O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 7
Feliz Aniversário.




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Na segunda sexta-feira de espetáculo em São João, papai foi novamente ao circo assistir ao espetáculo. Chegando minha vez o anfitrião me anunciou, onde entrei com meu violão e ele disse:

— Regis vai cantar acompanhado por nossos músicos, de Odair José “Eu, você e a praça”.

Encostei o meu carro na praça
E você, um tanto sem graça,
Sorriu pra mim
Sem querer eu olhei em seus olhos
Sem saber segurei suas mãos
E começou assim
Um longo silêncio entre nós
A sua presença calou minha voz
Tanta coisa eu tinha guardado
Pra lhe dizer
Mas não disse nada
Encostei o meu corpo no seu
E um novo desejo nasceu
Entre nós dois
Seus carinhos me deixavam louco
Nosso tempo era curto e tão pouco
E deixamos pra depois
Um longo silêncio entre nós
A sua presença calou minha voz
Tanta coisa eu tinha guardado
Pra lhe dizer
Mas não disse nada
Preciso rever
Seu sorriso um tanto sem graça
Preciso voltar
Mas uma vez com você lá na praça
Pra falar mais um pouco de mim
Encostar o meu corpo em seu corpo
E adormecer assim
Preciso rever
Seu sorriso um tanto sem graça....

Ao final desta canção, os músicos já iniciaram e eu anunciei o título da próxima:

— De Cascatinha e Inhana “Meu Primeiro Amor”.

Saudade palavra triste quando se perde um grande amor,

Na estrada longa da vida, eu vou chorando a minha dor,

Igual uma borboleta vagando triste por sobre a flor,

Seu nome sempre em meus lábios irei chamando por onde for.

Você nem sequer se lembra de ouvir a voz desse sofredor,

Que implora os seus carinhos, só um pouquinho do seu amor,

Meu primeiro amor tão cedo acabou,

Só a dor deixou nesse peito meu.

Meu primeiro amor foi como uma flor

Que desabrochou e logo morreu.

Nesta solidão sem ter alegria,

O que me alivia são meus tristes ais.

São prantos de dor, que nos olhos caem,

É porque bem sei quem eu tanto amei não verei jamais.

Acho que esta música viria bem retratar, o que com certeza deveria tão logo acontecer comigo, pois, embora não pensasse nisso, eu bem sabia que o circo não estaria eternamente em São João e tão logo iria embora, levando para sempre consigo, aquela a qual considerava ser “o meu primeiro amor de menino”.

Mas criança é um bichinho inocente que não pensa no amanhã; que só pensa no agora. Sentia-me feliz em estar no circo e principalmente ao lado daquela menina divina, que nem pensava nesta certeira partida.

Ao final desta canção, Lucia, com lindas roupas em cores rosa, tipo traje de gala, entrou no palco, acompanhada por toda sua família e demais artistas do circo, com um bonito bolo em suas mãos e uma velinha com o número oito, acompanhada por oito outras velinhas acesas. As luzes do palco se apagaram e acompanhados pelos músicos e também pela plateia, cantaram:

Parabéns a você, nesta data querida,

Muitas felicidades, muitos anos de vida… (bis).

É pique. É pique. É pique. É pique. É pique.

É hora, é hora, é hora, é hora, é hora,

Rá. Ti bum: Regis, Regis, Regis…

Só àquela hora lembrei-me de que estava completando oito anos de idade e embora sendo uma criança pequena, senti os olhos cheios de lágrimas de emoção; pois devido nossa condição de família pobre, jamais tivera uma festa de aniversário. Normalmente, como naquele dia, a data se passava sem que ninguém se lembrasse e só alguns dias depois, perceberia que já estava um ano mais velho. Portanto, aquela data foi muito especial para mim.

O bolo foi cortado e eu comi um pedaço bem pequeno, depois, ao som de uma valsa tocada pelos músicos, ela tomou minha mão, me levando para dançar. Naquele momento, me senti nas nuvens; embora jamais tivesse dançado uma valsa na vida, levado por aquela princesa, desajeitadamente, era o garoto mais feliz desse mundo de surpresas.

Tudo aquilo foi muito especial. Uma data para se guardar para sempre na memória e no coração. Mas o problema veio depois. Papai me chamou de lado e apesar da homenagem do pessoal do circo, ele, ao contrário do que eu esperava, pelo menos um beijo... ou um abraço... que nem sei quando foi a última vez, se é que ouve alguma; ele nem sequer tocou no assunto do aniversário. Só ousou me chamar a atenção, ameaçando:

— Outra vez que você cantar música desse tipo, vou proibi-lo de voltar aqui e vou vender seu violão.

— O que tem a música? — surpreso, quis eu saber.

— O que tem é uma falta de vergonha! Não me faça mais isso!

— Está bem! Não sei o porquê, mas não vou mais cantar ela!

Na noite de sábado, a convite de Lucia permaneci no circo e o senhor Luís Lauro levou papai para casa.

Dormir no circo, porém, não era nada fácil. No reboque dos donos já dormiam cinco pessoas; sendo: o casal na parte debaixo de um beliche, um pouco mais largo do que os tradicionais, mas que não chegava a ser de casal; José e Francisco, na parte de cima da mesma; Lucia dormia em uma cama de solteiro na parte traseira do reboque; Luiza Maria dormia em outro reboque, com outras pessoas. Portanto, fui dormir no meio dos dois irmãos, na tal beliche de casal, onde sua mãe pediu-me para que dormisse ao lado dos pés.

— Eu vou ficar cheirando o chulé de Regis? — brincou José.

— Não tenho chulé! — neguei sério.

Poucos minutos depois que a luz se apagou, Lucia se levantou e me cutucou, para que eu fosse dormir em sua caminha, vindo a dormir do mesmo lado que eu. Então, feliz a envolvi em um abraço e em poucos minutos estávamos dormindo. Era realmente muita felicidade para um menininho simples como eu.

Na manhã de domingo, eu, ela e Francisco estávamos brincando, mas como estava um tanto sem graça, resolvemos ir ensaiar nosso número de trapézio. Uniformizamo-nos como se fosse uma apresentação real e fomos ensaiar. O palhaço Risadinha nos acompanhara, pois sem ele por perto o senhor Carlos não permitia que principalmente eu, subisse nos trapézios.

Nosso número estava ficando cada dia mais fascinante e já podíamos nos considerar o grupo de trapezistas mais jovem do país e talvez do mundo e já estávamos muito bem ensaiados; apenas eu, que sem o tal domínio de contorcionismo, como se fosse feito de borracha sem ossos, fazia então a parte mais fácil e mesmo assim ainda deixava a desejar; apesar de que meu papel era mais do que segurar Lucia pelas mãos. Esta era a parte mais simples, depois tinha que trocar de trapézio com Francisco e a seguir ir para o primeiro trapézio junto com Lucia, longe do que eu estava então, que era o terceiro deles.

Meu traje continuava sendo apenas um shortinho de lycra apertado e agora, uma camisa também esverdeada. Francisco usava uniforme igual ao meu, só que vermelho e Lucia, usava biquíni e sutiã, da cor do meu.

Meu uniforme de fabricação caseira estava muito bem, mas devido o short justo ao corpo, quando fui trocar de trapézio, devido meu esforço um dos pontos da costura cedeu na parte de baixo, quase na frente. E se um só ponto ceder, o breve esforço para chegar ao outro trapézio faz com que a linha da costura...

Lá do chão Risadinha gritou em tom caçoador:

— Regis, sua torneirinha está fugindo!

Envergonhado saltei para a rede de proteção e a seguir para o chão estragando o ensaio. Com isto, Lucia e Francisco saltaram também:

— O que aconteceu Regis? — perguntou Francisco. — Você caiu?

— Não! — neguei.

— Então por que você desceu? — perguntou Lucia.

— Ele está com o pipi à mostra grátis — caçoou Risadinha.

Os dois olharam para ver o acontecido, mas eu me protegia com as mãos. Risadinha não deixou assim:

— Pode tirar as mãos, garoto! Ainda à pouco vocês se despiram aqui mesmo! Nenhum dos três sentiu vergonha!

Ele tinha razão, nos despimos juntos para mudar de roupa, o que achávamos muito natural, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Peguei minha roupa, corri ao reboque onde encontrei dona Sandra, então, um pouco tímido pedi:

— Dona Sandra, a senhora não quer sair um pouco?

— Não Regis! — negou ela.

Calei-me. Ela me olhou e me vendo com as roupas nas mãos, entendeu o que eu queria então disse:

— Ah sim! Você quer se trocar! Não se incomode, prometo não olhar.

Não gostei da decisão dela, então tornei a pedir:

— Por favor! É só um pouquinho!

Por fim acabou concordando. Troquei-me e chamei-a de volta. Lucia apareceu, me pedindo:

— Deixe-me ver seu shortinho!

Entreguei-lhe. Ela vendo onde descosturou pediu à sua mãe:

— Mamãe, o short de Regis rasgou. A senhora pode consertá-lo?

Ela o pegou e após examiná-lo insinuou:

— Só descosturou. Eu arrumo em um instante!

Abriu a máquina e em menos de cinco minutos já estava novinho. Então me entregou dizendo:

— Pronto, pode vesti-lo e ir ensaiar. Ninguém mais verá seu fazedor de xixi!

— A gente não pode usar a cueca por baixo? — Perguntei-lhe.

— Poderia se esse short fosse maior e mais largo; mas como é pequeno e apertado, se você usar algo por baixo vai ser pior.

— Pode apertar suas coisitas! — riu Lucia, me deixando tímido.

— Obrigada dona Sandra! — agradeci.

Mãe e filha se retiraram e então voltei a me uniformizar, retornando a seguir com Lucia para o circo.

Ao avistarmos Francisco e Risadinha, Lucia insinuou:

— Já podemos voltar ao ensaio.

— Já guardou seu documento de macho, Regis? — caçoou ainda Risadinha.

— Agora ninguém vê mais nada! — exclamei.

— Então vamos ao ensaio — riu Francisco, animador.

— Falando em ensaiar, ainda preciso ensaiar duas músicas pra hoje à noite — lembrei.

— Se não der tempo você canta as do dia do aniversário. São bonitas! — Comentou Francisco.

— Não! Papai não quer que eu cante aquela música nunca mais.

— Por quê? — Admirou Lucia.

— Se eu cantar ele não deixa mais eu vir ao circo e ainda vende meu violão.

— Por que isso? — perguntou Risadinha.

— Porque ela fala besteira. Disse meu pai!

— Ele quer conservá-lo um menininho puro! — riu o palhaço. — Mas parece que não vai dar mais.

— Por que não?

— Você sabe muito bem por quê!

Um tanto tímido, paramos de conversar e seguimos aos trapézios, aonde voltamos a ensaiar por mais meia hora. A seguir Risadinha se retirou, então descansamos um pouco, trocamos de roupa ali mesmo no picadeiro, apanhei meu violão e ensaiei ali mesmo, observado com muita atenção por Lucia, durante outra meia hora de música.

— Que gostoso! Você cantando só pra mim!

— Canto o dia todo só pra você! — disse-lhe rindo.

Quando parei de ensaiar, passamos a andar juntos dentro do circo, então paramos, ela me olhou atentamente e disse:

— Você é bonito com qualquer roupa.

— Você também é! — retribui sério.

— Você é bonito de qualquer jeito.

— Você também é!

— Você é bonito até sem roupa!

— Você também é! — apesar de cantor, não estava sendo nada poeta. Acho que era o amor.

— Quantos anos você queria ter?

— Dezoito — respondi sem pensar.

— Por quê? — admirou-se ela.

— Casar com você.

Permanecemos calados e sérios por alguns segundos, então lhe perguntei:

— E você, quantos anos queria ter?

— O bastante pra poder estar com você pra sempre!

— Sabe — insinuei meio trêmulo. — Eu te amo!

— Você sabe o que é o amor?

— Claro que sei!

— Então me fale! — exigiu ela, séria.

— O amor é uma dorzinha diferente que a gente sente dentro do peito, principalmente quando você vai embora.

— Que romântico! Você sabe amar?

— Eu não! — neguei nervoso. — Mas mesmo assim amo você!

— Eu amo você também!

— Você sabe o que é o amor?

— O amor é uma dorzinha diferente que a gente sente dentro do peito, principalmente quando você vai embora!

— Isso não vale! — neguei quase gritando. — Isso eu já falei!

— É que pra mim é a mesma coisa do que pra você.

— Você sabe... amar? — perguntei com dificuldade.

— Não! — riu ela. — Sei que te amo!

— Quem te ensinou a beijar... na boca?

— Você! — disse ela séria.

— Eu nunca beijei na boca!

— Eu também não!

— Você... gosta? — Perguntei trêmulo.

— Com você eu gosto! — respondeu-me séria. — E você?

Não respondi, só a envolvi em um beijo de leve nos lábios pequenos, suaves e bonitos. Porém, alguém gritou:

— Pirralhos!

Separamo-nos, nos deparando com o senhor Luís Lauro, gerente do circo, com sorriso irônico diante de nós e ele não era nada de se brincar. Não era assim um Risadinha.

— Que bonito! Não garotos? — protestou ele. — Seus pais gostarão de saber disso!

— Por favor, senhor Luís, não fale nada pra papai! — pediu Lucia, quase chorando.

— Por favor... era só brincadeira da gente! — tentei consertar.

— Pois essa brincadeira vai virar umas belas cintadas nos dois!

— Não conte nada ao pai dela! — pedi. — A culpa foi minha! Eu insisti pra ela me dar um beijo no rosto! Ela não queria!

— Beijo no rosto!? — ironizou ele. — Que rosto pequeno, não?!

— A culpa foi minha! — insisti assustado.

— É isso Lucia? Foi ele?

Ela me olhou; então, praticamente com os olhos, pedi que ela dissesse sim e ela acenou a cabeça afirmativamente.

— Muito bem! Se é assim contarei ao seu pai. — concordou o gerente, sem brincadeira.

— Não é isso não! — negou Lucia. — Fui eu quem insisti. Eu também tive culpa! E foi apenas um beijo de despedida! De amizade!

— Beijo de amizade é no rosto, minha filha! Por isto temos duas bochechas! — disse ele. — Beijo na boca é de sem-vergonhice. Mas não vou falar nada ao senhor Carlos; mas seu pai gostará de saber disso. Não Regis?

— Por favor, senhor Luís! — pedi com lágrimas. — Ele vai me bater!

— Eu sei que vai! E é o que você precisa!

— Me bata o senhor mesmo!

— Gracinha não?! Quem sou eu pra ficar batendo no filho dos outros? Isso cabe a seu pai!

— Se o senhor fizer isso, além dele me bater bastante, venderá meu violão e não me deixará mais cantar aqui no circo.

Ouvindo isso o senhor Luís mudou de fisionomia. Ele não queria perder minha apresentação, que por ser criança cativava e chamava grande número de espectadores. Então disse:

— Nesse caso é mais sério. E então vou deixar quieto. Mas não faça mais isso! Caso contrário conto ao pai dos dois.

— Obrigado! — agradecemos juntos.

No fundo, nós dois sabíamos que ele me perdoou porque não queria me perder; mas não nos importamos com isso.

À tarde teve a matine da criançada, onde não me apresentei, ficando nas cadeiras atrás do picadeiro, assistindo ao espetáculo e a mesma peça de teatro do domingo anterior. À noite, entrei no circo uma hora antes das apresentações e pude perceber com mais detalhes o quanto ele era realmente luxuoso, com as luzes especiais acesas para teste, deu para ver o teto todo em azul e as cadeiras fazendo um belo contraste em vermelho sobre o assoalho de madeira, deixando a cor amarelada.

Porém, as vinte e uma horas o circo estava lotado. O espetáculo começou no horário. Papai mais uma vez estava presente.

Como sempre, os palhaços Marroco, Tristeza e Risadinha, abriam as apresentações.

Quando o grupo de trapezistas formado por Lucia e seus irmãos estavam em cena, eu, por trás das cortinas, ficava imaginando um dia poder fazer o mesmo, inclusive, já sabia fazer bastante coisa; claro que não tão bem quanto aquele ótimo grupo que se apresentava naquele instante, que já praticavam há vários anos e eu era mero iniciante. Ficava imaginando estar ao lado de Lucia e Francisco, me apresentando para aquela plateia, que me aplaudiriam com entusiasmo. Seria um grande sucesso.

Acho que até me esquecia de que sendo um menino cantor, era aclamado do mesmo modo, com muito carinho pelas pessoas, em um mundo onde praticamente não existiam crianças conhecidas na arte de transmitir mensagens de paz e amor, através do milagre da música.

Como sempre, sendo o último dos cantores a se apresentar, resolvi cantar uma música inédita, que aprendi com José Fernandes, amigo de infância de Willian. O título: Iniciação.

O céu molhou a terra

E eu fiz a poesia

Relembrei meus poucos anos

Esqueci da fantasia

Derrubei em sua boca

Uma gotinha de amor

Nunca fiz greve de cama

Para entrar do teu suor

A terra estava inútil

Quando eu fiz meu pecado

Todos eram inocentes

Só eu tinha começado

Em terreno de ateu

Num escuro como breu

O ultimo homem fui eu

Que mordi a sua boca

Em terreno de ateu

(refrão)

Deixa eu cantar pra mostra a poesia que fiz

Deixa eu entrar nas suas coisas

Moça, deixa eu ser feliz no suor

Deixa eu me perder no seu amor

Moça deixa eu ser feliz.....

Terminado a canção fui tão aplaudido quanto o grupo de trapezistas, me fazendo imaginar ter virado duas piruetas no ar, caindo sobre a rede de proteção e depois, abraçado à Lucia, saltado para o solo e recebendo os aplausos em reverência à plateia. E então Carlos Alberto anunciou:

— Mostrando um pouco de reflexão, Regis canta “Mãe do mundo”( Letra e música de Luís Henrique, da cidade de Penápolis, amigo de Willian Gustavo e Celso Innocente).

Em um ramo tão humilde ela brotou,

Em uma linda flor se transformou,

Foi assim que a história aconteceu,

Pela vontade de Deus que elegeu:

Rainha… Rainha…

Exultante de alegria ela aceitou,

A missão que em tua mão Deus colocou,

De seu sim nasceu então a esperança,

Do amor que nasceria numa criança:

Jesus… Jesus…

Com amor cumpri aquilo que assumiu,

Com a força da fé se revestiu,

Com seu gesto ela nos trouxe a salvação,

De seu ventre então nasceu o perdão:

Ao mundo… Ao mundo…

Teus pés santos a serpente esmagou,

Cumprindo a profecia que o céu deixou,

Se tornou a intercessora da humanidade,

Tua vida, por exemplo, de humildade:

Maria… Maria…

Teu povo aqui de joelhos,

Te pede a todo segundo,

Clamando gritam teu nome,

Maria oh mãe do mundo,

Pedimos oh mãe querida,

Ouça o grito que suplica:

Em oração…

Ao final dessa apresentação, principalmente da segunda canção, fui ainda mais aplaudido e percebi que tinha sido a melhor de todas as minhas apresentações até então. Era isso: precisava me dedicar mais às músicas inéditas.

Percebi então, que não precisava ser um grande trapezista ou malabarista para receber os aplausos do público; que um menininho cantor tinha tanta simpatia quanto eles e mais uma vez, aquele desejo em me tornar famoso tomava conta de meu ser, de meu ego; apesar de nem saber o que viria a ser isso. O público gostou muito e pediam que eu cantasse outras, mas o tempo do espetáculo era calculado pelos dirigentes do circo.

Quando me retirei e encontrei papai do lado de fora do circo, percebi que algo não estava bem. De longe vi sua fisionomia de reprovação.

Uma sombra de tristeza passou por meu ser e a felicidade se transformou em medo, principalmente quando ele gritou bravo:

— Eu não lhe disse que não era pra cantar estas músicas?

— Eu não cantei aquela de outro dia!

— Claro que não! Cantou outra pior!

— Papai, não vi nada de errado na música…

— Saiba que foi a última vez que você veio aqui. Vá tirar essa fantasia besta!

Saí chorando, entrei no reboque e fui me despindo devagar. Estava sozinho e tentava entender o que havia de errado em uma daquelas duas músicas. Sabia que papai não poderia ter me dito à verdade, principalmente sobre meu uniforme. Não era uma fantasia besta. Além do mais, quando ele me viu vestido assim na primeira vez, o achou muito bonito.

Estava chorando e não conseguia parar. Não conseguia entender nada. O público adorou minha apresentação. O que poderia haver de anormal nela? Mesmo chorando, cantava em pensamento “Iniciação”, tentando descobrir qual era o mal daquela música; mas a inocência de meus oito anos, não me mostrava nenhuma maldade na letra do amigo de Willian e então chorando continuava sem entender nada. A música “Mãe do Mundo” não podia ter nada errado, pois só falava de Nossa Senhora Aparecida e papai era Católico.

Ao final do espetáculo, levados por Marcelo, retornamos à nossa, sem que ninguém mencionasse sequer uma palavra.

Após descermos do carro em frente ao portão de nossa casa, Marcelo se despediu e praticamente não obteve resposta. Pelo menos de mim.

— Onde você aprendeu estas músicas? — perguntou-me papai enquanto entrávamos no portão.

— Com um amigo de Willian.

— Tinha que ser! É melhor você se afastar desse seu amigo!


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