Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 12
Capítulo 11: Ressaca Moral




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Acordei com a luz do sol entrando no quarto pelo basculante próximo ao teto. O quarto estava bem desarrumado, e as toalhas que usamos noite passada estavam espalhadas pelo chão. Eu me encontrava totalmente enrolado no lençol. Apoiei a cabeça de volta ao travesseiro e olhei para o lado. Adelaide estava deitada de barriga para baixo, totalmente descoberta. A pele morena tinha algumas marcas arroxeadas, e pensei que talvez tenha me excedido um pouco. Contudo, eu também tinha algumas mordidas pelo corpo, além de marcas feitas pelas unhas de minha esposa.

Adelaide dormia profundamente, parecia relaxada, assim como eu. Fiquei por alguns minutos admirando suas formas, sua pele macia, as nádegas arredondadas me faziam lembrar de ontem à noite. Livrei-me do lençol e acaricieis suas costas, sentindo o calor passar de seu corpo para os meus dedos. As cenas passadas se misturavam à minha imaginação e desejo presentes, e em poucos minutos eu já estava muito excitado. Olhei no relógio sobre o criado mudo e já eram 10 da manhã. Eu estava dividido, queria com todas as minhas forças repetir a dose de ontem, me entregar a horas de sexo incontrolável, mas já era tarde e precisávamos buscar o carro.

Fui até o banheiro e peguei minhas roupas, que já estavam secas. Enquanto me vestia, liguei para recepção e pedi para fechar a conta; só então me lembrei que não tínhamos um “tostão furado” no bolso. Espero que os 50 reais que Adelaide adiantou sejam suficientes. Ela acordou antes que a atendente aparecesse com a confirmação se teríamos ou não que complementar o pagamento.

— Por que não me chamou? — perguntou ela, sorridente e relaxada.

— Você estava dormindo tão gostoso, preferi te deixar descansar.

— Nossa roupa secou?

— Sim, mas talvez a gente tenha um problema.

— Problema? Não quero mais saber de problemas, vamos pegar o carro e ir pra casa, depois pensamos nos problemas.

— Eu pedi a conta, Adelaide. Mas, se der mais de 50 reais, não teremos como pagar.

Cacete! É mesmo!

Antes que eu dissesse mais alguma coisa, duas batidas anunciaram a chegada da conta. Abri a porta do compartimento giratório e peguei o pedaço de papel.

— Então?

— 120 reais.

Silêncio. Ficamos por alguns instantes apenas nos olhando, um contemplando a falta de ideias do outro, até que Adelaide interrompeu nosso momento o-que-vamos-fazer.

— Diz pra ela que mudamos de ideia, vamos ficar mais uma hora.

— Moça — comecei, colocando a conta de volta e girando o compartimento —, vamos ficar mais uma hora, ligamos quando terminarmos.

Não houve resposta, apenas o ruído do papel sendo recolhido com não muita delicadeza. Adelaide terminou de se vestir e voltou a falar.

— Temos que dar um jeito de sair de fininho. É a única maneira.

— Achei que o dia de ontem não ia acabar, e ele acabou, e não foi nada mal — disse, emendando um sorriso por lembrar da noite quente que tivemos. — Mas do que adiantou? Logo de manhã tá começando tudo de novo!

Adelaide terminou de calçar os sapatos, caminhou até mim e rodeou minha cintura com os braços. Seu rosto ficou a centímetros do meu, e nos beijamos. Algo acendeu dentro de mim, mas tratei de apagar imediatamente. Tínhamos problemas maiores para resolver naquele momento.

— Escuta, amor, aconteceu um monte de merda, e agora estamos fugindo de um motel como dois bandidos. Mas estamos juntos, e é isso que importa. E ontem à noite foi fantástico — ela mordeu meu lábio inferior e beliscou minha nádega esquerda.

— Ai! — eu gritei, mais pela surpresa que pela dor. Ela se afastou e seguiu até a porta.

— Agora, vamos. Eu vou na frente, fique bem perto de mim e não faça barulho por nada nesse mundo, OK?

Eu apenas mostrei o polegar, afirmativamente. Adelaide girou a maçaneta e colocou a cabeça para fora, espiou os dois lados e saiu. Segui-a bem de perto, acho até que minha respiração estava incomodando no seu pescoço, pois a vi sacudir a cabeça e levantar os ombros. Avançamos pelo corredor em passos de bailarina, bem devagarzinho, e só paramos ao ouvir uma das portas sendo aberta por dentro. Quando começou a se abrir, Adelaide me empurrou contra a parede e me beijou, segurando meus cabelos com as duas mãos. A língua da minha esposa quase me fez engasgar, pois fora pego desprevenido, mas o casal que também deixava o motel apenas olhou de lado e se foi rapidamente.

Ela começou a andar novamente, e eu recuperei o ar para segui-la de perto. Avistamos a recepção, a atendente estava no balcão, lendo um jornal barato. “MULHER TRAÍDA CORTA O MAL PELA RAIZ”, informava a manchete; eu preferi nem imaginar de que se tratava. Minha esposa gesticulou para que esperássemos, e não demorou muito para que a recepcionista se levantasse e abandonasse seu posto. Nesse momento, Adelaide sussurrou para mim um “corra” que tive que ler em seus lábios para entender.

Pusemo-nos a correr, passamos pela recepção e estávamos a poucos metros da porta quando ouvimos um grito à nossas costas.

— Podem parar aí, seus pilantras!

Não pretendíamos olhar para trás, mas de repente — e não sei de onde aquele sujeito saiu — surgiu um homem enorme guardando a saída. Ele apenas cruzou os braços e nos encarou com uma cara de poucos amigos. Adelaide parou, eu quase trombei nela, mas também interrompi a corrida a tempo. Olhamos para trás, e lá estava a atendente leitora de jornal barato.

— Muito bonito, o casalzinho quer sair sem pagar!

— Escute — começou Adelaide —, nós adiantamos 50 reais ontem, mas é que fomos assaltados, e estamos longe de casa, por isso viemos pra cá. Deixe-nos sair e eu volto com o resto do dinheiro.

— Vocês acham que eu sou idiota? — perguntou a moça, que não devia ter mais de 25 anos.

— Não, claro que não! — respondeu Adelaide, sem perder tempo. Apesar do que dizia, eu a conhecia bem, e seus olhos respondiam uma coisa bem diferente, algo como “claro que te acho idiota, sua vaca!”. Ainda bem que minha esposa sabia mentir muito bem.

— Então você devia saber que só vão sair daqui depois de pagarem o que devem.

— Mas... Mas... — tentei falar, mas comecei a gaguejar que nem o porquinho do desenho animado. — Não temos mais dinheiro!

A jovem começou a gargalhar, e o cara grandão e assustador na saída também fazia o mesmo.

— Se não têm dinheiro, deviam ter procurado outro lugar pra trepar! — disse ela, com uma careta que misturava o riso e a raiva, e que a deixava ainda mais feia.

— O que vão fazer? Nos manter presos e depois vender nossos órgãos?

— Ate que não é má ideia, mas não somos criminosos. Diferente de vocês, não tentamos “passar a perna” em ninguém. SE não têm grana, vão trabalhar pra pagar.

— Como assim? — dissemos em uníssono.

— Trabalhar! Os dois tarados não sabem o que é trabalhar? Até que veio a calhar vocês tentarem dar um golpe em nós. Uma das camareiras faltou, então temos muitos lençóis sujos de amor pra vocês limparem.

Até pensei em falar alguma coisa, tentar convencê-la, mas aquele gigante na portaria me dava calafrios e, pelo olhar que Adelaide me lançava, ela sentia o mesmo. Parecia que não havia escapatória. Teríamos um dia de camareira.

*

Fomos levados para um lugar apertado, com pouca luz, e com uma montanha de lençóis sujos. O segurança nos entregou aventais velhos e disse, com uma voz grossa e ainda mais assustadora que sua cara:

— Espero que saibam usar uma máquina de lavar. Lavem tudo e, depois de seco, dobrem e coloquem ali, junto com os outros — ele apontou para uma pequena pilha de lençóis dobrados, que era muito menor que a dos sujos.

O homem se virou e nos deixou sozinhos com toda aquela sujeira para limpar.

— Vamos começar? — disse, olhando para Adelaide, que parecia bastante nervosa.

— Se eu tivesse oportunidade, ia dar uma paulada nas cabeças desses dois filhos da...

— Calma, amor! Calma! Vamos lavar essas coisas, logo. Quanto mais rápido terminarmos, mais cedo estaremos em casa.

— Olha quanta roupa de cama! Isso vai levar um século.

— E se demorarmos a começar, vai levar dois, então vamos.

Adelaide começou a pegar os lençóis, fronhas e toalhas e jogar em uma enorme máquina de lavar que havia ali. Eu fiz o mesmo, me sentindo um pouco enjoado com alguns cheiros que saíam dos tecidos.

— Ai! Que nojo! — gritou ela, deixando a fronha que segurava cair no chão.

— O que foi?

— Essa fronha tá cheia de...

— Não precisa completar, eu imagino o que seja. Olha — disse, apontando para alguns pares de luvas pendurados na parede —, tem luvas ali, vamos vestir.

Fui até as luvas e peguei dois pares. Vestimos e voltamos ao trabalho. Aquilo duraria mesmo um século.

*

Quando terminamos de lavar tudo, a recepcionista disse que podíamos parar para o almoço. Serviram-nos duas marmitas não muito bonitas, mas que, com a fome que sentíamos, pareceram deliciosas. Voltamos para a lavanderia e dobramos as peças limpas, tiramos os aventais e nos dirigimos à saída.

— Onde vocês pensam que vão? — perguntou a atendente, parando à nossa frente.

— Já terminamos o serviço — disse Adelaide, a irritação transbordando no olhar.

— Terminaram com a lavagem, agora vão arrumar os quartos até terminarem o expediente.

— Isso não é justo! — reclamou minha esposa. — Já trabalhamos o suficiente para pagar nossa dívida, você não pode...

— Quanto pensa que uma camareira ganha por dia, moça? Vocês estão bem longe de pagar sua dívida. Agora vistam os aventais e vão para o quarto 12. Acabou de sair um casal daqueles.

— Mas...

— Vamos, Adelaide. Ela tem razão, uma camareira não deve ganhar mais que um salário mínimo. Agora, faça as contas. É melhor obedecermos, antes que o Jamanta volte.

Ela se calou, e voltamos para a lavanderia. Vestimos os aventais e fomos para o quarto 12. Só então entendi o que a jovem da recepção queria dizer com “um casal daqueles”. Parecia que um furacão tinha passado por ali, revirando tudo de cabeça para baixo e emporcalhando do chão ao teto.

Só aquele quarto nos levou duas horas. Os seguintes, para nossa sorte, estavam bem menos bagunçados. Perdi as contas de quantos quartos limpamos, mas quando a tarde acabou, estávamos destruídos. Com exceção dos cabelos, tudo no meu corpo doía, e meu nariz ardia pelos odores diversos que fomos obrigados a suportar.

— Podem ir, agora. Não fizeram um grande trabalho, mas acho que é o suficiente para aprenderem a não aplicar golpes por aí. Agora, sumam da minha frente.

Adelaide ensaiou um insulto, mas eu segurei sua mão e a apertei, e então ela se calou. Tiramos os aventais e saímos apressados do motel. Quando chegamos à rua, a sensação de liberdade quase fez desaparecer as dores no corpo. Caminhamos por alguns metros até passar um táxi. Sinalizei e, dessa vez, ele parou. Indicamos o destino e nos permitimos alguns minutos de descanso.

A viagem foi rápida. Peguei minha carteira no carro e paguei o taxista. Entramos no fusquinha e eu ri quando Adelaide abraçou e beijou o volante.

Hmm, meu carrinho, que saudade que a mamãe ficou de você.

Depois do reencontro, partimos daquele lugar rumo à nossa casa, com o desejo de jamais voltar ali.


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