Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 5
Capítulo 4: Infiéis Unidos




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Eu tentei persuadi-lo, mas Anderson estava irredutível, então achei melhor dar um tempo a ele e deixá-lo ir trabalhar. Enquanto isso, eu faria minha parte, adiantaria as coisas. Meu esposo iria pensar melhor e concordar comigo. Era o certo a se fazer; a única coisa a se fazer. Assim que a porta se fechou às costas de Anderson, peguei o telefone e disquei o número da loja. Não iria trabalhar, pois o assunto que tinha a resolver era muito mais importante. E, afinal, eu era a gerente, e bastava avisar que não iria, não havia complicações.

— Alô? — atendeu Gabriela; ela sempre chegava cedo, minha melhor funcionária.

— Gabriela, é a Adelaide. ligando pra avisar que não vou poder trabalhar hoje, acordei com uma enxaqueca filha da puta.

— Mas, tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

— Não, não. Só preciso de repouso, já tomei um remedinho. Você pode segurar as pontas na loja?

— Claro! Assim que as meninas chegarem, eu aviso.

— Obrigado, Gabi. Até amanhã.

— Melhoras, Adelaide.

Pronto! Agora, eu precisava começar logo as atividades do dia, pois cada segundo era mais que precioso. Eu estava ainda muito agitada, com os nervos à flor da pele, então fui para cozinha e preparei algo para comer. Não havia comido nada, apenas aquele café requentado, por isso resolvi fazer algo caprichado. Abri a geladeira e tirei todos os legumes e verduras que encontrei, tratei de picar tudo bem pequenininho e fiz uma salada caprichada. Pode parecer estranho fazer o desjejum com uma salada de vegetais, mas eu adoro salada, e quando estou nervosa, descobri que me ajuda bastante fazer coisas que adoro; nem todas podem ser feitas estando sozinha, mas para a salada eu só precisava deles, os vegetais.

Depois de me encher com aquela larga bandeja de salada, liguei para Ingrid e marcamos no apartamento dela. Foi muita sorte ser o dia de folga da minha melhor amiga. Troquei de roupa rapidamente e, quando fui procurar um batom na bolsa, achei um baseado perdido. Deus é pai! Aquela erva iria me acalmar; só de pensar no efeito já me senti mais tranquila.

Entrei no carro, acendi o santo cigarrinho e dei a partida. Dirigir fumando maconha é sempre mais gostoso, é como jogar video-game em uma sala de gravidade zero, e em câmera lenta. Eu nem me importei com os carros que buzinaram quando eu troquei de faixa sem acionar a seta. Deixei o som do carro em reprodução aleatória e estava tocando Wild World; Cat Stevens e maconha, uma combinação perfeita. Nem sexo é melhor que isso

Chegando ao prédio da minha amiga, abri as portas do carro e deixei a pequena nuvem de fumaça perfumada dispersar, acionei o alarme e fui direto para a portaria. O porteiro, Seu Severino, um paulista que a maioria dos moradores chamava de “paraíba” apenas por ser porteiro — ou pela cabeça achatada, não sei exatamente — estava dormindo com um radinho de pilha na mão. Nunca vou entender como alguém consegue dormir ouvindo Milionário e José Rico. Peguei o elevador, que estava vazio, e esperei chegar ao 7º andar.

Bati a campainha e encostei-me à parede ao lado da porta; a erva havia me deixado bem relax, mas eu ainda estava com a mente um pouco agitada; em câmera lenta, sim, mas agitada. Ouvi a maçaneta girar e logo Ingrid surgiu sorridente, com uma garrafa de licor na mão e alguns baseados na outra. Minha melhor amiga era advogada, mas não se importava em quebrar algumas leis. Talvez isso fosse prerrogativa de sua segunda profissão, a de cantora, já que era sua verdadeira paixão. Arte e dinheiro não são muito afins, então ela tocava em alguns bares da cidade habitualmente, mas precisava do trabalho como advogada para prover seu sustento.

— Entra, Lalá!

— Oi, amiga — nos abraçamos, trocamos beijinhos barulhentos e sem contato direto e eu logo fui para o sofá.

Ingrid me seguiu e sentou-se ao meu lado, desligou a TV e serviu dois copos de licor. Antes de dizer qualquer coisa, beberiquei o líquido alcoólico, que estava ainda mais saboroso depois da viagem de erva.

— Hmmm! — estava muito bom, mesmo. — Morango?

— Sim, lá do pomar de papai.

— Adoro! A Carol aí?

— Trabalhando, hoje.

Carol é a esposa de Ingrid. Não preciso dizer que as duas são lésbicas, né? Na verdade, acho que a Carol é totalmente lésbica, mas a Ingrid é bi, porque no tempo de colégio ela namorou todos os meninos mais bonitos da escola. Na época a gente dizia “namorou”, hoje a garotada diria que ela ficou com todo mundo, que pegava geral. Eu ainda prefiro “namorou”. E minha amiga sempre fez sucesso com os homens. Uma mulher linda, ruiva, bronzeada e com um corpo cheio de curvas dificilmente passa sem ser notada em algum lugar. Mas, logo que terminamos o ensino médio, ela me confessou que gostava de meninas, e que até já tinha saído com algumas. Na época eu nem lembro como reagi, pois foi no fim de uma festa, e eu tinha bebido “horrores”.

— Tem certeza que não vou incomodar?

— Não seja idiota! Eu estou morrendo de curiosidade!

— OK. Então, prepara, que lá vem bomba!

*

Passei pelo menos meia hora contando o ocorrido fatídico do dia anterior, tentando não esquecer nenhum detalhe — tenho certeza que se fosse Anderson teria resumido tudo em uns dois ou 3 minutos.

Puta merda, Lalá! Não acredito nisso!

— Mas é a pura verdade. Os dois já devem estar namorando há algum tempo, mas eu nunca desconfiei. Também, não conversamos sobre esse tipo de coisa. Quebraria qualquer clima, né?

— E o que vai fazer?

— Impedir esse casamento, oras! Só não sei por onde começar. Tem alguma ideia?

— Eu sempre te disse para largar o palerma do Anderson e pegar aquele negão maravilhoso em tempo integral! Devia ter me ouvido; a essa altura você estaria com o “deus do ébano” e a “sujeitinha” lá que ficasse com o outro.

— Não fala assim do Anderson, Ingrid! Sei que vocês não se dão muito bem, mas eu o amo; ele é um ótimo marido, mesmo não sendo gostosão que nem o Emílio. E vê lá o que fala, hein! A Carol pode ficar com ciúme se te pegar toda derretida por “outro”.

Minha melhor amiga nunca gostou do meu marido e, analisando por padrões globais de beleza, Emílio era muito mais atraente, além de conversar comigo sobre assuntos que Anderson nem sequer imagina o que sejam. Mas, apesar de tudo, ele sempre foi o homem que eu amo; cada pedacinho dele faz parte de mim. A pele clara, quase sem pelos no rosto e peito; os cabelos castanhos, meio crespos, mas muito macios; os olhos azuis, que não são vibrantes como os de um galã de Hollywood, mas, ainda que opacos e meio acinzentados, sempre foram lindos a meu ver. Até o fato de fumar escondido de mim, tentando mascarar o cheiro com aquelas balas baratas de hortelã, era algo que achava charmoso. Então, eu não gostava que falassem mal dele, a não ser que fosse eu falando.

— Não seja boba, menina. A Carolina sabe muito bem que minha macaca não come mais banana há muito tempo!

Não consegui conter o riso. Eu falava muitos palavrões no dia a dia, mas a Ingrid soltava cada uma quando conversávamos que até eu ficava constrangida. Quando consegui parar de rir, já vermelha e sem fôlego, bebi mais um copo de licor e voltei a falar:

— Mas não estamos aqui pra falar da sua macaca nem da banana de ninguém. O que eu preciso é de um bom plano para acabar com esse casamento de uma vez por todas.

— Não se preocupe, não há nada que duas mulheres munidas de álcool e drogas não possam resolver, certo?

— Certo.

— Então vamos lá. Pode pegar o seu caderninho, que eu sei que você trouxe.

*

Algumas horas depois, tínhamos uma garrafa de licor vazia, alguns restos de baseados queimados e nenhuma boa ideia. Não sei se por causa do álcool, das drogas, ou da nossa incapacidade de fazer o mal. A questão é que de todas as ideias que tivemos, e que anotei devidamente no caderno, nenhuma parecia minimamente passível de sucesso.

— Isso não está dando certo! — disse eu, com a visão ligeiramente turva pela embriaguez. — Só tivemos ideias de merda, convenhamos.

— Ah, nem todas. A minha sugestão de dizer para o Emílio que a garota é uma transexual operada foi até boa.

— Se a vida fosse uma novela das 9, coisas idiotas dariam certo. Mas não é, querida.

— OK, você deve ter razão. Talvez a gente tenha bebido demais.

— Essa foi a primeira coisa certa que você disse desde que cheguei.

Ela gargalhou, em uma reação exagerada para uma pessoa sóbria. Obviamente, não havia nenhuma pessoa sóbria naquele apartamento.

— Já sei qual é o problema — disse Ingrid, virando a última gota de licor, diretamente da garrafa para sua boca, — Não sabemos nada sobre essa tal de Ariana!

— Aliane.

— Que seja! A questão é que não a conhecemos. E o paspalho...

— Ingrid!

— Desculpa... O Anderson também não deve conhecê-la bem. Esses homens só querem saber do coito, e nada de conversar.

— Você está certa! Como não pensei nisso antes? — disse, em um fôlego de sobriedade em meio à embriaguez. — Então, é isso que devemos fazer. Preciso descobrir tudo sobre a Aliane.

— E depois, acabar com a festa dos gostosões.

— Não soou muito bem — eu ri, mas peguei um copo vazio e acompanhei o brinde que Ingrid ensaiava —, mas é isso aí. Vamos acabar com a festa!


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