

Era uma loja de fitas VHS antigas. Uma verdadeira raridade. Achou pérolas como De Volta Para o Futuro e Cidadão Kane. Aquilo devia valer uma fortuna! E como diabos nunca havia notado aquela loja antes? Percorreu as prateleiras olhando com atenção, procurando. Um presente para Theo. A ideia surgiu da lembrança de uma conversa que tiveram quando ele visitara o apartamento de Theo no sábado, quando Theo lhe avisara que era cansativo ter que ir na biblioteca da universidade quase todos os dias para assistir o The Rock Horror Pitcure Show, para poder pesquisar pro seu trabalho — e que era totalmente contra a pirataria e não iria ficar assistindo pela internet. Mas isso ia mudar, porque Marcos lhe daria um VHS do filme.

Seria caro, muito caro. E essa era uma das poucas ocasiões em que Marcos usava o dinheiro de deus pais para comprar alguma coisa. Sua família tinha uma certa fortuna herdada, seu pai era de uma família que há séculos fez riqueza produzindo vinho no Sul no Brasil. Por isso, ele poderia ficar a vida toda sem trabalhar. Mas Marcos quase nunca usava dinheiro dos pais, pagava seu aluguel e tudo mais com o seu salário da loja de discos e com os bicos como músico.

Enfim achou uma fita do filme e foi para o caixa pagar. Usou o cartão, o tempo todo se lembrando que Theo valia todo aquele investimento.

* * *

A alguns quarteirões dali, Theo já o esperava no pub, sentado de costas para a saída para evitar ficar olhando para lá a cada cinco segundos. Estava nervoso, naquela manhã no sábado fora tudo tão de súbito que ele não teve tempo para se sentir ansioso. Mas agora tinha. E um dos efeitos colaterais da ansiedade era se punir com perguntas: e se Marcos não viesse? Aquela roupa estava legal? De repente aqueles all-star vermelhos e o cabelo colorido lhe pareceram infantis demais, o fazia parecer um aluno do colegial. Ficava repetindo essas perguntas para depois se repreender. Ora essas, ele nem de fato sabia se Marcos era, bem, gay também.

E então sentiu um arrepio, como se tivesse estática no ar. Se virou e viu que Marcos caminhava em sua direção. Ele estava tão charmoso com aquela jaqueta surrada e com o violino nas costas, e claro, aquele sorriso de canto dos lábios.

— Eu sei que eu estou atrasado, mas é por um bom motivo, juro.

— Está tudo bem, acabei de chegar na verdade — mentiu.

Marcos se sentou ao seu lado, colocando o violino e outra sacola ao lado embaixo da cadeira.

— Vão querer alguma coisa pra beber? — perguntou a garçonete, que durante a meia hora que Theo ficara sentado ali nem havia passado perto dele, porém agora encontrara um motivo especial para ir ali,até curvou-se sobre o balcão para fazer seus seios parecerem maiores. Patético.

— Uma gim tônica, por favor — respondeu Marcos, usando seu espanhol fluente e sedutor.

Theo percebeu que estava com... ciúmes. Um ciúme irracional e bobo.

— E você? — perguntou a mulher, finalmente notando ele ali.

— Um suco de abacaxi com hortelã , por favor — e levantou a sobrancelha ao dizer as duas últimas palavras, como se dissesse: não espere que eu lhe dê uma gorjeta alta.

— Um suco? — perguntou Marcos, rindo depois da garçonete sair. — Você vem até um pub para beber suco? Que gracinha.

— Você não aguentaria a minha versão bêbada.

— Acho que sou forte o bastante para carrega-lo até em casa, não preocupe.

Theo riu.

— Não seja bobo. Além disso estamos aqui para tratarmos de negócios.

Sobrancelha.

— Isso foi alguma indireta?

— Entenda como quiser.

A garçonete voltou com as bebidas e eles finalmente começaram a tratar dos negócios. Na próxima rodada, Marcos pedira apenas um refrigerante, falou que também não queria voltar bêbado para casa aquela noite. Acabaram decidindo que Marcos só tocaria de verdade no ato de abertura do teatro,uma música que ele mesmo compora. E que nas outras cenas usaria um um instrumental eletrônico como base nas partes cantadas.

Era tão fácil falar com ele. Theo sentia como se conversasse com um amigo de infância. E tinha aquele lance nos contraste entre os dois: Marcos era todo músculos e ângulos, com suas roupas surradas e suas botas marrom, enquanto Theo era magro e baixinho, sentia-se vulnerável perto dele, um sentimento de segurança que lhe agradava. Marcos tinha a pele bronzeada, de quem frequentava praias, Theo era branco como Edward, Mãos de Tesoura. Marcos cheirava a colônia masculina e a creme de barbear, enquanto Theo cheirava a xampu e creme de pele de baunilha.

— Eu tenho uma surpresa pra você — disse Marcos.

— Surpresa?

— Sim.

Marcos se abaixou para pegar a sacola ao lado do violino e depois lhe entregou. Theo o olhava desconfiado.

— Pode pegar, é sério, não é zueira.

Theo pegou. Abriu. E quase caiu da cadeira. Ali, em suas mãos, estava nada menos qu uma fita em VHS de The Rock Horror Picture Show. Ai meu Deus!

— Isso... hum, é pra mim? Tipo, pra sempre?

— Sim.

— Mas deve ter custado uma fortuna! Marcos!

— Relaxa, eu usei o poder do meu charme para conseguir um desconto.

Theo não sabia o que dizer, estava lisonjeado, mas...

— Eu não posso aceitar.

— Claro que pode.

— Não, não posso. Eu pego emprestado e te devolvo quando eu terminar o trabalho.

— Theo, deixe de ser teimoso. Eu estou de dando de presente.

— Eu aceito, só que com uma condição.

— Qual?

— Você vai assistir comigo, assim eu não me sinto tão culpado por fazer você gastar esse dinheiro todo.

— Você é tão exigente! Também quero condições!

Theo riu, aquela cena era tão bizarra que chegava a ser cômica.

— Tudo bem. Qual a sua condição?

— Nós vamos assistir, só que no meu apartamento dessa vez.

Ah, dessa vez Theo não seria burro de recusar o convite.

Pagaram a conta e saíram para a rua, já era quase onze horas. Fazia um frio absurdo, e Theo se sentia um idiota por não levado nenhum suéter.

— Vem cá, pega minha jaqueta — disse Marcos, já tirando-a.

— Não precisa.

Marcos bufou.

— Você precisa aprender a aceitar gentilezas.

Acabou cedendo, e Marcos o ajudou a vestir a jaqueta. Tinha o cheiro dele, começou a pensar em não devolvê-la mais. Deu um sorriso tímido para Marcos, que lhe respondeu com uma piscada.

Aquilo que Marcos falara o deixou abalado. "Você precisa aprender a aceitar gentilezas". Theo estava tão acostumado a viver sozinho, que a palavra "gentileza" meio que não participava do seu vocabulário. Desde criança, sempre procurou não incomodar ninguém, não ser notado.

Decidiu parar de pensar nisso, a noite estava tão perfeita, ele tinha que parar de ficar bancando a rainha do drama.

— Marcos, acho que vou abusar das gentilezas. Você poderia usar sua tal força pra me carregar até em casa. Você sabe como é, ficar carregando marionetes para baixo e para cima cansa demais.

Falou aquilo brincando, não imaginou que Marcos de fato fosse levar a sério. Só sentiu os pés levantando-se do chão e ser colocado nos ombros.

— Marcos! Pare de ser doido! Me põe no chão! — não conseguia parar de rir, Marcos ria também. Devia parecer uma cena ridícula para as outras pessoas. Mas quem se importa? Ele estava feliz, nunca havia rido tanto sem estar chapado.

E assim seguiram. Duas almas solitárias que juntas davam início a algo novo. Uma amizade ou talvez mais. Duas almas prontas para o amor. Se Marcos estava pronto para amar novamente, Theo estava pronto para amar pela primeira vez. E ali, naquela gargalhada de fora de um pub argentino, Theo sentia-se apaixonar mais ainda. E era maravilhoso.


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