Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 25
Capítulo 24: De Volta ao Lar




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A primeira coisa que senti foi a dor de cabeça excruciante. Parecia que meu cérebro fosse dilacerado em um moedor de carne, duas vezes. Logo depois, veio a sede, acompanhada de um gosto amargo na garganta. E, enfim, as dores em várias partes do corpo, como se eu tivesse levado uma surra com barras de ferro. Só então consegui abrir os olhos. O primeiro fragmento de luz que atingiu minha visão fez a dor de cabeça dobrar, então tive que abrir bem devagar, descobrindo os globos oculares com bastante calma.

Aos poucos, fui tolerando a claridade, até poder enxergar razoavelmente o lugar onde estava. Eu conhecia aquele lugar, e não era o apartamento de Ingrid e Carol. Aqueles móveis, aquela cama macia; era minha casa! Tentei me levantar, e só nesse momento notei que estava nua. Meu Deus, o que foi que eu fiz?, pensei, alarmada; eu não me lembrava de como fora parar ali, e nem quando ficara totalmente sem roupas.

Meus questionamentos silenciosos não duraram muito, pois Anderson apareceu. Entrou no quarto carregando nossa mesinha de tomar café na cama. Ele estava radiante, me fez lembrar o dia seguinte ao nosso casamento, quando estava tomado de uma alegria esfuziante. Meu marido (ex?) sentou-se ao meu lado e beijou minha testa; eu estava tão letárgica que não tive tempo de reagir. Fitei a mesinha e vislumbrei uma bandeja com uma farta salada. Tomate, alface, azeitonas, provolone, brócolis, cenoura, beterraba; uma salada digna dos meus feitos mais inspirados.

— O que houve? — perguntei, antes de tocar a salada.

— Não se lembra? — respondeu ele, com um traço de frustração no olhar, contudo sem perder a alegria transbordando pelos poros.

— Eu estava numa festa, e havia um cara vestido de Zorro... eu bebi muito, e não lembro mais nada.

Anderson não disse nada, se levantou e saiu do quarto; voltou poucos segundos depois, com a máscara do Zorro tapando os olhos.

— Mas... Como? Era você?

— Nós flertamos, sem saber quem éramos. A coisa ficou quente entre nós, e pegamos um taxi pra casa. No caminho eu reconheci sua voz, e então tirei sua máscara. Mas já estávamos nos amassos há um tempo, e nem eu nem você conseguimos parar.

Acho que naquele momento, meu cérebro girou dentro do crânio. Era muita informação para processar, principalmente com uma ressaca forte daquelas. Anderson me olhava com ternura, aguardando pacientemente que absorvesse tudo que ele me dissera.

— Então, você tava flertando com outras mulheres? — perguntei, com um tom de crítica.

— Você me abandonou! Nas últimas semanas eu saí com o Nelson, tentando te esquecer; mas deu tudo errado, Adelaide. Uma moça chegou a vomitar em mim!

Confesso que não contive uma risada abafada. Era reconfortante saber que seu marido foi recompensado com uma boa dose de vômito por tentar sair com outra mulher.

— Peraí! Por que eu estou pelada?

— Não lembra mesmo do que fizemos noite passada? — ele sorriu malicioso, e logo veio à minha mente o que poderia ter ocorrido.

— Seu pervertido! — disse, simulando estar chocada, mas na verdade me divertia com aquilo. E sabendo o que ocorrera, fragmentos de memória começaram a aflorar em minha mente.

— Você tava uma capetinha ontem. Minhas costas estão cheias de marcas de unha, fora esse chupão no pescoço — virou-se de lado e me mostrou a marca vermelho-arroxeada no pescoço.

— Eu fiz isso?

— Fez até pior. E foi ótimo.

— Eu estava bêbada.

Anderson apenas sorriu, como se debochasse do que eu falara. Eu sempre dizia que a bebida não muda o caráter de ninguém, e que cada um é responsável por seus atos, mesmo que bêbado. Agora ele não precisava dizer nada para ficar claro que pensava na ironia disso tudo.

— Não vai comer?

Eu estava faminta. E aquela salada estava com uma cara ótima, quase sorrindo para mim e dizendo “me coma”. Não fiz cerimônia, peguei os talheres ao lado da bandeja e avancei voraz em todos aqueles vegetais deliciosos. Enquanto comia, Anderson me olhava como se eu fosse um tesouro e aquela fosse e primeira e última vez que poderia “pôr os olhos” em mim. Não tive tempo para dizer nada durante aquele período, pois estava sempre com a boca cheia. Parei de mastigar apenas quando ouvi um latido bem próximo e em seguida vi Luke entrando no quarto.

Meu cachorrinho correu ao me ver, saltando na cama e se aninhando em meu colo. Servi-me de uma garfada generosa de salada, então acariciei sua cabeça e atrás das orelhas, para ver seus olhos estreitarem e seu rabinho balançar alegre para um lado e para o outro.

— Como é que você chegou aqui, garoto?

— Ensinei algumas coisinhas pro Luke — disse Anderson, sorrindo. — Agora ele já sobe as escadas sozinho.

— Vejo que ficaram próximos no tempo em que estive fora.

— Não havia muitas opções para mim. Mas não pense que vou começar a chamar o cachorro de filho! Viu como é bom estar de volta?

— Eu não disse que vou ficar — afirmei, com tanta convicção quanto o auditório do Silvio Santos.

— Vamos acabar com essa briga. Vai falar que lá na casa do “diabo ruivo” tava melhor que aqui?

— Não fala assim da Ingrid.

— Fica — pediu ele, com uma cara de súplica quase infantil.

Fitei-o demoradamente, mergulhando fundo no azul apagado de seus olhos. O sentimento de Anderson por mim era genuíno, isso era inegável; eu também sentia o mesmo. Então, por que ficaríamos separados? As últimas semanas tinham sido terríveis, e eu não podia negar que era bom estar em casa novamente.

— Pra falar a verdade, eu já não aguentava mais ficar naquele apartamento. Eu adoro minha amiga, mas três mulheres juntas na mesma casa não é algo que dê certo por muito tempo, ao menos pra mim. Não sei como as duas conseguem, vivendo com aquele cheiro de “calcinha no ar”.

— Então, não precisa ficar cheirando calcinha no apartamento delas. Seu lugar é aqui.

— Não tenho certeza. O que houve entre nós foi muito sério! Dissemos coisas que machucam.

— Espera um minuto.

Anderson se levantou e foi até o guarda-roupas, de uma das gavetas tirou uma sacola de papel. Dentro havia uma caixinha vermelha de veludo. Ele se aproximou, ajoelhou-se ao meu lado e abriu a caixinha, mostrando uma aliança com uma pedra cor de rosa no centro.

— Adelaide Cristina Araújo — começou ele; eu não acreditava no que estava acontecendo —, me daria a honra de se casar comigo? De novo?

Fique sem fala. Anderson tirou a aliança do estojo e colocou em meu dedo, junto da outra, do nosso casamento. Seus olhos brilhavam ao me olhar e, antes que eu conseguisse articular alguma fala, ele continuou:

— Vamos recomeçar! Uma nova vida, um novo casamento. Os problemas de ontem ficam no passado, e a partir de agora que venha o futuro. Podemos fazer isso, Adelaide. Nos amamos; por que ficarmos separados? Nos últimos dias eu procurei por outras mulheres, mas eu sempre acabava pensando em você, porque no meu coração não há espaço para mais ninguém, ele é todo seu.

— Isso foi covardia — eu sorri, olhando para o anel e para Anderson.

— Então, aceita ser, novamente, minha esposa?

— Bem, é tentador, mas não sei se aguento ter Dona Marieta como sogra duas vezes ao mesmo tempo.

Minha fala arrancou-lhe um sorriso ainda mais radiante que o qual carregava. Meu esposo se aproximou e beijou-me nos lábios, tão suave e carinhoso quanto na primeira vez.

— Adelaide — disse ele, após o beijo que me levara às nuvens.

— Oi.

— Onde gostaria de passar a lua de mel?


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