O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 20
Canarinho quer voar.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/603578/chapter/20

De volta a São João, conversamos sobre o assunto com o senhor Pedro, que não gostou nada dessa ideia.

— Mudar pra capital? — O desgostava. — Vocês estão doidos! E meu emprego?

— O senhor sai do emprego, papai! — pediu Regis.

— Saio do emprego!? Você acha que é simples assim?

— Claro que é simples! — alegou o menino. — O senhor chega lá e diz, não quero mais trabalhar!

— E me transformo num vagabundo?

— Por quê? — insistiu o pequeno. — O senhor irá trabalhar comigo!

— Não! — negou ele. — Vocês não precisam de mim! Eu não sirvo pra isso!

— Não serve porque o senhor não quer — interferi. — Nós precisamos muito do senhor!

— Vamos ficar morando por aqui mesmo que está muito bom! — insistiu o senhor Pedro.

— Papai, eu preciso ir à televisão, fazer contratos de shows. Aqui é tudo muito longe, porém muito difícil.

— Quando vocês quiserem ir à televisão, o carro é de vocês. Shows, bastam que os interessados liguem aqui em casa. O telefone é pra isto mesmo!

— Não é a mesma coisa! — neguei. — As pessoas não ligam pra gente querendo shows! É a gente que tem que ir a busca. Estando em São Paulo tudo se torna mais fácil.

— Willian, você está se esquecendo de que você também trabalha.

— Assim como o senhor, eu também vou me demitir!

— Acha que o dinheiro de Regis dará pra alimentar a todos nós?

— Papai, só o dinheiro que recebo da gravadora é maior do que o do senhor e de Willian juntos! Além do mais, shows dá um bom ganho extra.

— Regis, vá brincar um pouco — pediu o senhor Pedro. — Está na hora de eu conversar a sós com Willian.

— Papai, é assunto meu também!

— Seu assunto sou eu! — olhou bravo para o menino.

O garoto ficou triste, mas se retirou sem protestar. Seu pai me disse:

— Willian, não vá pelo Regis. Tudo o que ele lhe pede você quer fazer. E se não der certo?

— O senhor me desculpe, mas a ideia de mudarmos pra São Paulo quem deu fui eu.

— Você!? Então você é mais infantil do que ele!

— Não senhor! Pensei muito pra dar essa ideia, que só nos trará benefícios!

— Benefícios? E você acha que vou deixar meu filho tratar de mim?

— Eu também não deixaria uma criança tratar de mim!

— Você é o primeiro a querer sair do emprego!

— É claro! Apesar de minha pouca experiência e idade, sou empresário artístico de seu filho. Gosto muito dele e quero trabalhar com ele. Pra isto, eu preciso me demitir da Telesp, que confesso é um excelente emprego. E pensando em melhorar, pretendo que mudemos pra São Paulo. E mais, não quero morar com vocês! Pretendo ter minha própria casa.

— Não Willian! Você está ficando doido! Não vou sair de meu emprego.

— Dá se a impressão de que o senhor não quer ajudar seu filho.

— Nós poderemos ficar morando aqui mesmo e meu filho fazer o maior sucesso do mundo!

— Engano do senhor. São Paulo há muito mais campo pra carreira dele.

— Hoje em dia arranjar um emprego não é nada fácil! Por que iremos sair de um emprego garantido?

— Como o senhor disse emprego não é fácil — Aleguei rindo. — E então, se nós dois deixarmos nosso emprego pra trabalharmos com Regis, estaremos garantindo emprego pra mais duas pessoas.

— Você acha mesmo necessário essa mudança pra São Paulo?

— Só nos trará vantagens.

— Então façamos o seguinte, falemos com Odete, você se muda pra lá e leve Regis consigo.

— E o senhor, dona Odete e Tony suportarão ficar distante dele?

— Temos que aguentar!

— E Regis? Vai aguentar?

— Ele não quer ser artista?

— Mas não precisamos complicar as coisas!

— Você está aumentando as coisas.

— Não senhor Pedro! Eu adoro a ideia de me mudar com Regis. Só que seria covarde, se não pensasse no bem estar de sua família.

— Façamos uma experiência. Acho que dá pra confiar meu filho a você. Dois anos de convivência.

— E a lei? Não sou guardião de Regis!

— Faço um documento na lei!

— Muito bem! Então falaremos com ele e sua esposa. Se ambos concordarem, me mudo com ele.

Desta feita, esbarramos em obstáculo ainda maior:

— Meu filho morando longe de mim!? — protestou ela. — Nunca!

— Eu venho visitar você, mamãe! — insistiu o menino.

— Quando? Todo dia!

— Todo dia não dá né mamãe! Mas pelo menos a cada duas semanas.

— Nunca! — negou ela nervosa. — Sei que um dia vou perder você! Vou perder você pra sua música!... Pra uma namorada! Pro mundo malvado!... Mas não vou perder você tão cedo! Não com dez anos de idade!

— E se virmos a cada dez dias? — insistiu Regis.

— Não quero, filho! — negou ela abraçando-o. — Você é meu bebê!

— Não sou mais bebê, mamãe!

— Você quer mesmo nos abandonar?

— Não! — Insinuou ele tristemente. — Quero você... Mas precisava tanto continuar minha carreira! Meu sonho.

— Você vai ficar longe de casa pra sempre! E não vai sentir saudade?

— Viremos a cada dez dias! Telefono todo dia!

— Faremos assim — decidiu o senhor Pedro. — Vocês farão uma experiência com essa mudança. Se der certo, iremos depois. Se não der certo, vocês voltarão pra cá.

— Meu bebê! — tinha lágrimas dona Odete, ainda abraçada ao filho.

— Se a gente mudar pra São Paulo depois, é porque deu resultado, se voltarem, Willian estará sem seu emprego seguro.

Quem continuou não concordando muito foi dona Odete (e com razão), mas com a promessa de passarmos a cada dez dias por São João e o fato de que se a mudança desse bons resultados, o marido se prontificava a fazer o mesmo, ela acabou aceitando.

Depois, com Regis em meu apartamento, todo ansioso pela mudança, resolvi lhe falar:

— Só têm alguns porenzinhos, menininho. Como iremos morar sozinhos, não haverá mais mamãe pra cuidar de você!

— Já sei me cuidar sozinho!

— É? Terá que arrumar sua própria cama... Lavar sua própria cueca... Refeição a gente compra pronta, mas terá que lavar alguma louça...

— Você faz isso? — perguntou-me ele incrédulo.

— Desde quando tinha a sua idade!

— Então eu faço também! Por que não?

Sorri confiante.

— Em minha época era pior, pois sendo pobre, eu também fazia almoço e cuidava de toda a casa, além de meus irmãos caçulas, para que minha mãe pudesse trabalhar.

— Que legal! — riu ele.

— E mais! Não tinha água encanada nem fogão a gás.

— E como era?

— Eu puxava água no poço e ascendia o fogão com lenha.

— Bacana! Também vou cuidar de nossa casa em São Paulo. Podes crer!

— Ainda eu cuidava das galinhas, aguava a horta, capinava o mandiocal e outras coisitas.

— Divertido! — riu ele.

— Vamos ver!

©©©

Em quatro de agosto eu já não era mais funcionário da Telesp e então com um documento judicial que me autorizava ser tutor do pequeno Regis, nos mudamos para a capital paulista, onde, com uma boa entrada e uma prestação de noventa mil cruzeiros mensais, comprei no bairro aeroporto em Santo Amaro, zona sul da capital paulista, um belo apartamento, já com telefone instalado.

Como combinado, quando se levantava, a primeira coisa que o menino fazia, era arrumar sua cama de solteiro. E olha que ele caprichava. Durante o banho, se despia já dentro do chuveiro, lavando sua própria cueca (as roupas resolvemos que levaríamos para uma mulher em nosso próprio prédio); qualquer copo ou talher que ele sujava, já lavava imediatamente; os utensílios e demais objetos de cozinha ou estante, incluindo seus brinquedos, deixava sempre muito bem organizado. Estava realmente seguindo meu exemplo de criança, distante no tempo, se tornando um verdadeiro dono de casa.

Só teríamos que aguardar por um bom tempo, para ver se ele não se cansaria destas atividades nada divertidas.

De posse do segundo long-play, que o deixou ainda mais conhecido, agora com mais facilidade de acesso, dia onze começamos uma verdadeira turnê, por todas as emissoras e programação de televisão possível.

A partir de então, nosso pequeno artista, passava a estar nos primeiros lugares nas paradas de sucesso em todo o Brasil, graças ao bom trabalho de divulgação, tanto por nossa parte, quanto por parte da gravadora, que trabalhava com muito afinco.

Os shows que eventualmente aconteciam apenas em alguns finais de semana, aumentaram consideravelmente para quase toda a semana. Além do mais, os pequenos shows de bilheterias, passaram a ser shows de contratos, saindo de pequenos circos, para ginásios de esportes, estádios de futebol, ou cinemas, sempre lotados.

Com o aumento dos shows e melhora nas faturas, precisamos também melhorar sua qualidade. Com isto contratamos outros seis músicos:

MARCOS CESAR, em outro violão;

PINDUCA, na guitarra;

JARDEL, no contra baixo;

LUCAS na bateria;

FELIPE no acordeom;

DANIEL, no órgão,

Criando assim uma verdadeira banda de shows.

Passamos a viajar em dois carros: eu viajava com Regis, Daniel, Lucas e Jardel, na Caravam; Pinduca, Felipe e Marcos César, viajavam juntos em uma perua Kombi a diesel, onde levavam os instrumentos e uniformes.

Chegando aos locais de eventos, nós mesmos, com exceção de Regis, que era poupado, preparávamos o local, organizando os instrumentos e reavaliando o som e luzes, que geralmente era contratado na própria cidade.

De menininho simples do interior, Regis se transformava a cada dia em famoso e mais rico garoto do Brasil. De desconhecido, se transformava no mais solicitado nos programas sertanejos e populares.

Agora, talvez só uma coisa o aborrecia: viver ausente de seu lar, de seus pais e do irmãozinho caçula. E o pior: nossa promessa de visitá-los a cada dez dias não estava sendo cumprida, pois os shows e outros compromissos, se prolongavam por todo o mês, com muito pouco intervalo para descanso, que acabavam se transformando em apresentações, em inúmeros programas de televisão.

— Eu estava me lembrando de Lúcia! — disse-me ele enquanto via uma reportagem circense na televisão.

— A namoradinha do circo?

— Amiga do circo! — corrigiu ele com sorriso maroto.

— Já se passaram dois anos desde que ela se foi.

— A gente poderia descobrir onde o circo está e marcar um show na mesma cidade. Que tal?

— Pra quê? — estranhei.

— Assim eu vejo ela!

— Não se pode fazer um show na mesma cidade em que está um circo!

— Por que não?

— Seria antiético!

— Anti...ético?! O que é isso?

— Com certeza o show estaria roubando público do circo. Quando uma empresa faz algo que prejudica a outra, significa, falta de ética profissional.

Regis nunca mais tivera tempo de brincar com outros menininhos de sua idade, jogar bola e nem mesmo de estudar. No início do ano, já atrasado, havia se matriculado na terceira série, mas por motivos justos, acabara abandonando a escola.

Para compensar estas percas, sempre que possível, aproveitava algumas horas para me divertir com ele na piscina ou sauna dos hotéis por onde passávamos, assim, ele geralmente passava algum tempo brincando com outros garotos, que porventura estivesse no mesmo hotel. Nestas horas, ele se esquecia da saudade dos pais e irmãozinho. Além de se tornar um menino comum, aproveitava para mostrar sua habilidade na piscina, com lindos saltos mortais e piruetas graciosas.

Depois de uma hora de piscina chamei-o:

— Vamos subir!

— Acha! — protestou ele. — Não ficamos nem dez minutos na piscina!

— Seu relógio é diferente do meu! Faz mais de uma hora!

— Não vou agora não! — negou ele incisivo.

É lógico que não! Estavam em três garotos e duas meninas, todos com praticamente a mesma idade.

— Vou subir e tomar um banho. Você fica mais dez minutos depois sobe também. Certo?

— Errado! — negou ele. — Mais uma hora!

— Meia hora!

— Essa não cola, Willian! — riu ele com voz de decidido. — Uma hora, fora os acréscimos.

Uma hora depois tive que buscá-lo.

Apesar de algum protesto, me obedeceu. Tomou um banho demorado, lavando muito bem os cabelos, com muito xampu, depois condicionador, devido o cloro da piscina. Fez uso de um secador elétrico para enxugar um pouco os cabelos; vestiu apenas uma cueca e short, deitou-se no sofá da sala de estar e ao contrário do que era de costume, nem mesmo ligou a televisão. Sentei-me a seu lado e o abracei dizendo:

— O que houve? Está cansado da piscina?

— Não! Se você não me buscasse ficaria lá mais duas horas.

— É que você precisa descansar. Tem compromisso daqui a pouco.

— Estou sabendo.

— Está triste comigo porque o busquei na piscina?

— Não! Você é uma pessoa muito responsável e sabe o que faz.

— Então o que há?

— Saudade de meus pais e Tony.

Deu pra sentir a emoção nas palavras que saíram com lágrimas presas.

Fiquei sem palavras, mas arrisquei:

— Realmente não estamos cumprindo nossa meta de visitá-los sempre.

— Quando irei vê-los, Willian?

— Ainda faltam cinco dias.

— Meu coração de saudades não aguenta! — negou ele com lágrimas.

— Ficaremos uma semana por lá.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Grande Palco da Vida - Live" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.