Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 16
Um grão de areia em meio à imensidão do Universo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/605401/chapter/16

Era como se um gigante tivesse derramado um enorme pote de gliter sobre aquela cidade. Era... maravilhoso. O chamado “Paraíso dos Jogos” era também o paraíso das luzes neon. Theo tinha sensação de que havia entrado em um mundo futurístico ao descer daquele avião, era como uma realidade alternativa perto do mundo de tons cinza e azuis de Buenos Aires. Las Vegas era colorido como uma tela de pop art., e durante todo o trajeto no táxi do aeroporto até o hotel, todos ficaram com uma expressão de “Uau!” em seus rostos.

Elena ia um pouco além, ela dava gritinhos, flertava com as prostitutas glamorosas que encontravam na rua e dizia a frase “precisamos ir ali!” a cada esquina. Quatro vezes Diego teve que puxar o corpo dela inteiramente para dentro do carro e lembra-la que aquilo era perigoso.

O hotel ficava na Strip, uma avenida de sete quilômetros de extensão, aonde se localizava grande parte dos hotéis e atrações de entretenimento da cidade.

— Isso é tão maravilhoso! — exclamou ela quando entraram no saguão do hotel que era decorado com réplicas bastante fiéis da calçada da fama.

— Sim! Ajude-me achar a estrela da Marylin! — disse Theo, deixando sua mala no chão e saindo correndo com Elena para procurar.

O espírito gay de Theo que vivia engaiolado na maior parte do tempo estava em ativa naquele momento. E enquanto ele e Elena tiravam fotos por todo o local, rindo como loucos, sobrou para os pobres Marcos e Diego irem até a recepção confirmar as reservas que Elena havia feito pela internet.

— Esse é o dia mais feliz da minha vida — disse Elena, depois que ela e Theo entraram no elevador. Já estavam esgotados de tanto correr, ela estava com seus saltos plataformas nas mãos e com a maquiagem borrada, enquanto Theo estava com o seu cabelo azul todo bagunçado e molhado de suor.

— Mesmo? Achei que tinha sido quando você visitou a Disney.

Ela colocou a unha gigante no queixo para pensar.

— Bem, então é o melhor dia depois de adulta.

— Estou tão cansado que é capaz de eu dormir e acordar só daqui um mês. — disse Theo, bocejando. O estresse e cansaço da viagem já faziam seus efeitos em seu organismo.

— Eu te arrastaria pela olheira até a capela, não tive esse trabalho todo a trabalho atoa!

E havia sido realmente muito trabalho. Organizar um casamento às pressas, quando ele vai acontecer em outro país e entre pessoas do mesmo sexo exige muita burocracia e papelada assinada. Ela providenciara tudo isso e até fizera as reservas do hotel, alugara a capela e até tinha escolhido o cassino onde seria a festa. Se dependesse de Theo, eles se casariam depois de um ano, ele nem saberia por onde começar. Tinha realmente muita sorte de ter Elena como amiga — e como madrinha de casamento!

Finalmente chegaram ao andar deles. Despediram-se brevemente e seguiram cada um para o seu quarto.

Quando entrou ele encontrou Marcos seminu na cama lendo. Levou alguns segundos para digerir a linda decoração do quarto do hotel, que basicamente consistia em papel de parede preta alguns quadros em preto e branco com fotografias de estrelas de cinema antigo e vintage brancos. Incrível. Marcos devia ter gastado uma grana preta para pagar aquilo tudo, só que ele havia sido bem claro em avisar que não queria escutar nenhuma reclamação quanto àquilo. Ele finalmente havia achado uma finalidade para a sua herança.

— Mas que recepção maravilhosa!

— Pare de me olhar como se eu fosse um pedaço de carne! — protestou Marcos.

— Mas é exatamente isso que você é. Só que de um açougue muito bom. Vou tomar um banho, quer vir?

Marcos pareceu estar considerando profundamente a ideia, mas depois negou com a cabeça.

— Melhor não. Estamos a poucas horas dos finalmentes, quero esperar.

— Não quer nenhuma amostra grátis? — perguntou Theo, fazendo uma carinha de gato pedante, que ele julgava ser irresistível.

— Não! Vá logo e pare de me tentar!

Theo fingiu ter ficado extremamente magoado e foi para o banheiro

Marcos estava realmente levando a sério aquela história de “sexo só depois do casamento”. E ao mesmo tempo em que achava aquilo muito fofo e uma bela prova de cavalheirismo, Theo achava aquilo um pouco frustrante — ainda mais por Marcos ficar desfilando por aí só de cueca, era como negar água para um andarilho no deserto. Era contra os preceitos dos direitos humanos. Era desumano.

O banheiro tinha um espelho grande na parede onde daria para refletir seu corpo inteiro. Ele tirou sua roupa de costas para o espelho com todo o cuidado para não ver a si mesmo, tudo o que não precisava naquele momento era de uma dose de insegurança pelo seu corpo branco e magro.

Enquanto sentia a água morna molhar o seu corpo, ele escorou o rosto no vidro do box e finalmente tinha sua fixa caindo. Aquilo não era um sonho.

Ele realmente iria se casar.

* * *

Theo não sabia se a regra de ver o noivo antes do altar também se aplicava quando o casamento era de, bem, dois noivos. Então deixou para lá e se arrumou no mesmo quarto que Marcos sem nenhum problema. Notou que seu cabelo azul estava meio desbotado nas pontas, em uma mistura de loiro platinado e branco, mas até que gostava desse efeito dégradé.

— Você acha que devo fazer a barba? — perguntou Marcos.

— Hum, acho que não. Eu gosto de você assim... e vai combinar com o tema do casamento.

O tema — escolhido por Elena — era visual anos 70. Algo mais puxado para o glam rock do que para o estilo hippie. Theo escolhera uma camiseta com a bandeira estadunidense com as mangas cortadas, uma jaqueta dourada e uma calça jeans tingida de vermelho e, claro, seus all-stars. Marcos parecia um personagem de Grease, com os seus jeans surrados com um rasgo proposital nos joelhos, coturnos pretos, jaqueta de couro e a camiseta branca. Só faltou um topete de John Travolta, mas seus cachinhos angelicais eram muito mais charmosos.

— E então, como eu estou — Marcos abriu os braços e deu uma voltinha.

Theo quis dizer que o traseiro dele ficava lindo daqueles jeans apertados e que queria transar com ele ali mesmo, mas corou ao pensar isso e o que realmente disse foi:

— Está lindo, como sempre.

— Certeza.

— Sim.

Marcos sorriu.

— Você também está maravilhoso. Parece uma estrela de glam rock.

Theo sorriu ao ouvir o elogio. Estava mesmo satisfeito com a sua aparência, o que era incomum. Ele, pela primeira vez em muito tempo, se olhou no espelho e se achou bonito. Claramente os constantes elogios de Marcos era a causa de sua recente alta estima. Esse é um dos bons efeitos de se estar apaixonado: sentir-se como se fosse a pessoa mais especial do mundo.

E então, eles se deram as mãos e saíram do quarto para encontrar Elena e Diego no saguão.

Elena estava parecendo uma fusão entre Olivia Newton John e Cindy Lauper: usava uma saia vermelha justa, um cropped de oncinha e uma meia arrastão preta. Seus saltos plataformas que a deixava ainda mais alta do que já era, o seu cabelo preso em um topete alto e seus muitos colares a faziam realmente parecer uma mulher setentista.

— Theo! Você está fabuloso! — apenas Elena usava a palavra “fabuloso” sem parecer brega, isso era incrível.

— Obrigado. Você também está linda.

Juntos, os quatro saíram para pegar um táxi. Se o taxista notou que eles estavam fantasiados e parecendo malucos, nem demonstrou. Também não era para menos, ele devia estar acostumado a receber clientes das mais variadas estranhezas e excentricidades, afinal, ali era Las Vegas.

A viagem até a capela durou quase uma hora, devido ao enorme trânsito que pegaram. Mas estava tão divertido ali dentro que Theo nem viu o tempo passar, ele não sabia se ria mais dos comentários de Elena — “aquele prédio ali parece um pênis, e essas luzes todas indicam que ele está vestindo uma camisinha colorida!” — ou das piadas de Marcos.

E então eles finalmente chegaram na capela. E ela era linda. Era pequena e com uma arquitetura abobadada — igual aquelas casinhas fofas onde moravam os personagens de Dragon Ball. Estava no momento do crepúsculo, o céu tinha um tom lindo de laranja e a maioria das estrelas já apareciam para iluminar a noite.

O pastor — que parecia um fugitivo de Woodstock, com o seu cabelo grande e aqueles óculos redondos de lentes vermelhas — os recepcionou na entrada. E, meu Deus, Theo podia jurar que ele estava chapado.

— Nosssa, que roupas lindasss vocêsss estão usssando! Posso ajuda-los em alguma coisa?

Okay, aquele homem realmente não estava em condições de realizar um casamento.

Elena foi até ele e estendeu a mão.

— Oi, eu sou Elena. Nós conversamos por telefone, e temos um casamento agendado para daqui dez minutos.

O homem se curvou em cumprimento.

— Vóss sois a mais bela noiva que já vi.

Elena riu.

— Não. Eu não sou noiva nenhuma — Theo não pode deixar de notar a ênfase dela em dizer ‘noiva’, como uma óbvia indireta a Diego — São dois noivos na verdade. Aqueles dois ali, o Theo e o Marcos.

— Ah! Mil desssculpas! Então venham! — ele deu a volta e fez um sinal para que eles o seguirem.

Marcos olhou para Theo e estendeu a mão. Theo poderia jurar que o sorriso no rosto de Marcos naquele segundo era a coisa mais perfeita que ele já havia visto. Queria poder fotografar com os dois olhos, para poder guardar aquela imagem para o resto da sua vida.

— Você está pronto? — Theo apenas acenou em resposta, pois não conseguiria dizer nenhuma palavra naquele momento.

* * *

O casamento foi rápido, porém foi maravilhoso.

Não houve aquele ritual chato e tedioso dos casamentos normais. O pastor simplesmente começou a tocar, com um violão um pouco desafinado, a música ‘You are my Sunshine’ do Jonny Cash. Theo achava a música linda, mas um tanto depressiva. Mas a situação toda era tão cômica que ele não se deixou ficar triste.

— Estamos aqui reunidos para celebrarmos o amor desses dois lindos jovens para testemunharmos a união deles. E todos sabemos que quando Jonny Cash diz amém para um amor, não há nada no mundo que os separe.

Marcos deu uma piscadinha para Theo, que sorriu de volta.

— Agora, cada um de vocês vão colocar as alianças e fazerem seus votos de amor.

Votos de amor? Droga! Theo havia se esquecido de criar um, agora teria que improvisar. Rezou para que o deus da criatividade não abandonasse e o fizesse passar vergonha.

— Onde estão as aliançasss? — perguntou o pastor.

— Ah! Está aqui! — gritou Elena, procurando em sua bolsa e correndo até eles para entrega-las — Desculpe.

— Está tudo bem — respondeu Theo. Sentiu o peso daquela aliança em suas mãos e pensou do grande significado que ela trazia. — Você começa? — sussurrou.

Marcos concordou com a cabeça e pegou a sua mão.

Ai meu Deus.

— Theo, receba essa aliança, como prova do meu amor. Comprometo-me a ajudá-lo a amar a vida, a sempre abraçá-lo com ternura e ter a paciência que o amor exige. Prometo falar quando as palavras forem necessárias e compartilhar o silêncio quando não forem. Prometo discordar em concordar sobre o bolo. E viver no calor de seu coração. Prometo chamar de lar o espaço entre os teus braços e te beijar todos os dias de manhã. Prometo te fazer feliz e te querer feliz mesmo longe de mim. Prometo a você o meu amor eterno — e então, Marcos colocou a aliança no dedo de Theo.

Meu Deus. Theo não se segurou e deixou uma lágrima escapar. Seu coração batia na velocidade da luz e suas mãos tremiam. Nunca achara que ouviria palavras tão lindas como aquelas. Nunca achara que alguém se importaria com ele o suficiente para prometer qualquer coisa, quem dirá prometer amor eterno.

O soluço de Elena foi audível dali. E até as duas prostitutas que o pastor havia contratado para mais tarde que pediram para assistir o casamento, estavam chorando.

Ele limpou a garganta, não queria gaguejar na sua vez de falar. Tomou as mãos de Marcos nas suas, e, como se as palavras surgissem do fundo da sua alma, disse:

— Marcos, receba essa aliança como prova do meu amor. Foi um milagre encontrar a paz e a felicidade que você tem me dado. Eu olho para você e vejo minha melhor amiga. Sua energia e paixão me inspiram de formas que eu nunca imaginei possíveis. Sua beleza interior é tão forte que eu não tenho mais medo de ser eu mesma. Eu não temo nada. Nunca pensei que iria encontrar alguém para amar que me amasse incondicionalmente — e então colocou a aliança nos dedos de Marco, que por incrível que pareça, estava com uma expressão séria no rosto, como se estivesse se esforçando para não chorar.

— Marcos, aceita Theodoro Martins como seu esposo? — perguntou o pastor.

— Aceito.

— Theodoro, aceita Marcos como seu esposo?

— Aceito

— Agora pode beijar a noiva, quer dizer... o noivo. Que se dane! Se beijem logo.

E eles se beijaram. Um beijo que merecia durar uma vida inteira. Foi como se só houvesse os dois ali, naquela pequena capela na Cidade do Pecado. E mesmo que os dois não passassem de duas pequenas partículas menores que um grão de areia em meio à imensidão do Universo, eles eram duas grandes metades de um mundo particular. Um mundo particular feito de muito amor.

— Ei! Vão para um quarto! — gritou Elena.

Theo levantou a sobrancelha para Marcos como se falasse: ah, mas nós vamos mesmo para o quarto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Inquieto Amor de Apartamento" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.