Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 9
Capítulo 8: No Cangote do Inimigo




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Depois de comprarmos todo o equipamento de que precisávamos, entramos no fusquinha e seguimos direto para a casa de Emílio. Eu sabia o endereço, pois lhe dei carona uma ou duas vezes. Não ficava muito perto da nossa região, mas também não era muito longe. O relógio já marcava 4 da tarde, demoramos um bocado na loja, mas o trânsito ainda estava limpo, então chegamos ao destino em menos de 30 minutos.

— Pronto, é aqui — avisei, fazendo Anderson se assustar; ele estava dormindo.

— Hein? Chegamos?

— Sim, chegamos. Pega o binóculo pra mim, no banco de trás.

— O que fazemos agora? — indagou ele, me entregando o binóculo recém-comprado.

— Isso tem visão noturna! — exclamei, notando a função que não havia percebido quando o peguei na prateleira.

— Vai ver é por isso que custou tão caro.

— Não começa, amor!

— Tudo bem. Mas, me fala, o que fazemos agora?!

— Agora? Bem... Agora esperamos.

— Esperamos o quê?

— Algo acontecer. Ele deve sair alguma hora, ir se encontrar com a namorada, sei lá.

— E vamos ficar aqui parados, feito dois patetas esperando o cara sair? Fora que o sol ainda está forte, e tô começando a ficar com calor — reclamou ele, rabugento.

— É isso que significa “ficar de tocaia” — enfatizei as últimas palavras. — Tem uma garrafa de água mineral lá atrás, e se quiser pode tirar a camisa.

Anderson apenas fez uma “cara feia”, mas eu não liguei. O que estávamos fazendo ali era maior que nosso conforto individual, servia a um bem maior, à manutenção do santo matrimônio (que coisa mais piegas!). O que importava é que estávamos ali para salvar nosso casamento; afinal, seis anos não são seis dias.

Olhei pelo binóculo e focalizei a entrada da casa de Emílio, torcendo para que ele saísse logo. Apesar da minha indiferença ante as reclamações do meu esposo, eu também não queria ficar ali alargando meu traseiro no banco do carro. Enquanto eu vigiava a casa, Anderson ligou o rádio e começou a procurar uma rádio, deixando em uma daquelas músicas do “sertanejo universitário”, cantadas por pequenos pigmeus goianos que jamais concluíram o fundamental. Musicalmente, era apenas ruim, mas ao prestar atenção na letra, e ouvir o cantor proferir coisas como “vou te matar de amor, te beijar todinha inteira”, alcancei meu limite de tolerância.

— Que porra é essa?

— É música! Melhor que esses caras drogados que você ouve.

Nem me dei ao trabalho de responder, apenas voltei o som para o mp3 e deixei no aleatório. Começou a tocar YES. Com certeza uma tocaia é menos monótona ouvindo Owner Of A Lonely Heart. Umas 12 músicas boas mais tarde, finalmente a porta da casa de Emílio se abriu. Observamo-lo tirar a motocicleta da garagem e montá-la rapidamente. Estava bem arrumado, com uma camisa social bem passada, calça jeans aparentemente nova e tênis impecavelmente brancos. Assim que ele ganhou a rua, dei a partida e comecei a segui-lo. Anderson havia dormido novamente, e acordou sobressaltado com o tranco do veículo.

— Hein? Foi? Quando? — murmurou, assustado.

— Acorda, amor. Estamos em perseguição, preciso dos seus olhos.

— O que aconteceu? — disse ele, já desperto, tentando se situar.

Àquela hora, o transito já estava mais intenso, nenhum engarrafamento ainda, mas muitos carros trafegando. Isso estava até me ajudando, já que era mais fácil persegui-lo em média velocidade. Mas, depois de alguns quarteirões, Emílio começou a costurar pelos corredores, tomando uma boa distância.

— Vamos perdê-lo — disse Anderson, apenas para me deixar mais nervosa.

— Ah, mas não vamos mesmo! — respondi, sem saber como cumpriria aquela afirmação.

— Como vamos passar pelo trânsito? Acho melhor nós... Aaaah!

Enquanto Anderson falava, percebi que a rua que cruzava a avenida estava pouco movimentada, então resolvi pegar um atalho. Virei à esquerda bruscamente, impedindo meu esposo de continuar o raciocínio, acelerei fundo, até ouvir vários motoristas buzinando para mim e gesticulando pelas janelas dos carros.

— Ficou maluca?! A gente na contramão!

— Só dois quarteirões, se segura.

Continuei avançando em alta velocidade, virei novamente à esquerda e venci mais uma quadra, até avistar, pelo cruzamento, a motocicleta de Emílio na avenida paralela. Segui mais alguns quarteirões e virei à direita. Agora, estávamos novamente atrás dele, não muito distante, e aquele trecho tinha menos veículos trafegando.

Depois de um inominável período de tempo, e de adentrarmos um bairro distante, da zona norte, Emílio parou; encostou a moto rente à calçada e seguiu até um beco mal iluminado. Assim que perdemos meu ex-amante de vista, descemos do carro e fomos em seu encalço. Penetramos o beco, eu já estava bastante nervosa. Seguimos o som dos passos até avistar uma grande porta de metal enferrujado fechar às costas de Emílio.

— Que lugar é esse, Adelaide? Não tô gostando nem um pouco daqui.

— Não seja medroso, deve ser uma daquelas boates fechadas, talvez uma casa de massagem; uma coisa assim. Nunca imaginei o Emílio num lugar desses. Deve ter vindo se encontrar com a vagabunda.

— Adelaide!

— Desculpa! — acho que ele não gostou de como eu me referi a Aliane; no fundo, tinha razão, não foi algo muito gentil de minha parte.

— E o que vamos fazer, bater na porta? Se é um clube fechado, não nos deixarão entrar.

— Ah, querido, você não sabe nada dessas coisas, né? Nesse tipo de lugar só entra quem é descolado, então tudo o que precisamos fazer é sermos descolados.

Ele me fitou com um olhar desconfiado, como quem diz “do que diabos você está falando?”. Sem dizer nada, eu comecei a dobrar as mangas da camiseta de Anderson.

— O que está fazendo? — reclamou ele.

— Te deixando descolado, oras! Agora, encolhe a barriga.

Relutante, meu esposo obedeceu, enquanto colocava a camisa para dentro da calça. Depois, tirei o casaco que eu estava usando e abri três botões da blusa, exibindo um decote generoso, deixando grande parte do sutiã à mostra. Fiz um nó com as pontas da blusa e desci um pouco o cós da calça, exibindo a barriga, que não é das piores, modéstia a parte.

— Você não pode entrar aí desse jeito! — protestou Anderson.

— “Desse jeito”, como?

— Quase nua! Seus peitos estão quase pulando pra fora!

— Pode até ser, mas são esses “peitos pulantes” que vão nos colocar pra dentro. Agora, fique quieto e faça tudo o que eu fizer.

Voltei-me para a porta e bati três vezes. Imediatamente, uma voz masculina, meio esganiçada, proferiu:

— Qual é a senha?

Cacete! Olhei para Anderson, que me encarava atônito. Decidi me fazer de desentendida e bati novamente, percebendo, agora, que dois olhinhos nos espiavam de uma pequena abertura horizontal no alto da porta.

— Qual é a senha? — repetiu o vigilante.

Aquilo não daria certo. Foi então que tive um estalo de lucidez. Aquela voz parecia de alguém bem jovem, provavelmente um adolescente, na transição entre a infância e a vida adulta, por isso tinha um timbre tão desagradável. E pela entonação, havia grandes chances de ser uma cara virgem. Na hora nem pensei como colocaram um adolescente para tomar conta de um clube secreto, mas talvez fosse filho do dono e quisessem cortar custos. Mas isso não importava, a única coisa em minha mente era que precisávamos passar por aquela porta. Cocei a garganta e me aproximei da abertura na porta.

— Desculpe, gato, não sei a senha; seus amigos não me passaram?

— Então, não podem entrar.

— Peraí, gato, seus amigos me mandaram! Meu nome é Emanuelle, e disseram que eu era um presente em compensação pelo seu trabalho.

1 minuto de silêncio. Talvez mais tempo, mas achei melhor esperar; o garoto estava se decidindo. Olhei para Anderson de lado e sua expressão dizia que não estava gostando nada do modo como eu me insinuara para aquele garotinho, mas era preciso.

— Você é meu presente? — perguntou ele

— Sim, gatinho, hoje vou ser toda sua.

— E esse cara com você? O que está fazendo aqui?

— É só o motorista do taxi, pedi pra ele vir comigo, porque fiquei com medo de entrar no beco sozinho. Vamos, não vai pegar seu presente?

Alguns segundos e o barulho das dobradiças enferrujadas tiniram em meus ouvidos. Antes que a porta se abrisse por completo, apanhei um pedaço de madeira que estava no chão e segurei firme com as duas mãos.

— O que está fa...

Anderson tentou me impedir, mas já era tarde demais. Assim que o garoto saiu pela porta, acertei-o na cabeça com força. Ele desmaiou imediatamente.

— Adelaide, ficou louca? Podemos ser presos por isso!

— Ele nem nos conhece.

— Por que fez isso?

— O lance de ser descolado não deu certo, e ele não deixaria você entrar comigo, então improvisei.

— Pelo menos tá respirando — disse Anderson, verificando o ar saindo das narinas do jovem.

— Me ajuda a colocá-lo pra dentro e vamos logo, antes que ele acorde.


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