Delírio escrita por Bruna Glacy


Capítulo 1
Delírio


Notas iniciais do capítulo

[...]



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Delírio

 

Lembro-me com pouca exatidão de detalhes daquela noite de inverno. A chuva caía constante na janela, que entre ventos e trovoadas, balançava como se tivesse a tola intenção de me assustar. Em cima da minha mesa, um coelho se alimentava dos restos das folhas do meu diário. Palavras que já não significavam nada para mim. Eu era um homem perdido, de fato, e o amor que eu sentia, eu não queria ter exposto naquelas velhas folhas.

Respirei um ar muito denso, minha cabeça latejava e a máscara no meu rosto incomodava-me como há muito não fazia. Erguendo lentamente minhas mãos, a tirei com certo zelo. Evitei o espelho para não encarar minha face destruída.

Eu estava tão perturbado. No meio dos barulhos e sussurros da chuva, eu chorava sozinho, tentando compreender os fantasmas que me perseguiam. Senti minha respiração pesada. O peso de anos trancado, aprisionado, isolado...

Eu deveria gritar? As sombras, todas elas, estavam novamente ali, à espreita, observando-me, como se quisessem pregar-me peças.

Olhei o coelho. Nada fazia. As bugigangas espalhadas pela mesa, nada me diziam. Os trovões que ecoavam lá fora, as cortinas voando, um zumbido, um suspiro... Então ouvi claramente e, ainda hoje o posso fazer outra vez. Uma batida discreta na porta, que fez meus sentidos tinirem como sinos enferrujados. Ergui meu corpo. Caminhei tão lentamente que meus passos ecoavam à medida que a eternidade se alongava. Meus olhos cautelosos, baixaram-se na direção da maçaneta, onde quase duras de terror, minhas mãos cobertas por luvas negras, tocaram.

Ao abrir a porta fui tocado por uma onda de gelo, uma névoa branca ou escura, não me recordo bem desse insignificante detalhe. Então em seguida veio a quentura. Não sei como a notei, porque em meio a arrepios, aqueles dedos úmidos me tocavam a pele.

Ela entrou. Sua presença foi tão forte, tão certa, que não fui capaz de reagir. Em seguida, o que se passou foi como um sonho, um devaneio. Eu me lembro daquele corpo, aquelas curvas perfeitas, suas mãos me tocando, provocando-me, impelindo-me a tocá-la de volta.

Lembro-me da ondulação dos seus cabelos, do cheiro daquela pele, dos toques quentes, que faziam meu corpo tremer.

Ela beijou minhas cicatrizes, ela soltou meu cabelo, ela amou-me com tamanha intensidade que ainda hoje são vagos os meus sentimentos ao lembrar-me daquela noite.

Fui um homem renovado pelo amor daquela moça. Aquela que sussurrou no meu ouvido e seus sussurros ecoaram como a chuva da janela, no interior da minha alma.

Eu fui capaz de vê-la. Senti-la. Eu fui amado, eu amei. Eu não ouvia a chuva. Eu não tinha noção de muitas coisas. Estreito meus olhos ao pensar naquela noite. O frio que fora embora, os sussurros e fantasmas que me deixaram. Por um momento, foi de verdade, mas por outro...

As cortinas prosseguiram com seu movimento frenético, as janelas também. A chuva, lembro-me bem, permaneceu caindo. Enquanto entre surtos de prazer, quando meus olhos se abriam, eu observava confuso, aquelas roupas espalhadas ao pé da cama. E me lembro de apenas mais uma coisa: o coelho ainda comia aquelas páginas, onde atordoado, eu desabafara o meu amor.


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Notas finais do capítulo

Romance a ser publicado.



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