Prometidas escrita por P Capuleto


Capítulo 11
ARCO II: justiça (parte 2)


Notas iniciais do capítulo

Continuamos com a segunda parte dessa voltinha pelo passado. Obrigada pelos reviews sempre divertidos ♥
Boa leitura!



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Sunagakure, 1992

Era noite de sexta-feira e Mebuki estava terminando de se arrumar para ir ao trabalho. Madara observou enquanto ela calçava, sem pressa alguma, os sapatos fornecidos pela agencia de segurança do museu histórico para a qual ela trabalhava há anos. Como de costume, ele estava apenas esperando sua protegida sair do apartamento para ir embora e passar a noite descansando no topo de algum prédio bem alto das redondezas, aproveitando sua forma original de falcão.

— Ei, Madara. – ela chamou de forma meio tímida.

Isso era incomum ao seu comportamento invasivo e escandaloso tão característico.

Já os humanos que conheceram Mebuki na fase adulta não estranhariam, é claro. Para adequar-se à sua nova realidade mais urbana, ela teve de desacelerar seu ritmo de fala e conter o espírito "selvagem" de quem foi criada como nômade campestre até os 15 anos de idade.

Ela também teve de reeducar-se em relação aos seus vícios linguísticos já que, devido à falta de uma escolaridade padrão, Mebuki tendia a empregar conjugações ou plurais diferentemente dos demais na metrópole de Sugagakure. Isso fechou algumas portas para ela no passado, mas foi só Madara perceber o problema para que rapidamente encontrasse um profissional da área para orientá-la.

— Que foi? – o guardião respondeu.

— Cê... Quer dizer, você não falou nada sobre meu corte novo. – ela explicou fazendo biquinho.

Madara analisou o cabelo da protegida, mas não estava disposto a perder tempo com isso.

— Parece igual pra mim. – respondeu.

Mebuki bufou baixinho e revirou os olhos. Hábito debochado que conheceu e adquiriu graças aos programas de televisão. Isso costumava incomodar o guardião que detestava que humanos inferiores lhe faltassem com o respeito, no entanto, depois de dez anos de convivência, aprendeu a lidar com certas falhas da garota e quase não as percebia mais.

— Eu picotei as pontas, num tá vendo não? – ela apontou para a parte de trás da sua cabeça enquanto virava as costas para o guardião.

Madara suspirou, descruzou os braços e estendeu um deles até os cabelos da garota, que enrijeceu o corpo assim que percebeu o toque inesperado em seus fios alaranjados.

— É, olhando assim parece diferente. De frente ainda parece igual já que você mantém a mesma franja estranha de quando você era mais nova. – respondeu sem emoção aparente.

A franja de Mebuki consistia em deixar a parte central da franja mais pontuda e comprida que as laterais. Sempre foi assim, desde a primeira vez em que foi ao cabelereiro. Quando Madara questionou a escolha de estilo, ouviu apenas "Gosto assim. Me lembra um bico de pássaro" sem mais explicações.

— Mas eu não sou mais uma garotinha. Tenho 25 anos e seria legal se você reparasse mais em mim e no quanto eu mudei desde que nos conhecemos. – reclamou, parecendo se chatear com a resposta do guardião.

Nesse instante, Madara parou para refletir: de fato a garotinha de 15 anos que ele conheceu já não existia mais. Os anos a tornaram menos agressiva e mais "civilizada". Ela também perdeu o hábito de correr e abraçar o guardião – a quem ela insistia em chamar de anjo – toda vez que ele retornava de sua noite de sono longe das responsabilidades que ele já não aguentava mais cumprir.

O que não mudava, contudo, era a sua agitação para com o guardião. Ele era o único com quem ela se permitia ser mais tagarela e eufórica. Não é como se Madara encorajasse esse comportamento, mas Mebuki simplesmente ignorava o mau humor característico de seu "anjo" e não poupava esforços para arrancar dele o máximo de informações possíveis sobre sua existência sobrenatural.

— Você não tem que ir trabalhar não? – ele perguntou para tentar apressá-la.

Mebuki voltou a revirar os olhos, mas ouviu seu guardião e apanhou a mochila e as chaves que estavam na mesinha ao lado da porta de entrada da kitnet.

— Volto de manhã. Não deixe a janela aberta quando sair. – ela pediu ao se despedir. Então segurou a maçaneta, mas não a girou. Em vez disso, deu a volta e olhou Madara nos olhos – Num quer mesmo passar as noites aqui? Tipo, parece perigoso ficar no frio lá de fora. Aqui é tão confortável... Nós podemos comprar uma daquelas gaiolas caras para aves de porte grande.

— Mebuki, eu já te disse isso, mas sou uma entidade protetora. Não sou humano e não pretendo viver como um. Muito menos numa gaiola. – ele riu para não ser grosseiro enquanto pensava nos absurdos que acabara de ouvir –Não há nenhum motivo na Terra ou no Plano Astral para que eu fique 24 horas nesse apartamento.

— É, eu imaginei que diria isso... Mas não custava tentar. – a mulher sorriu timidamente e coçou a nuca. Quase que imediatamente, notou os olhos rubros de Madara fixos em seus lábios, o que a fez cessar o sorriso enquanto suas bochechas esquentavam involuntariamente - Tá fazendo aquilo de novo... – avisou.

Madara rapidamente desviou o olhar e apertou as mãos em punho para conter a raiva e a decepção. Essas emoções tinham um motivo: apesar de sua aparência animada e moleca, Mebuki vivia em um estado quase constante de melancolia e ansiedade. Madara sabia disso perfeitamente graças aos momentos em que passava conectado ao campo energético da garota.

Por isso, quando ela demonstrava qualquer sinal de bom humor, o guardião se agitava quase que por reflexo, ansiando por vê-la finalmente feliz – verdadeiramente feliz. Com o passar dos anos, ele aprendeu que alegrias imediatas e passageiras não eram o bastante para que o contrato fosse cumprido, então a cada conquista, cada sorriso, ele se agarrava a pequena esperança de que estaria, enfim, livre.

Isso nunca acontecia, infelizmente.

Mebuki sentia-se incompleta. Tinha falta de algo. Uma família, talvez? Vínculos? Madara não sabia dizer.

Ela tinha colegas de trabalho e não apresentava problemas com os outros moradores do prédio, mas nunca foi capaz de se aproximar de ninguém em especial, então, para ela, Madara era o mais próximo que tinha de um amigo.

Ela se chateava com a distância que ele insistia em manter e continuava com suas investidas para faze-lo parte real de sua vida e não apenas alguém que tinha a responsabilidade de mantê-la segura. No fundo, ela gostava quando Madara a encarava daquela forma, pois era quando podia ver algum brilho de vida nos olhos do homem-falcão de quem ela tanto gostava, mas não podia evitar de sentir-se um pouco encabulada todas as vezes. Tê-lo encarando seu rosto com tanta fixação a desconcertava de verdade.

Pensando nisso, Mebuki respirou fundo e largou a maçaneta para caminhar até mais perto do guardião, que permaneceu imóvel apoiado ao lado da janela.

— Madara, o que eu sou pra você? – perguntou num único fôlego, sentindo o coração acelerar.

O moreno levantou uma das sobrancelhas, confuso.

— Uma humana. – respondeu.

Mebuki quis enfiar a cara dentro da terra e não sair mais.

"É óbvio que ele não entendeu..." Pensou consigo mesma.

— Quero saber se... Se ocê... Quer dizer, quero saber se você sente algo por mim. – ela conseguiu reunir coragem para tentar mais uma vez.

O guardião enrijeceu o maxilar.

"Droga, isso é perigoso. Não posso dizer a verdade (que ela não significa nada além de um fardo para mim), porque isso a deixaria magoada. Também não estou com vontade de satisfazer nenhuma carência... O que fazer?" Indagou pensativo.

— Nós, entidades protetoras, não temos capacidade de desenvolver sentimentos por outras pessoas. Isso é uma característica humana. – mentiu.

Estava orgulhoso de sua esquivada, mas para sua surpresa Mebuki abriu sua mochila e tirou de lá um livro antigo e grosso de capa dura cor de areia.

— Não é isso que o livro que ando lendo me disse. – retrucou.

— O que é isso? – ele quis saber.

— Um guia sobre mitologia. Eu peguei na biblioteca que fica ao lado do museu porque queria saber mais sobre os anjos, já que você sempre responde de má vontade. – respondeu já levando o livro até a mesa da cozinha.

— Eu sempre respondo exatamente o que você quer saber. Só não fico estendendo o assunto. – ele explicou irritado enquanto a seguia pelo cômodo pequeno – E já disse que não somos anjos.

— O nome varia bastante de região para região, mas é a mesma coisa. – ela articulava com uma das mãos enquanto usava a outra para buscar a página desejada. Quando a encontrou, apontou com o dedo indicador – Pelo que li, muitas entidades protetoras já trocaram a condição de imortalidade para viver ao lado de humanos comuns. Humanos como... Como eu.

Ela tentou ao máximo não demonstrar o quanto aquela passagem em especial do livro a deixava sonhadora e apenas esperou uma reação do guardião.

Madara, por sua vez, estava sem nenhuma carta na manga. Aquela mulher sempre o tirava da zona de conforto e o surpreendia com as coisas mais estranhas, mas pela primeira vez em muitos anos de serviço, se viu completamente sem o controle da situação.

— Mebuki, eu... Eu não sei. – respondeu franco.

— Por que mentiu? Por que fica sempre tão distante? – ela insistiu, mas não ganhou respostas, então resolveu recuar no ataque – É que eu... Realmente gosto de você, então fico me perguntando se você gosta de mim.

"Oh não, agora as coisas perderam completamente o rumo" Pensou o homem-falcão "Tudo o que eu queria era realizar minha última missão como guardião e ir viver com liberdade bem longe de qualquer pessoa, mas tudo deu errado no momento em que aceitei trabalhar para a irmã dessa menina complicada. Além de não poder ser recompensado ao fim da tarefa, eu ainda teria de lidar com uma protegida apaixonada?"

— Sempre deixo claro o quanto desejo sua felicidade. Isso não é o bastante? – ele tentou se esquivar novamente.

— Eu preciso dessa resposta para ser feliz, Madara. – ela revelou num único fôlego.

Madara estava prestes a perder completamente a paciência, mas algo no fundo de sua consciência o alertou sobre algo preocupante: se ele quebrasse seu coração humano tolo, seria ainda mais difícil se livrar de seu acordo que já estava durando tempo demais.

Ele estava desesperado.

Os olhos esverdeados de Mebuki o encaravam com impaciência.

Encurralado e sem escolha, Madara engoliu em seco. Só havia um único caminho disponível e ele temia suas consequências, mas não havia mais tempo para hesitar. Teria de toma-lo.

— Especial. – disse com a voz baixa e sem encarar a protegida.

— Especial? – ela pareceu não entender.

Ele respirou fundo e empurrou – sem esforço algum – a mesa que o separava de sua protegida e deu um passo à frente. Tinha de fazer direito ou aquilo não daria certo.

Mebuki se assustou com o gesto abrupto, mas não se afastou. Ele tomou ar novamente:

— Para mim, você é alguém especial. No início você era apenas uma cliente, mas hoje vejo que sim: eu possuo afeto por você. Eu... Eu realmente gosto de você, Mebuki. - explicou.

Nunca em todos os anos de sua existência, Madara imaginou que diria algo dessa natureza. Cada palavra tinha um peso enorme para seu ego. Ao mesmo tempo ele sentia uma estranha inquietação na garganta e no peito enquanto observava o rosto de Mebuki ganhando uma luz indescritível.

Pensava conhecer todas as expressões faciais da protegida, mas estava enganado. Ele jamais a tinha visto com tal semblante: seus olhos pareciam mais verdes do que nunca, sua a boca tremia, mas seus lábios insistiam em sorrir. De repente, uma lágrima escorreu por suas bochechas pálidas. Era a primeira vez que ele a via chorar de felicidade.

Já havia testemunhado humanos chorando por coisas boas, mas não Mebuki. Ela só chorava quando achava que ninguém estava olhando e era algo feio de se ver. Dessa vez, no entanto, ele achou... Bonito?

— Madara... – ela sussurrou entre soluços e sorrisos.

Ele não sabia como reagir, mas não foi preciso: Mebuki pulou para seus braços e o manteve refém em um abraço longo e apertado que pareceu durar uma eternidade, mas ele não ousaria se afastar. Não só porque já havia ido longe demais para recuar agora, mas também porque só assim ele não teria de encarar aquele rosto iluminado que o fez sentir tão desconcertado.


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