Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 10
Capítulo 9: A Invasão




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Depois de ver minha esposa acertar aquele adolescente, cheio de espinhas no rosto e aparelho nos dentes, em cheio na cabeça com um pedaço de pau, meu nervosismo chegou a níveis irreais. Adelaide entrou e eu a segui, sem conseguir pensar direito para tomar alguma decisão por mim mesmo. Mas, ainda que meio fora de prumo, percebi quando ela abriu mais um botão da blusa; aquilo me deixou nervoso. Apertei o passo até ficar ao lado dela, então a segurei pelo braço, cessando seu caminhar.

— Para com isso! Daqui a pouco vai estar pelada.

— Shiii... Faça silêncio; não sabemos o que vamos encontrar lá dentro, é melhor irmos com cautela.

— Tudo bem, mas fecha esse botão! — sussurrei, sem deixar de parecer nervoso.

— Tá bom, tá bom! — disse ela, contrariada, fechando um dos botões abertos; o decote ainda estava bem provocante, o que não me agradava nem um pouco.

— Isso aqui tá muito esquisito.

— Por quê?

— Olha que silêncio! Se aqui é mesmo um desses clubes fechados de sacanagem, devia ter um bate-estaca de deixar surdo.

— É mesmo — concordou Adelaide, que não havia atinado para aquilo. — Devem ter outra porta, dessas com abafador de som.

— Acho melhor a gente ir embora, antes que o menino lá acorde e chame a polícia.

— Aquele ali vai dormir bastante ainda, não se preocupe. Vamos!

Voltamos a seguir pelo corredor, que era bastante escuro e comprido. Não escutávamos um som sequer, e aquele silêncio todo estava me deixando cada vez mais preocupado. Pareceu uma eternidade o tempo que andamos rumo ao desconhecido, até que chegamos a uma porta; essa era diferente da primeira, menor e feita de madeira, parecia coisa fina. Minha esposa levou a mão à maçaneta e senti meu coração pular enquanto ela a girava lentamente. Adelaide entrou de uma vez, e eu me mantive bem perto dela. No entanto, o que encontramos do outro lado da porta não era nada daquilo que imaginávamos; na verdade, não passava nem perto do que esperávamos encontrar.

À nossa frente, um amplo salão, com piso de madeira e luminárias de vidro. Distribuídas pelo local, avistamos pelo menos 20 mesas com cadeiras. Em cada mesa havia uma dupla, em algumas um trio, e todas tinha um tabuleiro de xadrez. Os rostos daquelas pessoas se voltaram para nós, olhando com espanto para duas figuras no mínimo estranhas para o ambiente. Eram todos garotos, nenhuma garota, e não deviam passar dos 16 anos, a maioria. Os jovens vestiam-se com roupas do tipo que os garotos dos filmes usam em colégios de freiras, com aqueles suéteres de lá feitos pela avó.

— Que lugar é esse? — cochichei para Adelaide, que olhava ao redor, talvez procurando uma rota de fuga.

— Somos novatos! — disse ela, sorrindo amarelo enquanto desatava o nó da blusa, tampando a barriga, e abotoava novamente o decote improvisado. — Vem comigo — murmurou para mim.

Segui-a pelo amplo salão até o lado oposto, onde havia outra porta, idêntica àquela pela qual entramos. Adelaide abriu-a rapidamente e passamos apressados. Agora estávamos em um novo corredor, porém bem diferente do primeiro. A decoração era semelhante à do grande salão, com o mesmo tipo de assoalho e luminárias idênticas. Diversas portas apareciam dos dois lados, algumas fechadas, outras, entreabertas; podíamos perceber que eles também praticavam jogos. Alguns também jogavam xadrez, outros se dedicavam a jogos diversos de tabuleiro. Não havia ninguém jogando baralho, o que me fez pensar o quão chato devia ser fazer parte daquele clube de nerds.

Andávamos acelerados, em busca de uma saída, quando Adelaide parou de repente no meio do corredor, olhou para uma porta semiaberta e murmurou:

— Ele está ali — disse, logo se esquivando para não ser vista.

Emílio se vestia como os outros garotos, com um suéter que devia guardar no clube, já que não o usava quando começamos a persegui-lo. O amante de Adelaide voltou seu olhar para fora, mas só viu a mim; minha esposa me puxou pelo braço, tirando-me do campo de visão.

— Vamos embora! — sussurrou ela, com a decepção estampada no rosto.

Eu apenas balancei a cabeça, concordando com a primeira coisa sensata que ela dissera até então. Depois de nos afastarmos o suficiente para não sermos ouvidos por Emílio, Adelaide se virou para mim e disse:

— Não entendo. O que o Emílio vem fazer num clube de nerds virgens. Logo ele que é tão...

— Nem precisa continuar, amor! — interrompi; eu não precisava ouvir aquele tipo de coisa. — Vai ver, no fundo, no fundo, ele é apenas um nerd que perdeu a virgindade. Agora, vamos logo, porque eu tô com um péssimo pressentimento.

— Bobagem! Você sabe que essa coisa de pressentimento não exis...

Assustamos-nos quando um som tomou todo o lugar; estava distante, mas bem claro: sirenes. Era a polícia! Droga. O rapazinho da portaria com certeza acordara e chamara a polícia. Como eu pude ser tão estúpido? Devíamos ter amarrado o garoto. Não que eu concordasse com a loucura que Adelaide fez; dar uma paulada na cabeça de alguém não é algo sensato de se fazer, o menino poderia ter morrido. Mas, já que o estrago já havia sido feito, poderíamos pelo menos evitar sermos presos.

— Polícia! — disse, afoito, sem conseguir falar baixo.

— Corre! — gritou Adelaide, tão nervosa quanto eu.

Continuamos pelo corredor, na mesma direção que seguíamos, porém agora corríamos como loucos. Eu não queria ser preso; não podia ser preso! Imagina o que fariam comigo na cadeia, um cara fraco, sedentário, sem grandes dotes físicos. Além disso, eu não tinha grandes habilidades para me enturmar. Mas não era hora de pensar nisso; cada célula do meu corpo devia se concentrar em correr.

Quando minhas pernas já começavam a doer, e meus pulmões pareciam querer saltar pela garganta, chegamos a um cômodo grande. À esquerda havia uma cozinha do tipo industrial, à direita uma lavanderia.

— Estamos encurralados! — disse ela, resfolegando.

— Tem que haver uma saída.

Olhamos ao redor, procurando por alguma porta ou janela escondida, até que Adelaide voltou seu olhar para um tubo grosso de metal, aos fundos da lavanderia.

— Isso é para o lixo! — adiantei-me a falar, já prevendo a ideia que ela apresentaria.

— Não temos opção, meu amor. Ou é isso, ou vamos pra cadeia.

Sem nada mais dizer, Adelaide puxou meu braço e correu até o tubo, beijou meus lábios de leve e mergulhou.

— Te vejo lá embaixo, amor — disse, antes de deixar o corpo escorregar pelo tubo.

Eu não queria entrar por ali, nem mesmo sabíamos onde ia dar; a queda podia ser mortal. Meu coração batia acelerado, fazendo doer minhas costelas. Mas tudo congelou em mim quando ouvi o som de passos se aproximando, eram os coturnos dos policiais que vinham nos prender. Tomado pelo desespero, prendi a respiração e me espremi para dentro do tubo, com um único pensamento na mente: que Deus nos ajude!


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