Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 2
Capítulo 1: Recebendo a Notícia




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Eu não entendo o problema que as pessoas têm com o cigarro. Eu fumo a tanto tempo, que ele praticamente faz parte de mim. Adelaide parou de fumar na época em que namorávamos, e com o tempo acabou me obrigando a fazer o mesmo. Mas não durou muito tempo, e agora eu aproveito cada oportunidade para fumar escondido. Trabalhar numa empresa que fabrica cigarros pode ajudar um pouco, mas minhas maiores heroínas — não confundir com a droga — são as balas de hortelã. Aquilo deixa a boca cheirosinha, e minha esposa nem percebe que eu fumei, tenha sido um cigarro, ou um maço inteiro.

Adelaide dizia que era clichê demais fumar depois do sexo, mas eu sempre tive esse hábito. Naquele dia, eu estava saboreando um cigarro sem filtro bem suave, pois os fortes não são bons para esses momentos, me deixam meio tonto. Aquilo era como uma meditação, eu sentia a fumaça entrar pela boca, parar nos pulmões para descansar e logo depois uma nuvem gordinha saía do nariz, formando uma cortina à minha frente.

Aliane estava perto da cama, em pé, penteando os cabelos em frente ao espelho. Uma manta negra e brilhante escorrendo sobre as costas. Vestia apenas roupa íntima, deixando seu corpo escultural à mostra. Seu físico era levemente musculoso, acho que praticava alguma arte marcial; nunca perguntei, só tinha a impressão. Contudo, mesmo com essa deusa à minha frente, não prestava muito atenção nela.

Eu estava fumando, e gosto de separar as coisas. Sexo é sexo. Cigarro é cigarro. Não sei dizer qual dos dois me dá mais prazer, mas posso dizer que não se deve misturá-los. Tentei fazer isso na adolescência, mas quase queimei meu pênis. Estava quase terminando de fumar, quando Aliane se virou para mim e veio andando em minha direção.

— Anderson, precisamos conversar.

Meio distraído, quase me engasguei com a fumaça. Depois de uma tosse baixa, abanei a mão para espalhar a nuvem de nicotina e me voltei para ela, surpreso. Não costumávamos conversar muito, principalmente depois do sexo; e ela sabia que meu fumo era sagrado.

— O que foi? — perguntei, entre uma tragada e uma baforada.

— É muito difícil dizer o que estou prestes a dizer, mas quero que saiba que isso que há entre nós é muito especial, e sempre vou guardar comigo cada momento que passamos juntos.

— Não estou entendendo.

— Olha só, eu conheci um rapaz, já estamos saindo há algum tempo, e...

— Aliane, eu sou casado! Não precisa me dar satisfação, estamos bem desse jeito, não se...

— É que vou me casar!

Fiquei em silencio. Não pelo choque, mas por não conseguir compreender onde ela queria chegar. Às vezes eu sou um pouco lento para interpretar as coisas, principalmente quando estou no meu momento de fumar depois do sexo. Ela deveria saber disso e começar uma conversa tão estranha em um momento melhor.

— Meus parabéns! — eu disse, tentando sorrir, mas sem conseguir por estar muito confuso.

— Acho que você não está me entendendo, Anderson. Eu vou me casar!

— Eu entendo, te desejo felicidades! — onde diabos ela queria chegar?

— Isso significa que não podemos mais nos ver. Ao menos não do jeito que nos vemos, entende?

— Como?

— Eu acredito na monogamia, por mais contraditório que isso possa parecer.

Monogamia? Nem sei o significado dessa palavra! Aquilo não fazia sentido para mim. Ela iria se casar; ok. Mas o que nosso “relacionamento” tinha a ver com isso? Era apenas sexo, e estávamos de acordo nisso; eu era um homem casado, e todos os termos foram discutidos antes de começarmos. Já fazia dois anos que nos encontrávamos duas vezes por semana, exceto na época das provas na faculdade da Aliane. Que curso ela fazia mesmo?

— Eu... Bem... É... Não entendo!

— Vou me casar em breve, e pretendo ser fiel ao meu marido. Ele sabe do que temos, e terminar com você foi uma decisão que tomamos em conjunto.

Ela olhou para mim com olhos grandes e brilhantes, parecia uma menininha que acaba de recolher um gatinho machucado na rua. Depois se levantou e começou a se vestir, foi tão rápido que, quando dei por mim, Aliane me beijava o rosto e já saía pela porta. Fiquei alguns segundos parado, olhando para o nada, tentando compreender a situação.

— Ai, CACETE!

Saí do estado congelado que estava ao sentir uma queimação entre os dedos, a bituca do cigarro havia me queimado, e agora estava em cima do lençol. O tecido se chamuscou um pouco e uma chama se aumentou. Agarrei o travesseiro com pressa e comecei a bater onde estava queimando até o fogo se apagar. Então, ofegante como se tivesse corrido uma maratona, me deitei e deixei o ar entrar e sair pelo meu pulmão até meu coração começar a bater normalmente.

Depois de um longo tempo largado na cama, fiquei de pé, vesti minhas roupas, paguei a conta e saí. Normalmente, Aliane me dava uma carona até o metrô, mas hoje ela se fora sem me esperar, e, segundo o que me dissera, para jamais voltar. Nas poucas vezes em que tive que sair sem um carro do motel, fiquei bastante envergonhado, sentindo que todos me olhavam, me julgavam; se ao menos eu conseguisse passar no exame de direção... Mas depois de 19 reprovações, achei sensato desistir. No entanto, agora, eu estava tão transtornado que nem me importei com os olhares, ora curiosos, ora julgadores.

Caminhei por alguns metros até perceber um táxi se aproximando, sinalizei e o motorista parou. Entrei no veículo cabisbaixo, disse o endereço e me acomodei como pude, encostando a cabeça no vidro e observando a paisagem de concreto e poeira que passava lentamente por meus olhos. Mas eu não via nada daquilo, via apenas Aliane dizendo aquelas palavras que eu não queria ter que compreender: não podemos mais nos ver.

E eu ainda não sabia que droga significava “monogamia”.


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