Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 11
Capítulo 10: A Fuga




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/604214/chapter/11

Minha adrenalina estava nas alturas, então descer pelo tubo foi como escorregar em um tobogã; mais tarde, quando o corpo esfriasse, eu veria como me ralei toda. Desemboquei no fim do cano e despenquei em uma grande caçamba de lixo. A queda foi suave, era macio ali, mas o cheiro não era dos melhores. Logo em seguida, Anderson também caiu e tratamos de sair dali o mais rápido que pudemos.

Corremos pelo beco, senti algo gosmento em meus dedos, e torci para não ser o que eu estava pensando. Reconheci a rua na qual estacionamos logo à frente, mas, quando nos aproximamos mais, as luzes de duas viaturas brilhavam e giravam. Consegui visualizar três policiais, e talvez houvesse mais; não podíamos seguir por ali.

— Cacete! — murmurei, gesticulando para que Anderson parasse. — Vamos dar a volta, eles estão vigiando a entrada.

Voltamos pelo beco, passamos pela caçamba e alcançamos outra rua.

— Precisamos do carro! Como vamos voltar pra casa? Nosso dinheiro e documentos estão lá!

— Tenho 50 reais aqui comigo. Podemos pegar um ônibus.

— Tá bom, então vamos logo, antes que algum policial nos pegue.

Diminuímos o ritmo da caminhada, nos distanciando do “clube secreto de nerds virgens”. Eu ainda não conseguia entender como um homem como Emílio frequentava um lugar daquele; eu entenderia aquilo depois. A prioridade agora era conseguir ir para casa. No dia seguinte, pegaria um taxi e buscaria o carro. Andamos por mais de 6 quarteirões até um ônibus passar; sinalizamos, o motorista reduziu e passou bem perto de nós, encarando-nos com uma careta na face, e foi embora.

— Desgraçado! Filho da puta! — gritei, enfurecida. Como ele pôde não parar?

— Calma, Adelaide!

— Olha o que aquele desgraçado fez. Passou devagarinho e ainda ficou olhando para nossa cara!

— Amor, presta bem atenção em nós dois.

Eu freei meu ímpeto de fúria e observei bem Anderson e eu. Parecíamos dois mendigos, ou coisa pior. Nossas roupas se rasgaram em várias partes enquanto escorregávamos para o lixo, e além de sujos fedíamos demasiadamente.

— Droga!

— Não grita — repreendeu-me meu esposo. — Eles podem estar procurando por nós.

— Vamos pegar um taxi. Se o dinheiro não der, tenho algum guardado em casa.

— Ok. Olha ali! Tem um taxi vindo, parece que está livre.

Assim como ocorrera com o ônibus, o taxista também passou devagar, nos olhou com certo asco e partiu.

Porra! Ninguém vai querer nos levar pra casa assim! Vamos ter que ir caminhando.

— Ficou maluca? Sabe quantos quilômetros nós rodamos pra chegar até aqui?

— O que sugere, então, senhor espertalhão?

— Não sei! Droga! Não faço a menor ideia.

— Vamos continuar andando, até pensarmos em algo melhor. Pode ser?

— Tá, vamos.

Caminhamos por mais alguns quarteirões, não saberia dizer quantos, pois naquele momento meu cérebro só conseguia processar uma dor nauseante nas pernas. A sensação era de que eu nunca mais pararia de sentir aquilo. Foi então que algo me chamou a atenção, um brilho, uma luz, um pingo de esperança para aquela noite.

— Anderson, olha isso — disse, apontando para o letreiro luminoso com a palavra OTEL grafada de vermelho.

— Um hotel. Mas será que vão nos deixar entrar?

— Isso aí é um pé sujo, claro que vão nos deixar entrar. Deixa que eu falo.

Aproximamo-nos mais um pouco e pude ver a sombra da letra M, completando a palavra desmembrada.

— Motel — disse, olhando para meu esposo.

— Tanto faz, desde que tenham uma cama e um chuveiro.

Abri a porta e entrei, com Anderson ao meu lado. A atendente logo nos fitou, com o desprezo no olhar.

— Podem dar o fora que aqui não é Albergue! Vão procurar um...

A jovem de pele pálida e buço peludo, que se apoiava pesadamente no balcão, interrompeu sua fala quando eu retirei a nota de 50 do decote e coloquei na mesa à sua frente.

— Queremos um quarto, o mais simples, que tiver.

Ela apenas apanhou uma chave e me entregou, apontando para um corredor estreito. Seguimos pelo caminho até encontrar a porta com o mesmo número escrito na chave.

— 69 — disse, lendo mais para mim do que para outra pessoa. — Bem sugestivo, né?

Abri a porta e entramos. Demorei alguns segundos para encontrar o interruptor, e quando a luz se acendeu, Anderson já estava deitado na cama.

— Levanta daí, fanfarrão! — eu disse, já mais calma. — Vai sujar a cama toda, tira essa roupa e vai tomar um banho. Depois eu vou.

Sentei-me na poltrona que, de acordo com o folheto ao lado, era chamada de “cavalo erótico”. Fechei os olhos e respirei fundo, sentindo minhas pernas que doíam “como o inferno”.

— E lava as roupas! — gritei para Anderson, que já estava no chuveiro. — Vamos precisar delas limpas amanhã.

Alguns minutos depois, meu esposo saiu do banheiro, enrolado em uma toalha vagabunda. Eu entre e me despi, liguei o chuveiro e deixei a água cair sobre mim por uns bons minutos, para só então começar a lavar as peças de roupa. Deixamos as vestes penduradas na janela do banheiro, que dava para um beco. Já limpa, e com a dor um pouco atenuada, observei o lugar onde estávamos. Era um quarto modesto, mas até aconchegante. Os lençóis estavam branquinhos, mesmo que um tanto gastos. Deitei-me e constatei que o colchão era macio. Estava perfeito, era tudo do que eu precisava depois de uma noite cheia de baixos e baixos.

Peguei o controle remoto e liguei a TV, estava sendo exibido o jornal da noite. Quem vem ao motel para ver jornal, pensei naquele momento. Mas, analisando a situação, foi um pensamento incoerente, pois nós mesmos estávamos ali por motivos bem diferentes que a maioria dos casais. Anderson estava quase pegando no sono, mas eu ainda estava agitada, a adrenalina percorrendo todo o corpo; não dormiria tão cedo. Passei para o próximo canal, e fui seguindo, procurando alguma distração; novela, jornal, pastor safado fazendo milagre... Opa!

Surpreendi-me quando cheguei ao “canal 4”. Eu nunca gostei de pornografia; Ingrid certa vez roubara um monte de fitas VHS do seu pai e fomos assistir na minha casa. Na época foi só por curiosidade, e eu achei nojento. Logo no primeiro filme uma mulher fazia coisas repugnantes com legumes e seringas d’água; só de lembrar me dá arrepios. Mas agora parecia diferente. O filme não era brasileiro, e mostrava um casal em “atividade intensa”. A mulher cavalgava, num vigor físico invejável. Logo percebi que Anderson despertara assim que passei para o canal, seus olhos vidrados na tela.

Fiquei olhando para ele, que ainda não havia percebido. Quando, enfim, notou minha vigília, ruborizou de imediato. Tentou disfarçar, mas eu já notara o volume proeminente na toalha branca. E, tenho que confessar, eu também me senti estimulada com o casal da TV. Eu estava exausta, o corpo todo dolorido, a cabeça latejando, mas, naquele momento, tudo pareceu sumir, todas aquelas sensações eram substituídas por um calor intenso, um vibrar de cada célula do meu corpo. Nos últimos dias meu “apetite” se acentuara sobremaneira, e agora eu me sentia uma adolescente, que esperara por um momento a sós com o namorado.

Anderson estava sem fala, mas eu sorri e ele relaxou. Livrei-me da toalha e deslizei na cama, jogando meu corpo sobre o dele e avançando com uma mordida em seu lábio inferior.

— Ai! — disse ele, com um sorriso lascivo na boca.

Em seguida, nos beijamos de uma forma ligeiramente violenta, com sua mão direita puxando meus cabelos e a esquerda apertando minha cintura com força. Poucos segundos depois, a toalha que cobria parte de seu corpo estava longe, e pude contemplar sua nudez com um desejo pulsante que me fazia queimar por dentro e por fora. Deslizei minhas mãos por seu peito, descendo pelo abdômen; passei pelas coxas, virilha e nádegas. Anderson estava tomado por uma fúria deliciosa, mordia meu pescoço enquanto manuseava meu corpo com destreza ímpar.

Envolvi-o com os dedos e o senti pulsar; quente, impetuoso, arisco. Eu sabia que não iríamos dormir tão cedo.

*

Duas horas depois — ou talvez mais, não tenho certeza —, estávamos deitados um ao lado do outro, ainda de mãos dadas. Minha respiração ofegante era sonora, assim como a de Anderson. Meu corpo ainda estava quente, mas já começava a sentir alguns hematomas sobre a pele, como se seus dedos ainda estivessem colados em mim. Só então percebi que o televisor ainda estava ligado. Na tela, que era a única iluminação do quarto, outros personagens faziam sua performance. Agora dois casais se arriscavam em posições ousadas, e antes de desligar o aparelho ainda pensei se não havia risco de uma torção.

Levantei-me da cama, apanhei uma das toalhas jogadas no chão e fui para o banheiro. Liguei a água fria e deixei-a escorrer pelo meu corpo, suave como uma brisa, levando o suor e o calor do momento lascivo que acabara de viver. Partes de mim ainda estavam dormentes, e a sensação era de pisar em algodão doce. Quando terminei o banho, após me secar, voltei para cama sem a toalha. Anderson já adormecera, mas tinha um sorriso tímido, contudo intenso, nos lábios.

Olhei mais uma vez para uma parte dele que há pouco se expandira dentro de mim, e que agora também adormecia, e então fechei meus olhos.

Afinal, o dia não terminou tão mal assim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Fiéis Infiéis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.