O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 5
O primeiro uniforme de um pequeno astro.


Notas iniciais do capítulo

Como esta estória é longa vou postar capítulos a cada dois ou três dias.



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Exatamente ao meio dia seguinte, estava novamente no circo, de onde segui acompanhado por Lucia para minha escola. Era sábado, mas teríamos aulas normalmente.

Na escola andávamos sempre juntos, aonde alguns alunos vinham nos parabenizar por nossas apresentações na noite anterior. Outros, com ciúmes bobos, ou por não terem ido ao espetáculo, nem falavam conosco.

Na saída para o intervalo do recreio, dona Maria do Carmo, nos chamou, impedindo nossa saída, para falar a sós com ela, dizendo:

— Eu estive no circo ontem à noite.

— Eu vi a senhora! — disse-lhe entusiasmado. — A senhora não me viu?

— Imagine só! — ironizou ela. — Eu estava no meio da plateia e você me viu! Imagine você cantando em cima do palco! Como poderia não vê-lo?

— A senhora gostou do espetáculo de nosso circo? — Perguntou-lhe Lucia.

— E como gostei! Principalmente do espetáculo de vocês dois. Vocês estão realmente de parabéns! Continuem sempre assim.

— Eu vou me apresentar todas as noites! — afirmei.

— Ótimo! — alegrou-se ela. — Vá em frente. Você tem voz de passarinho.

— Eu hem! — Acho que não entendi.

— Voz de passarinho, quer dizer que você canta bem! — explicou à mestra. — Você já viu algum passarinho cantar desafinado?

— Não!

— Pois então! Você é como um canarinho. Só que da cidade.

— Eu vou ter um uniforme igual ao da Lucia.

— Igual? — brincou a mestra. — Biquíni e sutiã?

— Não senhora! — neguei tímido. — É diferente! Mas é do mesmo tecido.

— Muito bom! Achei que fosse virar mulher.

— Nunca!

— Por que nunca? Ser mulher é tão bom! Não é Lucia?

— Eu prefiro! — riu a menina.

— Pois eu prefiro ser homem!

— E como vai ser seu uniforme? Calça comprida?

— Não sei! A mãe da Lucia ainda vai fazer.

À tarde, assim que findou as aulas, retornamos rapidamente ao circo, onde, ansioso, fomos imediatamente ao encontro de dona Sandra, que me disse:

— Regis, infelizmente não deu tempo de terminar seu uniforme.

Mesmo sem dizer nada, deu para perceber meu desapontamento, ao que ela completou:

— Mas pode vir à noite sossegado, que prometo que estará pronto.

— E se não estiver? — perguntei desanimado.

— Estará! Eu estou prometendo.

— A senhora prometeu que estaria pronto agora e não está.

— É que precisei ajudar o Carlos a montar o resto do palco. É pra melhorar pra vocês mesmo! Por isso não deu tempo. Mas a noite estará! Falta só um pouquinho.

— Posso ver?

— Nada disso! É surpresa.

Então, de certa forma desapontado, disse tchau à Lucia e retornei à minha casa, onde, mesmo antes do banho, ou trocar de roupas, apanhei meu violão e por mais de meia hora ensaiei duas músicas.

Às seis horas, tomei banho, vesti short e camiseta, fiz minha tarefa escolar apressadamente e jantei rapidamente na sala, ao lado de Tony; escovei os dentes e penteei os cabelos, não por ser o menino mais asseado do mundo, mas para ficar bonito para minha apresentação, e fiquei na sala, aguardando o senhor Carlos vir me buscar.

Às oito horas, buzinou em frente de casa e em um segundo eu já estava lá. Era o gerente Luís Lauro e o ajudante de picadeiro Marcelo. Corri chamar mamãe e Tony, que iriam comigo e seguimos até o circo.

Ao chegarmos, suas dependências já estavam lotadas. Mamãe, após cumprimentar a maioria dos artistas, foi se acomodar com Tony, praticamente nas mesmas cadeiras do dia anterior, no picadeiro; então, com Lucia, corri ao reboque de dona Sandra, que sem muita cerimônia, me apresentou meu novo e primeiro uniforme de artista de minha vida.

— Aqui está, Regis; prontinho, prontinho. Se gostar será todo seu.

Peguei, olhei-o demoradamente e gostei muito: era uma calça comprida preta e uma camisa branca de mangas compridas, além de um colete também preto, uma gravata borboleta preta, acompanhados por um par de meias brancas e um lindo par de sapatos pretos; tudo em estilo social.

Embora estivesse ansioso para experimentá-lo, me contentei em esperar à hora certa. Então o deixei ao lado do uniforme de Lucia.

Assim que o espetáculo se iniciou ela me chamou:

— Vamos trocar!

Como a ansiedade era grande acompanhei-a, para nos vestirmos, para nossas apresentações. Ao chegarmos ao reboque dona Sandra me entregou um belo shortinho esverdeado, da cor do uniforme de Lucia, dizendo:

— Regis, eu fiz pra você. É do tecido que sobrou de Lucia. Deve servir pra alguma coisa.

— Puxa, é maravilhoso! Obrigado!

— Agora a Lucia tem que se vestir pois já está na hora.

Fomos nos trocar ali mesmo no reboque. Minha participação ainda iria demorar e eu não precisaria me trocar ainda, poderia deixar para trocar depois, quando Lucia fosse se despir de seu uniforme e vestir outra roupa, para se apresentar comigo em participação especial, mas como a ansiedade era muita não dava para esperar. Tiramos aquelas roupas de passeio para vestirmos nosso uniforme. Despi-me ficando apenas de cueca, ela, porém, precisou se despir por completo, por exigência de seu uniforme. Ela já estava habituada a aquele uniforme justo. Para mim era novidade... Era fantástico. Considerei-me o menino mais lindo deste mundo. Estava realmente muito feliz.

Ao aparecermos no circo, eu me sentia muito orgulhoso e como na noite anterior, ainda mais exibido, fazendo questão de que todos me vissem tão elegante.

Ao sentar-me um pouco ao lado de mamãe e Tony, só para que me vissem em traje de gala, ela admirada me deu um beijo no rosto, dizendo:

— Meu homenzinho, tá parecendo um príncipe!

— Você tá bonito, Regis! — elogiou-me Tony, levantando-se.

— Foi a mãe de Lucia quem fez!

— Merecia uma foto de artista! — alegou mamãe.

— Eu vou lá, mamãe — levantei-me. — Depois da apresentação de Lucia eu volto.

Já estava quase na hora do número dos trapezistas.

Eles fizeram o mesmo número e consequentemente o mesmo sucesso da noite anterior e eu, novamente com o coraçãozinho batendo muito feliz, ficara encantado com a magnífica apresentação do grupo, sabendo que Lucia era realmente a mais jovem trapezista do mundo e se apresentava tão bem como se fosse a melhor.

Sandra, vestida como uma princesa egípcia aguardava a meu lado o início de sua apresentação com o filho José Carlos, em seu número com facas afiadas, que seria ao final dos trapezistas.

— Quer ir no lugar de Zé Carlos comigo, Regis? — Perguntou-me ela, rindo.

— Eu, atirar facas? — perguntei surpreso.

— Não! — negou ela. — Você me acertaria na primeira! Você será meu alvo, no lugar de Zé Carlos!

— Nunca! Eu me amo!

Os trapezistas deixaram o picadeiro e o anfitrião já anunciava:

— Lady Sandra e seu partner, José Carlos, em seu perigoso número de faquir.

José Carlos, atrás das cortinas, em menos de um segundo tirou seu traje em lycra de trapezista, vestindo apenas um colete preto, aberto e calça de moletom, voltando ao picadeiro com a mãe, que o amarrou em uma enorme roda de madeira e, fazendo-a girar em razoável velocidade no sentido horário, atirava facas sobre ela com muita precisão, acertando todas bem próximas ao corpo do rapaz: acima da cabeça, dos dois lados do tórax, no meio das pernas... Depois, para complicar ainda mais, vendou os olhos, Marcelo, que era ajudante de picadeiro, colocou fogo no cabo das facas pontiagudas e ela tornou a atirá-las com muita precisão.

Ao final de sua apresentação, Carlos Alberto anunciou:

— Francisco Nijinsky, treze anos de idade, auxiliado pelo palhaço Marroco e seu número de equilíbrio sobre cilíndricos.

O menino, apenas de short, subiu em uma mesa, colocou uma pequena tábua sobre uma peça de metal cilíndrica e equilibrando-se sobre eles despiu-se do short; mas para surpresa de todos usava outro por baixo; com isto, recebeu das mãos do palhaço outro cilindro e outro pedaço de tábua, onde, com muita destreza adicionou-os sobre o primeiro abaixo de seus pés e continuou se equilibrando sobre os dois, tornando a despir-se de seu segundo short; porém, com outro por baixo; então, mais um cilindro, mais uma tábua, mais um equilíbrio sobre os três e menos um short em seu corpo e assim sucessivamente até adicionar sete cilindros e despir-se de sete shorts, permanecendo então, apenas de cueca bem pequena e apertada (acho que não servia em pra mim com meus oito anos de idade). Percebendo-se seminu, saltou das peças cilíndricas e correu para trás das cortinas, passando como um raio por mim e Lucia.

— Por que ele usa cueca tão apertada? — questionei Lucia, sem entender o intuito.

— Antes ele ficava pelado — Riu ela. — Agora que ele cresceu um pouco, tem vergonha, então concordou em ficar de cueca pequena.

— Se fosse eu não topava! — neguei com certeza.

— Por quê?

— Eu hem! Tenho vergonha!

Na segunda parte do espetáculo, após quase não me conter de tanta ansiedade, como na noite anterior, fui o último dos cantores a se apresentar.

O anfitrião Carlos Alberto, que nem sei se também era Nijinsky, anunciou:

— Respeitável público (todos os anfitriões de circo anunciam seus espetáculos assim), já fazendo parte de nosso grupo de artistas, o garoto aqui de São João da Boa Vista, sendo o mais jovem cantor do mundo, Regis de Assis Moura. Ele vai cantar, de Barros de Alencar “A menina que cresceu” e vai ser acompanhado por little Lúcia.

Todo exibido e nem um pouco nervoso, como se estivesse na sala de minha casa, acompanhado pela linda Lucia muito bem vestida, entrei cantando acompanhado pelos músicos do circo:

Linda menina que cresceu, se fez mulher me esqueceu,

Já nem se lembra mais.

Nossa casinha de brinquedo, nossas coisas em segredo,

Da nossa infância que ficou pra trás.

Suas bonecas eu consertava é eu quem fazia suas tranças,

Com você eu era tão feliz.

Meu Deus por que fomos crescer, pra viver sempre e lhe perder,

Você foi tudo o que eu sempre quis.

Aos domingos te levava ao parquinho,

O seu sorriso era tudo para mim.

Recordo ainda as palavras de carinho,

E com ternura você me dizia assim:

(Lucia)– Quando eu crescer meu bem hei de ser sua e você só meu.

(Regis)– Nós dois crescemos, porém você me esqueceu.

Nossa casinha de brinquedo…

Fomos muito bem aplaudidos e o público pediu que cantasse mais, então, Carlos Alberto me pediu para cantar mais uma. Quase ajoelhando em reverência, beijei a mão direita de Lucia, que se retirou do palco e então cantei (Cheiro de Relva, composição de Dino Franco e José Fortuna):

Como é bonito estender-se no verão,

As cortinas do sertão na varanda da manhã

Deixar entrar pedaços de madrugadas

E sobre a colcha azulada dorme calma a lua irmã.

Cheiro de relva, lá nos campos a brisa mansa.

Que nos faz sentir crianças, embalar milhões de ninhos.

A relva esconde as florzinhas orvalhadas

Quase sempre abandonadas nas encostas dos caminhos.

A juriti madrugadeira da floresta,

Com seu canto abre a festa, revoando toda selva.

O rio manso cauteloso se agita,

Parecendo achar bonita, a Terra cheia de relva.

O Sol vermelho se esquenta e aparece

O vergel todo agradece, pelos ninhos que abrigou,

Botões de ouro se desprendem de seus galhos,

São as gotas de orvalhos, de uma noite que passou.

Cheiro de relva…

Muito aplaudido... Orgulhoso e exibido, depois de nova reverência, deixei o palco, encontrando Lucia que me elogiou:

— Hoje você esteve ainda melhor do que ontem!

— Obrigado! Você cantou muito bonito! — Elogiei-a.

— Duas frases?! — Exclamou ela com lindo sorriso.

— Mas foi lindo! Sua voz é linda!

— E você ficou muito bonito com esse uniforme.

— Você acha? — exibi-me ao máximo.

— Acho sim! E fica muito bonito sem ele também!

Notei que ela retribuía ao elogio que lhe atribuí na noite anterior. Pena que Risadinha não estivesse por perto para sua gracinha a meu favor.

Apesar de estar exibido com aquele uniforme, após a apresentação, convidado por Lucia, segui para o reboque de sua mãe e novamente juntos nos despimos, vestindo nossa roupa tradicional, depois seguimos juntos ao encontro de mamãe, nas cadeiras, ao fundo do picadeiro e neste dia, sem saber, aprendi algo que me seria muito favorável no futuro: estando com roupa normal, neste caso short e camiseta, quase não era reconhecido pelas pessoas. Ali, como artista iniciante, queria ser reconhecido e mimado pelo público, mas no futuro, talvez preferisse ficar mais no anonimato.

Mamãe elogiou muito, tanto minha apresentação como a de Lucia e seus irmãos e disse que estava convicta, de que todos nós seríamos grandes artistas.

— Pena que Willian não esteja participando desta estreia — disse a ela.

— Mas quando você contar a ele tenho certeza que ele ficará muito orgulhoso.

— E com ciúmes! — Disse rindo para mamãe.

— Isso é verdade! Ele sempre quis ser o primeiro a participar de sua estreia.


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