O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 16
Primeiro disco.


Notas iniciais do capítulo

E o pentelho do João Batista continua com sua linguagem imprópria.
Desculpe-me.



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Dia quinze de Agosto, o senhor Pedro recebeu pelos Correios uma fita cassete, com cópia do playback para que Regis ensaiasse por ela.

Vinte e sete de Agosto, segunda-feira, às oito horas da manhã, estávamos novamente no estúdio, para montagem da voz. Desta feita nenhum músico presente. Apenas Regis e o técnico da mesa de áudio, dirigidos pelo produtor João Batista, seriam os mestres deste trabalho.

As músicas deste disco, por ordem de faixa, são as seguintes:

° Filho de bêbado - Willian Gustavo e Pedro Moura.

° Dois corações - Willian Gustavo

° São Damião - Pedro Moura e Willian Gustavo

° Em tudo vejo amor - Ocir Caetano Chaves

° Amor de crianças - Celso Innocente

° Era pequeno - Padre Zezinho.

° Galopeira - Mauricio e Zaías (v.Pedro Bento)

° Eu vou falar - Pedro Moura (pagode)

° Tu serás assassina - José Generoso

° Petição - Willian Gustavo

° Mãe do mundo - Luís Henrique

° A minhoca - Wilson Roberto e A.Claudia

Ao ouvir a gravação da música “Amor de Crianças”, o produtor João Batista perguntou a Regis:

— Criança ama, Regis?

— O senhor deve saber! O senhor não foi criança?

— Os tempos mudaram! Em meu tempo, se uma criança falasse em namorada apanhava de chicotes.

— Por que os adultos podem?

— São adultos! Quando você faz artes apanha do quê?

— Eu não apanho!

— Se seu pai ver você tocando… Ele não te bate?

— Não faço isso que o senhor tá falando!

— Você não toca violão?

— Por que papai iria me bater se me visse tocando violão?

— De uma corda só!

Na música “Eu vou falar”, o produtor perguntou a Regis:

— Você gosta de mulher boa?

— Claro que gosto!

— Pra quê?

— O mesmo que o senhor!

— Não acredito!

— Problema seu!

— Não gosto de mulher.

— De que o senhor gosta? Bicha?

Na música “A minhoca”, ele perguntou a Regis:

— Você queria ser o Minhoco?

— Não! — negou o menino.

— Como não? Ele conseguiu agarrar a minhoca!

— Do lado errado!

— Virou sessenta e nove! Você gosta de sessenta e nove?

— Qual a diferença?

— Qual!? — exclamou o produtor. — Você já fez um?

— Centenas!

— Safado! Onde?

— Na escola! — balançou os ombros sem entender nada.

— Você tem namorada?

— Tenho!

— Onde?

— São João.

— São João deve ser grande!

— Na escola.

— Qual é o nome dela?

— Por que tanto interesse?

— Perguntar ao pai dela se pode. Você tem que namorar é a cinta de seu pai!

— Namoro bobo.

— Dá outra vez você disse que a sua namorada te deixou.

— E deixou mesmo! Ela se mudou.

— Não deu endereço?

— Ela mora no circo! Quinze dias em cada cidade.

— Você namora artista de circo?

— Nem é namoro! É só amizade!

— Amizade colorida?

— Pode ser — deu de ombros.

— Sabe o que quer dizer?

— Amizade colorida? — Fez careta. — Não!

— Se o seu pai deixar eu te conto. Você me acha muito chato?

— Pode ser sincero, ou devo ser educado? — Deu leve sorriso, o menino.

— Seu disco está em minhas mãos!

Regis pensou um pouco, João Batista prosseguiu:

— Já sei! Sou o cara mais chato do mundo!

— Não gosto destas brincadeiras de mau gosto! A maioria eu não entendo nada! Só sei que são impróprias para... — fez careta. — ...crianças!

— A vida é assim mesmo, garoto! Tem caras malas iguais a eu e outros santos iguais a seu empresário. Vou te dar uma dica, como você será artista e lidará com todo tipo de pessoas, quando encontrar um mala igual a mim, entre na dele. Quando ele fizer gozação com você, retribua na mesma moeda. Não é falta de educação desrespeitar quem não o respeita. O duro em ser famoso é isso mesmo, acabam lhe tirando sua inocência. Desculpe minhas brincadeiras tolas. Acho que nem eu gosto delas.

— E por que faz?... Comigo!

— Pra fazer você me xingar!

Meu amiguinho Regis, embora muito criança, apesar de seus meros oito anos, não era nada bobo e percebia muito bem todas as dicas que João Batista lhe dava. Aliás, ele aprendia todas as dicas que todos lhe davam. João Batista, habituado a trabalhar só com adultos, realmente lhe falava muitas palavras impróprias à sua idade, desrespeitando sua inocência. Nem mesmo eu e principalmente o senhor Pedro, que vinha de uma família conservadora, aos preceitos e costumes, gostávamos disso.

Às doze horas a gravação havia terminado. Paguei os vinte e cinco mil cruzeiros devido ao produtor e fomos almoçar em restaurante, nas imediações do estúdio da gravadora. Às quatorze horas, acompanhado por um fotógrafo, contratado pela própria gravadora, fomos até a praça da Luz no centro de São Paulo, onde tal profissional, fotografou Regis, em diferentes posições:

° Em pé, frente às centenas de pombas que caminham entre o corredor e o açude da praça, em busca de migalhas;

° Sentado sobre um banco de madeira em cima da gruta;

° Mesmo local da segunda, com um violão cruzado sobre o peito;

° Caminhando em sentido à saída da praça;

° À frente da gruta, como se a estivesse escalando.

Dalí seguimos à estação rodoviária, de onde às dezesseis horas embarcávamos de retorno a São João da Boa Vista.

©©©

Em três de Dezembro, o senhor Pedro Moura esteve novamente na gravadora, onde recebeu de presente vinte e cinco cópias do long-play, prontinho, de nosso querido artista. Seu título:

“REGIS MOURA”

“Em tudo vejo amor”

Este título surgiu da ousadia em se gravar música gospel em um disco popular sertanejo, sendo que ninguém se atrevia a tal façanha, principalmente porque o Brasil, era um país predominantemente católico e uma música gospel poderia afastar milhares de consumidores. Mesmo assim, tanto eu, quanto o produtor e inclusive Regis, sendo também de família tradicionalmente católica, resolvemos adotá-la, por falar das coisas belas que Deus Pai nos deixou.

Já em sua casa, quando Regis viu o disco, abriu um longo sorriso, dizendo forte:

— Meu disco!

Pulou em meu pescoço e me beijou como jamais tinha feito, dizendo feliz:

— Obrigado Willian! Eu te amo!

Fui apanhado de surpresa. Mas como haveria de não gostar daquela atitude?

Quando ele me deixou, lhe disse:

— Eu também te amo! Mas não tem que me agradecer!

— Você realizou meu sonho de ser arista!

— Não realizei seu sonho de ser artista, Regis! Você realizou seu sonho! O que eu fiz por você qualquer um pode fazer. O mais importante está aqui... — coloquei a mão em seu peito, depois em sua testa e por fim em sua garganta. — Em seu coração... Em sua mente e em sua vozinha linda! Esta dádiva que Deus lhe deu é única e ninguém jamais poderá fazer por você.

Ainda sorridente ele abraçou sua mãe, seu pai e Tony.

Ele estava muito feliz: seu sonho se realizara e ao contrário do que acontece com a maioria das crianças, que hoje gravam por vontade e até mesmo obrigadas pelos pais, Regis aprendeu e gravou por seu próprio dom, inclinação, vocação e desejo.

A partir de então, como prometido, a gravadora começara a divulgar nas emissoras de rádio, o long-play, cumprindo sua obrigação, como havia prometido; então não poderíamos ficar à mercê de um milagre que não viria e passamos a ajudar nesta divulgação, trabalhando muito com nosso pequeno artista, pois, um disco gravado, pode ser a concretização de um sonho, mas vivenciá-lo é outra batalha bem mais complicada.

A rádio Piratininga de São João da Boa Vista, aonde Regis se apresentou pela primeira vez numa emissora de rádio, há algum tempo atrás, o divulgava muito bem. Penápolis, onde nasci e residem meus pais e sou muito conhecido, também colaborava muito bem conosco através da rádio Difusora e assim sucessivamente por diversas emissoras de rádio em todo o Brasil.

Dezenove de Janeiro de um mil novecentos e oitenta, Regis estava em minha casa a passeio.

— Seu disco já está na praça, como você queria — disse-lhe. — Agora precisamos trabalhar com ele. Ou você queria apenas ter um disco gravado?

— Claro que não, Willian! — negou ele. — Quero trabalhar muito com ele! Quero ser conhecido, ficar famoso, viajar, fazer diversos shows, ganhar dinheiro… sabe, um dia lhe disse que queria ser muito rico. Lembra?

— Claro que sim! Guardo tudo o que essa boquinha inteligente me fala.

— Mas não é bem isso que eu quero. Quero sim, ganhar bem, pra poder viver bem! Até hoje papai nunca pode nos dar nada. O coitado ganha muito pouco e ainda precisa pagar aluguel.

— Eu sei que é duro, Regis. Eu também pago aluguel.

— Eu não quero continuar nisso, Willian! Quero ganhar bem pra poder ter uma casa nossa, comer bem e ter um carro! Mas o carro, eu quero ter não é por luxo e sim, porque preciso dele pra poder trabalhar. Não quero ser rico! Quero ser conhecido, ter muitos amigos e viver bem.

— Não precisa ser famoso pra ter amigos! Ser famoso, ao invés de amigos, pode atrair a inveja!

— Eu sei! Tenho muitos amigos! Se um dia, Deus me deixar fazer sucesso como cantor e me tornar conhecido, não quero ter fãs e sim amigos!

— Não é a mesma coisa? — estranhei.

— Claro que não! Até a palavra fãs é feia. Amigo não! Amigo é lindo!

— Pra isso precisamos trabalhar!

— Só que precisávamos de um carro. Não acha?

— Claro!

— Você é motorista. Não é?

— Sou.

— Você poderia dirigir pra mim! Mas tem outro problema, você trabalha numa ótima empresa. Não sairia de lá!

— Não sairei. Mas sempre que puder, será um grande prazer viajar com você.

— O dia que eu puder ganhar bem, então sim você deixa de trabalhar na Telesp, papai deixa de trabalhar na fábrica e então vamos todos trabalhar juntos.

— Se Deus quiser! Mas acho que ao invés de contratar a mim, seja melhor contratar músicos! Não sei tocar nem... — pensei um pouco. — Cachorro de dentro de casa.

— Você será meu empresário. Já tinha te prometido isso?

— Já!?

— Será que terei algum salário da gravadora?

— Ela já está fazendo muito por você. Já colocou seu disco no Brasil inteiro. Nas lojas e rádios.

— Será que colocou no Brasil inteiro?

— Modo de falar. Mas em diversos estados colocou!

— A gravadora não paga um salário mensal, fazendo um contrato com o artista?

— Contrata, é claro! Mas a partir do segundo disco. A partir da hora em que você começar a fazer sucesso e começar a dar lucro pra ela.

— E então, como vamos arranjar dinheiro pra poder comprar um carro?

— Não lhe prometo nada, mas vou tentar um negócio que às vezes possa dar resultado.

— O que é?

— Vou falar com João Batista.

— Quando?

— Na terça-feira.

— Vai faltar do serviço?

— Tenho muitas folgas pra tirar. Compensação de horas extras.

— Posso ir com você?

— Acha que precisa?

— Claro! Veja bem, João Batista gosta de tirar sarro na minha cara! Não é? Então aproveito a oportunidade, entro na jogada dele, finjo que está me vencendo e caio matando, pedindo ajuda a ele.

— Tudo bem! Iremos juntos!

— E o lançamento do disco no Lauro Castro? Ele me prometeu!

— Lógico! Vou ligar lá ainda hoje.


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