O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 3
O Circo


Notas iniciais do capítulo

Até o capítulo anterior a narração era de Willian Gustavo, a partir deste capítulo será de Regis Moura.



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Estávamos em oito de Abril de um mil novecentos e setenta e nove, segunda-feira, a poucos dias de eu completar oito anos de idade. Neste dia chegava a São João da Boa Vista, minha cidade natal, o “Gran Circus Real Americano”, o qual estava sendo instalado no grande terreno baldio, defronte a Avenida Oscar Pirajá Martins.

No dia seguinte, na escola estadual do Rosário, onde eu estudava cursando o segundo ano primário, no horário de meio dia e meia até às quatro e meia da tarde, em minha sala de aulas entrou uma nova aluna, onde a professora, dona Maria do Carmo, a apresentou para a classe:

— A partir de hoje teremos uma nova coleguinha estudando conosco. Ela se chama Lucia Regina e mora no circo que chegou ontem à nossa cidade.

Ela era muito bonita; a mais bonita de toda a sala de aulas e talvez de toda a escola: morena clara, olhos castanhos e cabelos escuros, lisos e curtos, pouco mais comprido do que o padrão para meninos; muito bem vestida, com uma saia azul marinho e uma blusa branca semelhante à de nossa turma, porém sem o símbolo de nossa escola. Deveria ter a minha idade.

Eu sentava na terceira fila de carteiras, do lado da parede e na quarta carteira da fila. Para mim Lucia sentou-se no melhor lugar do mundo: a segunda fila, terceira carteira, quase próximo a mim. Embora ainda estivesse muito inibida por estar entre colegas estranhos, ela não me parecia ser tímida em nada; pelo contrário, parecia ser bem desinibida.

Todos nós, os meninos da classe, estávamos vidrados naquela nova coleguinha, já as meninas, porém, sentiam-se enciumadas, querendo ser iguais a ela. Ela, no entanto, permanecia o tempo todo calada, sem falar com ninguém; além de ser nova na escola, era nova também em nossa cidade.

Às duas e meia da tarde saímos ao recreio. Tomei um prato de sopa, tipo canja de galinha, em menos de dez segundos, em outros dez segundos comi o lanche que mamãe me preparou com muito carinho, tão rápido que até me esqueci das regras de degustação, impostas por meu exigente amigo Willian, a alguém que deseja ser astro da voz, depois fomos ao pátio brincar. Lucia sentou-se sozinha na mureta de descanso que circundava o grande galpão usado para nos proteger do Sol ou da chuva e eu lentamente, tão assustado quanto ela, me aproximei:

— Olá! — Me dirigi timidamente a ela.

— Oi! — Retribuiu séria. — Você está na minha classe?

— Estou!

— Como é seu nome?

— Regis!... Regis de Assis Moura.

— O meu é Lucia! Lucia Regina da Silva.

— Eu já sei. De onde você vem?

— Mococa. Por quê?

— Bobagem! Você também trabalha no circo?

— Trabalho.

— O que você faz?

— Trapézio!

— Trapézio!? — admirei.

— É! Por quê? Acha que não deveria?

— Não! Acho incrível! Com essa idade já fazer trapézio!

— Não é difícil! Basta treinar bastante!

— Mas você sobe naqueles balanços que ficam quase no teto do circo?

— Exatamente!

— Puxa! Eu gostaria de assistir!

— O circo vai estrear sexta-feira.

— E quanto paga pra entrar?

— Se você quiser ir, você não paga nada!

— Verdade?!

— Quer ir comigo lá hoje?

— A que horas?

— Quando terminar as aulas. Eu te apresento pra minha turma!

— Vou sim!

Sentei-me a seu lado e permaneci conversando milhões de assuntos com aquela princesa encantada, a qual nenhum escritor de “era uma vez” imaginara criar.

Naquele dia até me esqueci de que era só uma criança e que após o lanche costumava brincar com outros meninos.

Pouco depois, soara o sinal e retornamos para a sala de aula. Tanto eu, quanto ela, retornamos um pouco diferente: ela por ter arranjado um amigo e eu por ter me aproximado dela. Só que aquilo provocava um pouco de ciúmes nos demais colegas, tanto meninos, quanto meninas.

Devido minha ansiedade, aquele último período de aulas da tarde demorou mais de um ano para acabar, mas enfim, depois de terminar, eu e ela seguimos juntos. Para mim não haveria problemas em passar no circo, pois morava em um bairro logo adiante.

Chegando ao local, os homens estavam trabalhando em sua montagem. Alguns que eram ajudantes e outros, contratados em nossa cidade para este trabalho pesado; inclusive os artistas. Realmente parecia que vida circense não era nada fácil.

Lucia me levou a um reboque luxuoso, contendo camas tipo beliche, armário, fogão e até televisor a cores. Ao entrarmos me apresentou a uma linda mulher, de seus trinta anos de idade, de sua mesma cor, com seus cabelos escuros, longos e lisos. Apesar da diferença no cabelo era uma cópia fiel adulta da menina.

— Regis — chamou-me Lucia. — Esta é minha mãe.

— Muito prazer! — Estendi-lhe a mão. — Meu nome é Regis!

— Oi — sorriu-me ela. — Sou Sandra Regina!

— A senhora tem o mesmo nome de Lucia?

— Sim, o segundo nome!

— É muito parecida com ela.

— Já me disseram isso! Dá pra saber que não foi trocada na maternidade!

— Ãh?! — Não entendi.

— Brincadeira! Onde vocês se conheceram?

— Estudamos na mesma classe, mamãe!

Dalí eu e Lucia saímos andando pelo monte de paus, fios, cordas, ferros e lonas, estendido ao longo da montagem da grande tenda do circo. A cada pessoa que encontrávamos, ela me apresentava com carinho e sorriso bonito.

A um deles ela me disse:

— Este é o palhaço Risadinha!

— Oi! Tudo bem? — Cumprimentei-o.

— Tudo mal! — reclamou ele. — Acha que enfrentar essa dureza seria tudo bem?

Calei-me assustado e ele insistiu:

— Vamos garoto, pode falar. Acha que é tudo bem?

— Não senhor!

— Por isso que é bom ser garotinho; só pensa em estudar, brincar e namorar! Não é mesmo?

— Não ligue, Regis! — pediu Lucia. — Ele só está brincando!

— Regis! — exclamou ele. — Sua graça é Regis?

— Uhm! — Minha graça era fazer peraltices.

— Seu nome é Regis? — corrigiu ele.

— Sim senhor! — confirmei.

— Eu me chamo Armando! Mas se me dirigir por Risadinha não me importo.

— Por que as pessoas lhe chamam de Risadinha?

— É porque ele está sempre alegre — confirmou Lucia. — Está sempre rindo!

— Mesmo nessa... dureza? — ironizei.

— A vida já é uma dureza, garoto! — reclamou ele.

— Mas o senhor deve ser feliz!

— Por que você acha isso?

— Seu nome é Risadinha! — Balancei os ombros.

— Você sabe o que é ser feliz? — Perguntou-me ele.

— É sempre estar contente! Gostar de tudo e de todos! Rir... Brincar... Jamais sentir tristeza…

— Fazer arte! — Riu o palhaço.

— Depende da arte! — Confirmei rindo.

— Você é inteligente! Por acaso é feliz?

— Quase sempre!

— Como, quase sempre?

— Gosto de minha família… de meus amigos… da escola… Hoje estou mais feliz!

— Por quê?

— Conheci uma menina especial! — falei rindo, com sinceridade.

— Cuidado com o pai dela!

— Por quê? — admirei-me.

— O sogro é uma fera!

— Sogro?... Não quero namorar a Lucia!

— Sei! Sabe fazer alguma coisa além de brincar, estudar e namorar?

— Sei tocar e cantar.

— Ah! Sabe cantar mulher do vizinho e tocar…

— Não! — neguei fazendo a maior careta do mundo. — Sei cantar música popular e tocar instrumentos de corda.

— Que instrumento você toca?

— Violão. E um pouco de guitarra!

— Puxa, Regis! — exclamou Lucia. — Você toca violão e guitarra?

— E mais uma coisa. Não é Regis? — insistiu o palhaço.

— Não! Só isso!

— Viola você não toca?

— Nunca toquei!

Percebi que apesar de minha pouca idade, a ironia de adultos começaria muito cedo e ele fazia gozação comigo, então ri desconfiado e ele aproveitou para completar a gozação:

— Sabia que você tocava!

— Não toco nada!...

Mesmo guitarra, só tocara uma vez, durante minhas aulas de violão com a professora Marlene, mas para quem toca violão é basicamente a mesma coisa.

Pouco depois estávamos conversando com seu pai. Ao nos aproximarmos, Lucia disse a ele:

— Papai, eu trouxe um amiguinho pra conhecer o circo.

— Já, Lucia? — brincou ele em tom animado. — Vejo que você é muito boa nisso! Quem é você garoto?

— Meu nome é Regis e estudo com Lucia!

— Meu nome é Carlos Alberto. Qual sua intenção com minha filha?

— Hã! — assustei-me e Lucia riu.

— Papai, Regis é cantor!

— Desse tamanho?

— É! Ele toca violão.

— Verdade, garoto?

— Sim! Eu tenho um violão e tenho um amigo, que me deu de presente um curso de violão. Ainda estou estudando, mas já sei bastante coisa e um dia serei um grande artista. Vou ser muito famoso! Sabia?

— Que os deuses da música digam amém! — profetizou quase gritado, o pai de Lucia. — Em nosso circo, temos participação de artistas em parte musical. Se você quiser participar.

— Quero sim! — entusiasmei.

— Já cantou em público alguma vez?

— Ainda não! — neguei cabisbaixo.

— Mas isso não importa! — incentivou-me Carlos Alberto. — Se não se apresentar pela primeira vez, nunca terá se apresentado. Acho que ficará nervoso diante do circo cheio?

— Não!

— Todo mundo olhando pra você, será que não vai travar?

— Travar!? — não entendi mesmo.

Acho que para mim, tanto fazia cantar sozinho em meu quarto, ou diante de um milhão de pessoas. Era apenas um menino e meu consciente não se preocuparia que eu estava sendo observado e não poderia errar. Seria apenas um ensaio diferente.

— Na sexta-feira à noite você pode vir. Isto é, se seu pai deixar.

— Ele vai deixar! Quer dizer... se ele puder vir junto, porque é de noite e ele não deixa eu sair à noite sozinho.

— Pode trazê-lo. Sua mãe também! Vocês entram pelos fundos e lógico que não vão pagar o ingresso! Só faltava um artista pagar pra fazer show!

Naquela tarde conheci todo mundo do circo, artistas ou ajudantes; depois retornei para minha casa e contei toda a história a meus pais e meu irmãozinho Tony. Papai concordou, dizendo que iria comigo na estreia.

Na quarta-feira, na escola, todos os colegas de sala estavam bravos comigo, por eu ter conquistado com muita facilidade a simpatia da garotinha mais bonita de toda a escola.

Naquela quarta, na quinta e na sexta-feira, com permissão de mamãe, seguia com Lucia até o circo, onde permanecia até quase seis horas, depois, já escurecendo, acabava de chegar à minha casa. Neste último dia, diferente do primeiro, que era apenas um amontoado de paus, ferros e lonas, o circo estava prontinho para receber o público e realizar seu espetáculo mágico. Era um local realmente muito rico e luxuoso. Garanto que o melhor que já havia aparecido por minha querida cidade. Com poltronas estofadas e o piso revestido por madeiras.

O pai de Lúcia me perguntou:

— Você virá mesmo cantar no circo hoje à noite?

— Claro que sim!

— Olha para este palco.

Realmente era divino. Até parecia um rico estúdio de televisão, com cores exuberantes.

— Não te assusta? — insistiu o homem.

— Não! — como já disse, era só um ensaio diferente. — É lindo!

— Vai trazer instrumento?

— Trarei meu violão!

— Se você acha que sabe tocar guitarra e quiser, eu tenho uma.

— O senhor me emprestaria ela?

— Naturalmente. Por que haveria de não emprestar?

— Talvez eu prefira mesmo ficar com meu violão.

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