O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 31
O resgate.




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Dia vinte e um de março, à noite, após nove dias de seu desaparecimento, sem que houvesse qualquer notícia. Eu estava em sua casa, quando o telefone tocou e Tony atendeu.

— Alô! — disse ele.

O senhor Pedro imediatamente acionou o viva voz e o gravador da secretária eletrônica:

— É Tony quem está falando? — perguntou do outro lado.

Era Regis.

Apesar de tudo, todos nós sentimos certo alívio ao ouvir a voz dele.

— É sim! É você quem está falando, Regis?

— Sou! Tony... estou com muita saudade de você. Mas preciso falar com papai.

— Espere um pouco — pediu o irmãozinho, com o telefone praticamente sendo tomado pelo senhor Pedro.

— É você Regis? — perguntou-lhe, com voz de certo alívio.

— Sou eu papai! Por favor, estou com muita saudade!

— Calma filho! Você vai sair daí! Quem está com você?

— São quatro pessoas, papai. Eles querem dinheiro pra me deixar ir embora.

— Quanto dinheiro eles querem, filho? A gente paga!

— Ainda não sei! Eles vão telefonar novamente.

— Por que demoraram tanto pra ligar?

— Eles falaram que não têm pressa. Estão esperando os jornais e a televisão pararem de falar tanto! Mas estou com muito medo!

— Onde você está meu filho?

— Ainda estou em São Gonçalo…

O telefone foi bruscamente desligado.

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Apesar de nossa angústia, pelo menos agora a gente tinha alguma notícia. O que eu temia realmente tinha acontecido: Ele realmente estava sequestrado. Não sabíamos por quem, nem se maltratavam o menino. Pelo menos, a hipótese de afogamento na praia, acabava de vez em ser descartada e também, passávamos a saber onde ele se encontrava.

Também, em conversa nervosa com o senhor Pedro, decidimos entregar a fita com a gravação para a polícia, mas evitar contar muita coisa para a imprensa, pois como percebemos no telefonema, quanto menos eles comentarem melhor para as negociações.

©©©

Só às dez horas da manhã do dia vinte e três, é que Regis voltou a ligar. Desta feita, como eu passei a ficar todo o tempo por ali aguardando contato, atendi a ligação. Mas ele parecia ter pressa, dizendo:

— Willian, meu pai está aí?

— Está sim, Regis! Você está bem?

— Estou com saudade e com muito medo também!

— Não se preocupe. Nós iremos encontrar você!

— Os homens querem vinte milhões. É muito dinheiro e sei que papai não tem.

— Não se preocupe. A gente vai arranjar!

— Arranje, por favor! Vou telefonar depois.

— Onde você está?

— Não posso falar! Eles me batem! Outro dia me deixaram amarr…

Novamente o telefone foi desligado.

Realmente os sequestradores eram perigosos. Pelo jeito da conversa com Regis, deu pra perceber que ele era castigado. A partir de então, precisávamos ter cuidado com a conversa.

Imediatamente seguimos até a delegacia, onde entreguei a fita gravada ao doutor João, delegado que então passara a cuidar do caso, em São Paulo.

Como o telefone do senhor Pedro estava interceptado, cinco minutos depois, o delegado, acompanhado por dois policiais e outras duas viaturas, sendo acionadas imediatamente, já seguiam para um endereço fornecido pela própria Telesp, no Largo do Arouche, centro da capital paulista.

Sabendo que eles teriam descoberto o endereço do cativeiro, eu e o senhor Pedro acompanhamos a viatura do delegado, que não andou mais do que quinhentos metros, parando diante de um prédio de apartamentos.

Acompanhamos todos os dez policiais, que subiram até o décimo quinto andar e tocaram a campainha de um dos apartamentos, aguardando alguns segundos, depois o delegado bateu forte na porta gritando:

— Abra a porta! É a polícia!

A porta se abriu devagar e a polícia fortemente armada invadiu o apartamento, com o delegado gritando:

— Cadê o menino?

Apenas um casal de idosos, com mais de setenta anos de idade foram encontrados e se apavoraram com tal invasão surpresa. Enquanto os policiais vasculhavam todo o apartamento, o homem idoso, ainda apavorado insinuou:

— Que menino!? Aqui não mora nenhum menino!

Mesmo percebendo que havia alguma coisa de estranho, o delegado ainda tentou investigar o casal:

— Uma criança está sequestrada! Esta mesma criança fez uma ligação pros pais, daqui deste apartamento, às dez horas da manhã de hoje! O que o senhor me diz?

— Meu senhor, neste apartamento só moramos nós dois! Faz uma semana que não recebemos nenhuma visita!

— Este telefone tem extensão em alguma outra residência? — insistiu o delegado, desanimado.

— Não senhor. Este telefone é só meu!

Havia realmente alguma coisa estranha. Enfim, a polícia não pode fazer mais nada, a não ser pedir desculpas e se retirar do local.

©©©

Naquela mesma noite o telefone tocou; no segundo toque o senhor Pedro atendeu e ouviu o menino implorando quase chorando:

— Papai, não me faça sofrer mais!

— O que houve Regis?

O telefone foi bruscamente tomado do menino:

— Ouça aqui seu cretino — gritou nervoso o outro lado da linha. — Você vai entregar esta gravação também pra fazer média com a imprensa? Seu filho não está precisando disso não! Ele está querendo viver e você está assinando sua sentença de morte!

— Calma senhor! — pediu o senhor Pedro, assustado. — Vamos conversar direito…

— Cale a boca e me escute! Vou assistir vinte e quatro horas de televisão por dia! Se ela anunciar qualquer coisinha a respeito dessa negociação, vou te mandar seu filho picadinho, dentro de um lindo caixão branco!

— Me escute — insistiu o senhor Pedro. — Já temos o dinh...

O telefone foi desligado.

— Malditos! — gritou o senhor Pedro. — Por que essa demora?

— Não podemos deixar a imprensa falar no caso — pedi.

— Você, cale a boca! — gritou ele. — Por sua causa eles estão maltratando meu filho!

As ofensas do senhor Pedro, já quase não me prejudicavam mais. A dor de saber sobre o sofrimento de Regis superava isso tudo.

Nove horas da manhã seguinte, o telefone tocou novamente e o senhor Pedro o atendeu. Era Regis, que lhe perguntou:

— Papai, o senhor já arranjou o dinheiro?

— Arranjamos sim, filho! Como faço pra entregar o dinheiro a eles?

— Eles querem que o senhor coloque o dinheiro em uma caixa de papelão velha e às sete horas da noite de hoje, deixe a caixa no quilômetro vinte e cinco da rodovia dos Imigrantes, sentido praia, próximo ao telefone de emergência. Vai ter uma caixa de papelão grande e velha jogada. Coloque o dinheiro dentro dela e se afaste. Assim que eles apanharem o dinheiro me deixarão perto de casa. Mas por favor, papai, não tente nada diferente, porque eles disseram que não vão insistir por mais de uma vez.

— Está bem, filho! Vou fazer direitinho.

— Não deixe a imprensa ou a polícia interferir. Eles não vão se arriscar.

— Você vai voltar pra casa! Você está bem?

— Papai, não me faça falar algo que não devo! Eles estão com uma faca no meu pescoço!

— Muito bem, filho! — apavorou-se ainda mais o senhor Pedro. — Nós pagaremos o resgate e você sairá daí ainda hoje!

O telefone foi novamente desligado.

Eu e o senhor Pedro corremos até a delegacia, onde encontramos o delegado com uma equipe saindo para nova busca, de posse de um novo endereço do possível cativeiro.

Chegando a outro prédio no bairro Santa Cecília, também no centro da capital, o delegado, os policiais e nós, subimos até o vigésimo primeiro andar, onde acionaram a campainha e aguardaram serem atendidos.

Uma mulher loira, de não mais que vinte e cinco anos de idade, abriu calmamente a porta e o delegado educadamente lhe perguntou:

— Quem mais está neste apartamento?

— Meus dois filhos! — alegou a mulher assustada. — O que está havendo?

— Minha senhora — insinuou desanimado o delegado. — Estamos investigando um sequestro e a ligação telefônica partiu aqui de seu apartamento. O que a senhora sabe sobre isso?

— Meus filhos são pequenos e não sabem passar trotes! — negou a mulher.

— Não foi trote! Foi a própria vítima quem ligou!

— Daqui é impossível, senhor! — negou convicta à mulher. — Ninguém esteve em meu apartamento.

Enquanto descíamos para a saída do prédio pelo elevador, questionei o delegado:

— O senhor acreditou na mulher?! Nem entrou para fazer uma revista!? É claro que se ela for a sequestradora iria negar e inventar baboseiras!

E ele nos informou:

— Ontem à noite, quando vocês receberam outra ligação, também saímos pra investigar. A ligação partiu de outro endereço, que também não tinha nada a ver com tal sequestro. Não posso ficar invadindo casas de inocentes com brutalidade.

— Acho que sei o que está acontecendo — compreendi. — Já trabalhei na Telesp e sei como funciona o sistema telefônico nos edifícios.

— Como funciona? — especulou-me o delegado.

— Existem caixas de distribuição, de talvez até duzentas linhas em cada prédio. Acontece que esta mesma distribuição pode estar ligada em paralelo em diversos prédios. Os sequestradores e Regis estão em um desses prédios. O cara sabe disso e pra cada vez que liga pra nós, ele vai até esta caixa e muda de linha, usando uma qualquer, de preferência que não esteja instalada no seu prédio. Ele faz isto pra despistar a polícia. Não seria tão leigo ao ponto de fazer a ligação de seu próprio telefone.

— O que teríamos que fazer?

— Pedir pra Telesp o endereço de todos os edifícios que contém esta mesma distribuição telefônica em paralelo.

Paramos na recepção do edifício, abrimos a caixa de distribuição, anotei a distribuição interna do tal edifício e entreguei ao delegado, que insinuou:

— Farei isso imediatamente!

— Não sei se vai resolver muito, pois eles não deverão ligar mais!

— Vou investigar cada edifício que a Telesp me fornecer endereço. Não devem ser muitos!

— Não! — concordei. — Não podem ser muitos! O sistema telefônico viraria um caos.

Às dezoito horas, o senhor Pedro, dona Odete e Tony, seguiram juntos, com a caixa do dinheiro, para cumprir o combinado. Eu ficara sozinho na casa dos Moura, a espera de qualquer notícia e realmente, dez minutos depois, atendi o telefone que tocara.

— Pronto, Willian! — sempre atendia telefone assim.

— Olha, Willian! — era Regis. — Tenho pouco tempo. Não sei onde estou, mas o telefone aqui é dois três sete um sete... (Sigilo, por segurança nacional). Pede pra Telesp que eles ajudam você a me encontrar. É centro de São Paulo!

— Fique tranquilo, Regis. A gente vai te encontrar!

Desligou o telefone e eu corri até a delegacia.

©©©

Chegando à delegacia o doutor João ainda se encontrava no local e como estava com a autorização judicial da tal interceptação do telefone, discou para a Telesp, falando com os responsáveis que já estavam cientes do caso. Apesar de que o telefone fornecido não pertencia a tal pedido judicial, acabaram por fornecer o endereço do mesmo. Realmente, eles se encontravam em um apartamento à Rua Conselheiro Nébias, bem no centro da capital paulista e por sorte, próximo à delegacia. Mas o doutor João, ciente que o senhor Pedro havia corrido para pagar o resgate, acionou diversas viaturas policiais, pedindo que impedissem que o resgate fosse pago.

Acompanhei o delegado em carro não oficial, até próximo ao endereço que estaria Regis e de longe ficamos acompanhando a movimentação. Outras duas viaturas já investigavam o local.

— Como estas viaturas já estão por aqui? — especulei.

— Este prédio está na lista dos que a Telesp me informou de ligação em paralelo.

Não dava para se saber muita coisa, pois como era um edifício alto, saíam e entravam pessoas a todo o momento.

— O senhor não vai entrar?

— Calma! — pediu o delegado. — Estou cheio e invadir apartamentos errados!

— Desta vez não há erros! Foi o menino quem forneceu o número do telefone!

— Pode ser número errado!

— Não acredito que seja — neguei convicto. — Regis disse o número que provavelmente esteja marcado no aparelho. O telefone ligado pode até não ser este! Mas o número que ele passou é daqui!

— Vamos esperar a polícia recuperar o dinheiro, aí a gente invade!

— Que se dane o dinheiro, doutor! — insinuei. — O importante é a vida do menino!

— Cautela, meu rapaz!

Já eram quase oito horas da noite, quando uma viatura da polícia, mais o carro do senhor Pedro, estacionaram junto a nós, dizendo que recuperara o dinheiro.

Enquanto eu e o senhor Pedro conversávamos à base de ofensas gratuitas, doutor João criou um plano de invasão ao cativeiro com vários policiais armados e não perderam tempo. Ao avistarem um suspeito entrando apressado no edifício, o seguiram com muita cautela, mas o homem desapareceu no elevador.

Só um minuto depois, todos os policiais, conseguiram tomar outro elevador seguindo até o andar indicado. Eu e o senhor Pedro, muito nervosos, resolvemos seguir os policiais, simultaneamente por outro elevador.

Chegamos ao andar, em tempo de ver dois policiais, mais o doutor João, armados, arrebentarem com os pés a porta do apartamento e entrarem gritando:

— Polícia!

O homem que acabara de chegar estava sobre Regis, caído no carpete da sala, ameaçando-o com um punhal médio em sua mão e assustado com a invasão da polícia, deixou todo o peso de seu braço que segurava o punhal, bater sobre o tórax do menino.

A lâmina de quinze centímetros de comprimento penetrou toda em seu corpinho frágil, fazendo com que o sangue jorrasse imediatamente. De seus lábios, partiu um lancinante infantil grito de dor, que o fez perder totalmente os sentidos.

No mesmo instante, um estampido de bala, fez com que aquele homem tombasse ao lado de Regis, com um profundo ferimento, também no peito.

Apavorado com a terrível cena, só pude gritar, ecoado por um mesmo grito, partindo do senhor Pedro:

— Regis! Nãããão!...

Desesperados, eu e seu pai corremos em seu socorro, que estava inerte. Sem pensar em nada, puxei o punhal que estava cravado em seu peito, arranquei minha camisa e com ela tentei estancar o sangue que corria aos borbulhões e o apanhei nos braços, correndo ao elevador e à rua, acompanhado pelo senhor Pedro e outros policiais.

Antes que pudesse entrar no carro do senhor Pedro, dois policiais me interceptaram, fazendo com que entrasse com o menino sem sentidos na viatura da polícia e com a sirene abrindo caminho, saíram pelas ruas do centro de São Paulo.

Pelo rádio da viatura, foi solicitado à central, que entrasse em contato para rápido atendimento no Incor: Instituto do coração, que pertence ao hospital das Clínicas, para onde estavam se dirigindo.

— Vítima, menino de onze anos; profundo ferimento com elemento perfurante no tórax esquerdo; lâmina, aproximadamente quinze centímetros; sinais vitais, baixa pulsação, baixa respiração; vítima em estado inconsciente... Tempo de locomoção, aproximadamente dez minutos. Condição da vítima, estado grave.

Regis, frágil, apenas onze anos de idade, profunda punhalada no peito, lado do coração, sem sinais vitais... Sei lá o que pensava naquela hora, mas, com certeza ele estava morto...

O percurso até o hospital não demorou mais do que os dez minutos planejados pela polícia, mas para mim, parecia que foi mais de hora.

No hospital em prontidão, Regis foi apanhado pela maca no carro da polícia e levado correndo para a sala de cirurgia. Eu os acompanhei até a entrada do centro cirúrgico, onde dois enfermeiros me seguraram.

— Deixe-me ir com ele! — pedi apavorado.

— Calma — pediu os enfermeiros. — Você já fez a sua parte! Agora é com os médicos.

Apavorado e chorando muito, voltei até a sala de espera, me abaixei de cócoras em um canto e fiquei lamentando sozinho, pedindo milhões de perdão àquele menino, me julgando culpado por todo o sofrimento pelo qual ele estava passando.

— Regis, por que te levei àquela maldita praia? Eu só queria que você se divertisse um pouco! Você precisava tanto! Você só queria ser um pouco criança! Por que meu Deus? Por quê?

Estava sem camisa e com o corpo praticamente vermelho de sangue. Algumas das pessoas que estavam na sala de espera, se aproximavam tentando nos acalmar, a mim e também os pais do menino, que acabavam de chegar em seu carro.

Uma enfermeira me pediu:

— Vá até o banheiro no corredor e lave o sangue.

Olhei para minhas mãos grossas de sangue e insinuei:

— Agora não. Isso não tem problema! Sangue não dói.

Um homem da sala de espera se aproximou e me entregou uma camisa, dizendo:

— Vista esta camisa.

Agradeci apenas com os olhos e vesti a camisa limpa sobre meu corpo sujo. Não queria me lavar. Talvez fosse um símbolo de apoio... Ou mesmo falta de coragem e ânimo...

— Como ele está? — perguntei à uma enfermeira.

— Não se preocupe — pediu ela. — Uma equipe com seis de nossos melhores médicos está cuidando dele!


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