Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal
Depois de deixarmos a velha na rodoviária, fui levar Anderson para o trabalho, e discutimos no caminho porque chamei a velha de velha. Nessas horas me dava uma vontade de estrangular meu marido, mas o amor fala mais alto — e o medo de ir para a cadeia. Contudo, em meio ao calor da discussão, tive uma ideia genial para evitar o casamento de nossos amantes.
Lembrei-me que os pais de Emílio eram evangélicos, o pai é até pastor. Então, era a partir deles que eu atacaria. Eu só precisava encontrá-los e deixar escapar, assim “sem querer”, algo que desabonasse Aliane. Se os pais, religiosos e conservadores, não mais aprovassem a noivinha, não haveria casamento, podia apostar nisso.
Assim que cheguei ao trabalho, fui para minha sala e liguei para Ingrid.
— Oi, Lalá — disse ela, graças ao identificador de chamadas.
— Amiga, preciso de sua ajuda para um novo plano. Tá muito ocupada?
— Pra você, nunca. Em meia hora eu chego aí.
— OK, fico te esperando.
*
— Então é isso — disse, concluindo a exposição de meu plano à minha amiga.
— Acha que eles vão acreditar nisso? — indagou ela, descrente em minha capacidade de enganar e manipular.
— Vamos dizer que somos amigos, levaremos um presente de casamento adiantado e, no decorrer da conversa, deixamos dicas aqui e ali, até eles pescarem a mentira. Não tem erro! Só preciso pensar bem nos dados, para não me contradizer ou me enrolar. Além disso, tenho que orientar o Anderson, porque ele é péssimo com mentiras.
— Quem diria que ter um marido incapaz de mentir seria um problema?
Rimos daquilo, pois era a mais absoluta verdade. Se Anderson fosse um bom mentiroso, tudo seria mais fácil. Contudo, era melhor assim, pois nem sempre um mentiroso reconhece as mentiras do outro, e eu poderia sair prejudicada nessa história.
Ficamos ali até o final da tarde, conjecturando e aparando as arestas da grande mentira. Até um organograma eu desenhei; modéstia à parte, o plano era realmente genial. Depois disso, bebemos uma cerveja na praça de alimentação e tomamos cada uma o rumo de casa.
Quando cheguei em casa, Anderson estava no sofá, deitado. Aproximei-me e forcei um espaço ao seu lado, obrigando-o a levantar. Ele esfregou os olhos, estava quase cochilando, beijou-me de leve e perguntou:
— Então, amor, vai me contar ou não a ideia fantástica que teve?
— Sim, já está tudo certo — disse, tirando o caderno da bolsa e mostrando minhas anotações.
— O que é isso, vamos apresentar um plano de sabotagem pra alguém?
— Vamos ver os pais de Emílio.
— Ahn?
*
Durante mais ou menos uma hora, repassei todo o plano com Anderson, cada informação, cada detalhe que pudesse por tudo a perder. Contudo, ele não precisaria falar muito, eu estaria à frente da operação. Tomamos um banho rápido e comemos uma lasanha congelada, embrulhei um edredom que havia comprado meses atrás com um papel de presente qualquer e então saímos. Pedi ao meu esposo que se vestisse bem alinhado, enquanto escolhi uma roupa elegante e comportada; eu precisava conquistar a confiança dos pais de Emílio. Joaquim, o pai, era pastor; Emílio me dissera isso uma vez, meio que sem querer, mas eu não sabia muito mais sobre ele. A mãe, Amélia, era dona de casa e ajudava nas atividades da igreja, como toda “boa esposa” deve fazer.
Entramos no carro e seguimos para a casa de Emílio. Àquela hora, pelos meus cálculos, ele já saíra para a faculdade, então teríamos um bom tempo para plantar a discórdia no seio daquela família. Estacionei a um quarteirão de distância; não queria que vissem meu carro, talvez não achassem muito “sóbrio”. Bati na porta três vezes e aguardei. Não demorou muito para que uma mulher abrisse a porta.
— Boa noite — disse ela, com um semblante cansado.
— Boa noite! — respondi, exalando uma alegria e cordialidade que viera construindo no caminho até lá. — Somos amigos do Emílio, ele por acaso está?
— O Emílio está na faculdade, gostariam de deixar algum recado para ele? Como se chamam?
— Desculpe! Que falta de educação a minha, meu nome é Joana — menti, estendendo a mão para um cumprimento —, e este é meu irmão, Jorge — apontei para Anderson, que imitou meu gesto.
— Vou dizer a ele que estiveram aqui.
— Na verdade, ficamos sabendo que o Emílio iria se casar, e infelizmente estaremos fora do estado em breve e não poderemos ir ao casamento. Por isso, resolvi fazer uma visita e deixar meu presente adiantado para o casal. Será que podemos entrar por um minuto?
— Claro, entrem. Vou preparar um café.
— Quem está aí, Amélia? — irrompeu uma voz firme e encorpada, de um cômodo nos fundos da casa.
— São amigos do Emílio, vieram deixar um presente, pelo casamento.
Ouvimos passos, e alguns segundos depois surgiu um homem imponente na sala. Ele era bem alto, maior que o filho, ombros largos, pele negra e barba aparada. Estava vestindo uma bermuda e uma camisa, provavelmente não pretendia sair de casa naquele dia, nem tampouco receber visitas. Imediatamente, levantei-me e o cumprimentei.
— O senhor deve ser o pastor Joaquim.
— Boa noite — respondeu, apertando minha mão, e em seguida a de Anderson. — São amigos do nosso filho?
— Sim, nos conhecemos na faculdade. Me formei ano passado, então temos nos falado pouco.
— Você também estudou com eles, rapaz? — perguntou Jorge, mirando Anderson com os olhos.
— Ele é meu irmão — adiantei-me em responder. — Viemos trazer o presente de casamento do Emílio, pois vamos viajar e ficar um bom tempo fora — tentei mudar o foco do assunto.
— Oh, muito obrigado! O Emílio vai gostar disso; seu primeiro presente de casamento.
— Aqui está — Amélia chegou com uma bandeja e 4 xícaras fumegantes de café.
— O cheiro está ótimo! — foi a primeira verdade que eu disse desde que chegara na casa.
A mulher se sentou ao lado do marido e os dois nos fitaram de forma simpática. Eu precisava começar logo com o plano, não conseguiria manter uma conversa trivial por muito tempo, logo entraríamos naquele momento de silêncio constrangedor.
— Fiquei muito surpresa quando Emílio nos contou que iria se casar com Aliane.
— Por quê? Ela é uma ótima moça!
— Não foi isso que eu quis dizer. Mas é que os dois são tão diferentes. Emílio é um rapaz mais tranquilo, mais família. Já a Aliane…
— O que tem a Aliane? — indagou o pastor, com um semblante curioso.
— Ah, não sei. Ela é mais... mais... extrovertida. Gosta de balada, de dançar, essas coisas.
— Há quanto tempo vocês a conhecem?
— Cerca de dois anos — respondeu Anderson, lembrando das anotações que estudamos antes sair de casa.
— Mas o que importa é que sejam felizes, não é verdade? E acho muito bonito a atitude do Emílio. Todo mundo merece uma segunda chance, e ninguém deve ser refém do próprio passado.
— Do que está falando, filha? — perguntou Amélia.
— Acho que falei demais. Já está ficando tarde, é melhor irmos, diga a Emílio que deixamos um grande abraço.
— Calma aí, mocinha. Antes de ir embora, vai ter que explicar o que quis dizer com essa conversa de “passado” e “segunda chance”.
— Acho melhor irmos embora. Se o seu filho não te contou, acho que não devo comentar.
— Filha, dizer a verdade nunca é errado. E agora você atiçou minha curiosidade. Vamos, desembuche!
— Bem, acontece que Jorge já andou por caminhos errados no passado. Por algum tempo, esteve entregue ao vício das drogas, e frequentava lugares não muito familiares, entendem?
— Entendemos — disse o pastor —, mas o que tudo isso tem a ver com nossa nora?
— Quando estava tomado pelo vício, meu irmãozinho frequentava essas boates, onda as moças dançam. Sabem do que eu estou falando. E foi num desses estabelecimentos que ele conheceu Aliane.
— Isso é impossível! — protestou Joaquim. — Aliane é uma moça de família, honrada, que aceitou o Senhor como seu salvador. Deve estar havendo algum engano.
— Desculpe, pastor, eu não deveria ter dito nada. Agora, é melhor mesmo nós irmos embora — levantei-me, devolvendo a xícara vazia à bandeja. — Vamos, Jorge?
Anderson não respondeu, acho que se esqueceu dos nomes falsos que tínhamos informado.
— Jorge! — ele me olhou, confuso, e só então se deu conta que era a ele quem eu chamava.
— O café estava uma delícia — disse meu esposo, antes de seguirmos até a porta.
— Deixe um abraço nosso para Emílio.
Assim, saímos da casa de Amélia e Joaquim. Depois da falsa revelação, os dois apenas acenaram para se despedir, nem mesmo tiveram palavras para trocar conosco. Estavam estupefatos.
E eu estava eufórica.
*
— Você viu a cara deles? — perguntei a Anderson, entre gargalhadas, assim que chegamos em casa.
— O pastor ficou branco!
Anderson sentou no sofá, afrouxando a gravata, enquanto eu fui direto para a Adega. Peguei o vinho mais caro que tínhamos e busquei o saca-rolha no cozinha. Derramei um pouco na roupa ao abrir a garrafa, mas não me importei; aquela vestimenta já havia cumprido sua missão do dia. Agora era comemorar e aguardar os efeitos colaterais da nossa pequena maldade. Servi duas taças de vinho e liguei o som.
— Vem, meu amor, dança comigo!
Entreguei uma das taças ao meu esposo e puxei-o pela gravata para perto de mim. Dançamos umas duas músicas, e a garrafa já estava quase no fim. Deixei minha taça sobre a mesinha de centro e envolvi Anderson pela cintura, trazendo-o para mais perto ainda do meu corpo. Eu estava em êxtase, e meu corpo estava quente. Beijei-o como uma adolescente afoita, como fosse a primeira e última vez. Depois de tirar a gravata dele, aproveitei para desabotoar sua camisa até o fim.
Senti sua mão apertar forte minha coxa, e lembrei-me da roupa que vestia. Era um vestido longo, não muito justo, sem fendas e sem decotes. Sabendo que aquela roupa dificultaria nosso contato, fiquei de costas, deixando que Anderson abrisse o zíper que iniciava no pescoço e ia até o fim das minas costas. O vestido escorregou suave pelo meu corpo, como se quisesse me acariciar, provocando arrepios por toda a pele.
Beijamo-nos com furor, e arranquei a camisa dele com uma urgência inexplicável. Em poucos minutos, não havia uma peça de roupa sequer em nossos corpos, apenas um completando o outro, como um casal apaixonado deve ser.
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