O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 35
Quem é o culpado?




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Na saída do hospital, os jornalistas, que sempre e respeitosamente estiveram atentos, queriam uma entrevista, a qual neguei, por não me sentir preparado, mas lhes disse:

— Regis saiu do coma; saiu também da CTI e está em um apartamento, acordado. A melhor notícia, é que ele, segundo os próprios médicos, não corre mais risco de morte. Não haverá mais necessidade de transplante do coração. Podem pedir aos amigos telespectadores, para junto conosco agradecerem ao Grande Deus.

Deitei-me novamente, na mesma poltrona em que costumava viajar acompanhado por Regis e fiquei meditando sozinho.

Em poucos segundos a porta que eu deixara encostada se abriu e era o senhor Pedro. Ele entrou, se aproximou e sentou-se na poltrona do outro lado do corredor, dizendo:

— Willian, o médico disse que Regis não pode sofrer emoções.

— Sei disso! — concordei.

— Você deveria deixar de falar certos assuntos com ele.

— O que o senhor quer insinuar?

— Não precisa comentar com ele o que tem acontecido entre a gente!

— Já vi que o senhor não conhece seu filho mesmo, senhor Pedro! É claro que eu não falo sobre estas baboseiras com ele! Não sou tão infantil quanto pareço! Acontece que seu filho é um menino muito especial e embora frágil em leito de hospital, percebe o que está acontecendo entre a gente.

— Embora eu ainda julgue que você seja culpado pelo que aconteceu, não tenho tocado neste assunto perto dele!

— Ele não é bobo e apesar de ter acordado a pouco, já percebeu que a gente nem sequer nos olhamos!

— O importante é que ele vai se recuperar — disse o senhor Pedro. — Nem sei o que faremos daqui pra frente! Não sei se ele continua a ser artista, ou se para de uma vez por todas!

— Se eu fosse o senhor deixaria que ele decidisse o que fazer.

— Se eu o deixar decidir, ele vai querer continuar! É o que você prefere. Não é mesmo? Ganha dinheiro na moleza!

— Só ganho o dinheiro pelo qual eu tenho direito! — insinuei magoado. — E não é nenhuma moleza! Se Regis quiser continuar sendo artista e o senhor preferir arranjar outro empresário pra ele; ficarei realmente muito magoado, mas aceitarei numa boa.

— Você fala assim, pois sabe que ele não concordaria.

— O senhor não acha que ele deva ter algum motivo pra pensar assim?

— Você é obcecado pelo menino!

— Eu faço por ele aquilo que o senhor deveria fazer!

— Por que você vive querendo me dar lição de moral?

— Por que o senhor vive insinuando que Regis está no hospital por minha culpa?

— Porque é!

— Se a culpa é minha ou não, eu não sei! Me sinto culpado! Deixe que eu me puna sozinho, senhor Pedro! Não preciso de sua ajuda! E será que o senhor não se sente nenhum pouco culpado?

— Não estava com ele! Você estava!

— O senhor não se sente nenhum pouquinho culpado? Se o senhor não se sentir, desculpe-me a ousadia, mas o senhor não ama este menino!

— Cale a boca, idiota!

— Em casos como este, é comum as pessoas se sentirem culpadas, senhor Pedro. Mesmo quem não seja! Até o pequenino Tony se sente culpado.

Ele se levantou nervoso.

— O senhor sabia que os bandidos estavam perseguindo a gente, antes mesmo de sairmos de São Paulo? — continuei. — Sabia que já fazia uma semana que eles estavam tentando capturar Regis?

— Isso não muda sua irresponsabilidade!

— E a do senhor? Muda sua irresponsabilidade de pai? Se eu sou responsável por ele, é porque o senhor me autorizou perante a justiça! Acho melhor a gente parar com esse assunto, pois já estou muito arrasado com o que aconteceu e essa culpa que o senhor joga em mim, me deixa mais arrasado ainda.

— Você não se sente culpado? Nenhum pouco?

— E o senhor? Jura que não se sente culpado?

O senhor Pedro se levantou e ia se retirando, quando ainda resolvi desabafar:

— Se eu não tivesse um Deus Grande a quem me apegar e se não tivesse convicção plena de que o próprio Regis já me perdoou, eu teria morrido antes dele. Por várias noites, desde que ele entrou nesse hospital, fui deitar pensando em suicídio.

Sem nada mencionar, tal homem se retirou.

Pensando novamente no ocorrido com nosso pequeno artista e no que poderia ter feito para evitar o sequestro, comecei a chorar. Só que julgava muita ingratidão de seu pai, pois em seis anos juntos, nunca deixei acontecer nada com o menino. Agora, para ele, até parecia que eu estava de acordo com os bandidos, que o pegaram e por fim, o esfaquearam. Até parecia que eu também não estava sofrendo com tudo aquilo. Para falar a verdade, acho que estava sofrendo mais do que ele. Sofria pelo sofrimento de Regis, sofria pelo sentimento de culpa e sofria pela acusação injusta, ou que seja “justa”, de seu pai para comigo.

©©©

Magoado com o acontecido, acabei adormecendo e só acordei as vinte e uma horas, quando Juliano, o motorista do ônibus me chamou:

— Você vai dormir no ônibus mesmo? — perguntou-me ele.

— Quem está com Regis?

— Daniel e Pinduca.

— E os pais dele? —levantei-me.

— Foram embora! Mas o senhor Pedro retornará às dez horas pra dormir com ele.

— Vou dar uma olhadinha nele e vou pra casa.

Segui para o hospital. Regis estava dormindo, então fiquei apenas uns cinco minutos, depois, como Pinduca se prontificara a esperar o senhor Pedro, resolvi ir para casa, que era um pouco distante.

©©©

Com a ótima notícia sobre a recuperação de Regis, me sentindo muito bem, estando muito feliz e devido o cansaço dos últimos dias, sem conseguir dormir direito, acabei dormindo muito e só acordei pouco antes das dez horas da manhã de sábado. Com isto, só cheguei ao hospital às doze horas. Quando entrei em seu apartamento, ele estava dormindo e o senhor Pedro uma pilha de raiva.

— Finalmente apareceu alguém pra que eu possa ir pra casa descansar! — disse-me ele, nervoso.

— Bom dia senhor Pedro! — cumprimentei-o com ironia.

É lógico que ele não respondeu.

— Sabe o que significa isso? — fui incisivo. — Falta de comunicação! Se eu soubesse que ninguém estaria aqui de manhã, para que o senhor fosse pra casa, eu estaria aqui, antes das sete horas.

— É o que diz gostar de Regis — riu ele, também com ironia.

Sem mais nada dizer, nem se despedir, se retirou. Aproximei-me da cama do menino, que continuava dormindo, levantei o lençol de seu corpo e percebi que agora ele estava usando um short. Pelo menos não estava mais nu, o que ele detestava. Observei as faixas sobre seu tórax, passando a mão de leve sobre elas. Passei a mão direita em seu rosto pálido e ele abriu os olhos.

— Oi! — cumprimentei-o.

— Oi! — sussurrou ele.

— Como você está hoje?

— Muito cansado! Acho que gostaria de me levantar!

Por coincidência, o doutor Hernandes entrou naquele momento no quarto.

— Como está o paciente mais famoso do hospital? — perguntou ele em tom de brincadeira.

— Bom dia doutor! — cumprimentei-o. — Regis gostaria de se levantar um pouco. É possível?

— Nada feito! — negou o médico se aproximando do garoto. — Se este coraçãozinho aqui dentro acelerar, pode ser grave!

— Estou exausto dessa cama! — disse ele, lentamente.

— Você não sente dores? — perguntou-lhe o médico.

— Muita…

— Então! Isso significa que você não está bem! Vou dar-lhe uma injeção pra tirar suas dores e fazer você dormir mais.

— Não quero dormir! — negou o pequeno.

— Quanto mais você dorme, mais rápido sua recuperação!

— Sairei do hospital em quatro dias! — disse Regis, lentamente.

— Quatro?! — riu o médico. — Acho que vão uns quinze!

— Quatro dias, doutor!

— Quem lhe disse isso?

— Deus…

— Acredito em seu Deus, filho! — disse o médico. — Mas os dias dEle podem ser diferente dos nossos! Mas fique quietinho, que com ajuda de seu Deus tudo vai se resolver.

Abriu a porta para se retirar. Antes, porém, me disse:

— O menino está bem, o estado dele é ótimo, mas continue seguindo as instruções. Nada de emoções, nada de tumultos, nada de se levantar; nada de barulhos…

Já no corredor, continuou:

— O enfermeiro virá aplicar uma injeção pra tirar as dores e o fazer dormir. Depois virei tirar as faixas do peito dele e verificar a cirurgia…

Já ia caminhando, mas ainda disse:

— Continue agradecendo ao Deus de Regis!

— O Deus de Regis, é o mesmo Deus nosso, doutor! — aleguei.

— Sei disso!

E se retirou.

Fechei a porta do quarto e voltei até próximo do pequeno. Como permaneci em silêncio, ele me disse:

— Parece que todos têm medo de falar comigo!

— Por quê?

— Todos permanecem calados! Até parece que vou morrer!

— Não é isso, menino! — neguei. — É que você não deve falar muito. Assim você se recupera mais rápido!

Poucos minutos depois, entrou um enfermeiro com uma espécie de bacia de aço inoxidável e uma bandeja com injeção.

— Vou dar banho no menino! Se você quiser se retirar! Bastam cinco minutos!

— Tudo bem!

Abri a porta e segui para a sala de espera, aonde encontrei alguns repórteres.

— Podemos fazer algumas perguntas? — perguntou-me um deles.

— Regis está bem! — respondi.

— Gostaríamos de transmitir pro jornal!

— Vamos lá!

Ligaram a câmera e me perguntou:

— Como está Regis, hoje?

— Nesse momento ele está tomando banho.

— Seu estado de saúde é melhor?

— O doutor Hernandes esteve agora no apartamento dele, vai lhe aplicar um sonífero pra que volte a dormir, então examinará com cuidado sua cirurgia.

— Mas em aspecto geral como ele está?

— Sabemos que ele está fora de risco e se recupera muito bem! O doutor Hernandes disse que sairá do hospital em quinze dias.

— Quinze?! Não é muito?

— Regis diz que sairá em quatro!

— Como Regis sabe?

— Já é sabido, que a cura dele está acima das possibilidades da medicina. Sabemos que seu coração foi atingido pela lâmina daquela arma e que só um milagre traria a vida dele de volta. Pois bem, ele está se recuperando muito depressa e eu quero aproveitar este momento, para agradecer a todos que pediram pela sua saúde e que, a quem pediu, saiba que foi atendido, então já chegou à hora de agradecer também!

— Você acredita que seja milagre?

— Você acha que uma pessoa, com o coração cortado ao meio, tem chance de sobreviver? Na quinta-feira à tarde, ele me disse que estivera do outro lado e que um anjo o mandou voltar, pois ainda tinha muito o que fazer aqui.

— Ele teria morrido e voltou?

— É o que ele mesmo disse! Gostaria de agradecer a todos, que têm sofrido com a gente e pedir que agradeçam a Deus, pois ele deverá sair do hospital em poucos dias.

©©©

Retornei ao quarto, onde o enfermeiro havia acabado de dar-lhe banho e já estava com uma injeção preparada, virou o menino um pouco de lado e aplicou a injeção em suas nádegas. Quando terminou, caçoei:

— Mas tinha que ser na bunda?

— É que o braço já está cheio de picadas! — disse o enfermeiro. — Doeu?

— A dor que sinto no peito, não me deixa sentir qualquer outra dor — disse o pequeno.

— Essa injeção vai tirar suas dores.

O enfermeiro se retirou e eu, para deixar Regis dormir, sentei-me na poltrona e procurei ficar em silêncio.

Aproximadamente cinco minutos depois, a porta se abriu e entrou o professor João Alberto, que nos acompanhava em nossas viagens e ensinava Regis, o que ele deveria aprender em escolas.

— Como ele está? — perguntou-me o professor.

— Quase dormindo! — respondi, me levantando. — Ele estava com dores e o médico mandou lhe aplicar um sedativo.

— E a saúde dele?

— Está bem melhor do que estava na quinta feira.

— Se você precisar sair eu ficarei com ele.

— Preciso voltar pra casa, pois virei dormir aqui hoje à noite.

— Então pode ir que eu fico com ele, até que chegue alguém mais tarde.

Seguindo a sugestão do professor e aproveitando que Regis já estava praticamente dormindo, embora fosse cedo ainda, resolvi voltar para casa e só retornar ao hospital na hora de dormir.


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