O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 15
Criança faz arte.




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Dia dois de Julho, pessoalmente, levei doze letras de músicas, para que João Batista as encaminhasse ao sindicato dos cantores e autores musicais (Sicam), onde seriam submetidas à censura, aprovação e registro.

— Será que Regis consegue gravar Galopeira? — Perguntou-me o produtor.

— Com certeza! — exclamei.

— Vou pedir autorização a seus autores. Mas acho que nem precisa, pois ela já é uma canção de domínio público.

— O que quer dizer isso? — Não o entendi.

— Quando uma música é muito antiga ela se torna de domínio público. Com isto, qualquer um pode gravá-la sem pedir autorização. Basta indicar o nome de seus autores.

— Isto é muito bom, pois muitas vezes facilita pro artista.

— E como facilita! Como está ele?

— Regis? Ansioso.

— Muito bravo comigo?

— Não gostou muito de suas brincadeiras.

— Dá pra ver que ele é um menino sério. Ele é um bom garoto! Muito inteligente!

— E muito amoroso!

— Vai fazer sucesso. Só tenho medo da voz muito infantil dele. A gente pode estragá-lo! Sabia?

— Vamos arriscar!

— Quem esta na chuva é pra se molhar! Depois, se a gente perceber um risco muito grande, a gente segura o disco.

— É uma boa hipótese — concordei. — Cara, por sinal!

— Será mais caro se estragarmos a bela carreira que ele promete.

— Vai dar tudo certo.

— É isso aí, meu jovem! Boa sorte pra todos nós.

Já ia me retirando quando ele ainda insistiu:

— Cuide daquela garganta. Mantenha ele em aulas de canto.

©©©

Dalí aproveitei por estar sozinho e fui até a recepção de uma das maiores emissoras de televisão do Brasil, que coincidentemente não ficava tão distante, onde pretendia falar com produtores do programa do maior incentivador dos artistas criança desse Brasil, senhor Lauro Castro. É lógico que não seria tão simples assim, pois, além dos produtores não estarem presente no local, centenas de crianças tentam conseguir um espacinho, para se apresentar naquelas tardes de sábado em seu programa de grande audiência. Por fim, ao explicar que Regis estaria gravando seu primeiro long-play, que também não os convencia, pois graças ao dinheiro, hoje em dia qualquer um poderia ter seu disco gravado. Mas enfim, concordaram em ficar com uma fita cassete e meu telefone, se comprometendo a nos dar uma resposta, positiva, ou negativa.

©©©

Trinta de Julho, o repertório a ser gravado já estava em nossas mãos e no dia sete de Agosto, terça-feira, às oito horas da manhã, eu, Regis e seu pai, estávamos nos estúdios da WSA, onde, às nove horas demos inicio a uma verdadeira arte, a gravação do primeiro disco de nosso amiguinho Regis Moura.

Dois violões, uma bateria, uma guitarra, um órgão eletrônico, um acordeom, um contrabaixo e uma harpa paraguaia faziam o som para Regis, em sua vozinha infantil, realizar seu sonho de menino.

Esta gravação não era nada fácil: primeiramente Regis cantava uma parte da música, tocando sozinho um dos violões; a seguir, cantava juntamente com os músicos e depois cantava gravando. Se houvesse algum erro visível, quer dizer, audível, voltava a gravar. Não havendo erros, todos, inclusive Regis, ouviam com muita atenção um pedaço do tape, para aprovação. Se tudo estivesse certo passavam para a faixa seguinte.

— Por que Regis precisa cantar parte da música sozinho, antes de gravar? — perguntei, estranhando.

— Prefiro que os músicos ouçam a altura de seu tom e timbre de voz — explicou João Batista. — Não tem tanta necessidade, mas prefiro assim. Não vou arriscar os músicos em um tom mais alto do que precisa. Além de forçar as cordas vocais, não queremos que os instrumentos se sobressaiam ao da voz.

Acompanhei quase tudo de perto como mero expectador, pois não entendia patavina nenhuma do que se passava. Só deixei o local por duas horas, onde utilizando ônibus e metrô, fui até a televisão, onde confirmei sua participação, para se apresentar no programa do Lauro Castro, por coincidência já no dia seguinte, como já havíamos combinado com sua produção a mais de um mês.

Às dezessete horas as doze faixas estavam gravadas. Mas tudo aquilo era apenas o playback, onde a voz de Regis seria apagada.

©©©

Dia oito de Agosto, no período da tarde, estávamos no palco da televisão, para que Regis participasse do programa “Crianças que fazem arte”, com o maior apresentador e animador de auditório do Brasil e praticamente o único que dava oportunidade às crianças iniciantes, “Lauro Castro”.

O programa era gravado na quarta feira e apresentado pela televisão no sábado à tarde.

Aquela seria a primeira vez em sua vida, em que ele participaria de um programa de televisão e foi muito fácil conseguir, pois, como ele gravaria um disco, a produção do programa simplesmente ouviu uma música sua, gravada em tape cassete e o dispensou de testes.

Chegando a sua vez, Lauro Castro anunciou:

— De São João da Boa Vista, Reeeeegis Mouuuura!

Ele, muito feliz e embora ansioso, nenhum pouco nervoso, se apresentou no palco.

— Boa tarde! — Cumprimentou-o Lauro Castro.

— Boa tarde tio Lauro! Boa tarde Brasil!

— Você mora em São João do bom zóio?

— Pode ser. São João da Boa Vista!

— Lá ninguém usa óculos?

— Usa!

— Mas não é São João da Boa Vista?

— É que minha cidade é conhecida pela beleza do pôr do Sol! — explicou Regis.

— A cidade dos crepúsculos maravilhosos! É isso mesmo?

— É sim! São João fica no pé da Serra da Mantiqueira e lá o entardecer é muito lindo.

— Mas lá é muito fedido! Não?

— Nããão! — negou forte.

— Você disse que fica no pé da serra! Não tem chulé?

— Não! — Regis ajeitou a camiseta por baixo do colete, na garganta. Lauro puxou-a pela gola, olhando por dentro em seu tórax. Regis, surpreso, afastou-se um pouco.

— O loco sô! — articulou o apresentador. — Tem uma pulga aí?

— Nããão! — negou o menino. — É que apertou um pouco.

— Quer tirar a camiseta, pode tirar!

— Não, obrigado! Está bem assim!

— O que você vai cantar?

— Galopeira.

— Ô loco meu! Tem que ter gogó! Você consegue?

— Eu tô gravando galopeira no meu primeiro disco.

— Você já tem disco gravado?

— Começamos a gravar ontem.

— Você toca violão?

— Toco!

— Prefere cantar com seu violão ou com meu maestro?

— Com o maestro.

— Já ensaiou?

— Já!

— Sabe de quem é esta música?

— Sei!

— Quem é o compositor? Pois todos sabem quem é o cantor, mas esquecem do maior responsável, que é aquele quem escreveu a letra e fez a música.

— Zaías e Maurício. Versão de Pedro Bento.

— Você sabe o que quer dizer versão de Pedro Bento?

— Mais ou menos! — teve dúvidas o menino, balançando as mãos. — É quem trouxe a música para o Brasil.

— Isso mesmo! É aquele que traduziu para nossa Língua Portuguesa. Parabéns! Música maestro.

E assim pela primeira vez na tevê, ao som de todos os músicos do programa de auditório, cantou muito bonito.

Fui num baile em Assuncion

Capital do Paraguai

Onde vi as paraguaias

Sorridentes a bailar

Pelo som de uma guitarra

Quatro guapos a tocar

Galopeira, galopeira,

Eu também entrei a dançar.

Fui num baile em Assuncion…

Galopeiiiiiiiiiira

Nunca mais te esquecereeeeeei

Galopeiiiiiiiiiiira

Pra matar minha saudade

Pra minha felicidade

Paraguai eu voltarei.

Ao final, Lauro Castro se aproximou, mexendo em sua garganta:

— Não explodiu sua garganta?

— Não! — riu Regis.

— Por que você canta?

— Porque eu gosto! — espantou-se o menino. Isso lá seria pergunta!?

— Por que você aprende a tocar violão? É o papai e a mamãe quem manda?

— Não! É porque eu gosto!

— Nunca levou alguns petelecos do papai pra aprender violão?

— Não! Papai me comprou um violão pequeno quando eu tinha seis anos, porque eu pedi. Aí ele comprou um método e depois de aprender um pouco passei a ir à escola de violão.

— Eles nunca disseram pra você ser artista porque ser artista é uma gracinha?

— Nunca disseram isso! Sou eu quem quero ser artista!

— Sabe por que falo assim? Muitos pais, que estão vendo Regis agora pela televisão com esta roupinha bonita... com essa vozinha bonita... cantando gostoso, acham uma gracinha e cria em si, o desejo de que seu filho seja também igual a ele e aí começam a obrigar a criança a cantar. Não é assim que funciona! Cantar é um dom, que está aqui, no coração. É um dom que veio de Deus! Não adianta querer obrigar a criança a cantar ou a dançar... Ser um artista. Deixe seu filho ser uma gracinha sendo a criança que ela é! Quem sabe o dom de seu filho, ao invés de artista, é ser um médico muito importante para a humanidade. Além do mais, o artista tem também que estudar pra ser algo a mais na vida. Mesmo porque, ser artista no Brasil não é profissão. Você estuda Regis?

— Estou na segunda série.

— Muito bem! Quando crescer, além de artista você tem outro sonho?

— Só pensei em ser artista!

— Não quer ser médico?

— Acho que não!

— Quer ser lixeiro?

— Nãããão!

— Por que esse nããão tão convicto? Não gosta de lixeiro?

— Gosto! Claro! É uma profissão muito importante. Se não fosse o lixeiro como seria nosso mundo?

— Uma podridão — completou Lauro.

— Seria uma montanha fedida! — alegou o menino, em um sorriso meigo.

— Então por que você não quer ser lixeiro?

— Acho que lixeiro, precisa primeiro ser um bom atleta!

— Verdade! — concordou Lauro. — Correm o dia todo. E sem ganhar troféu! Vamos cantar mais uma música! Ou você não quer?

— Quero sim!

— O que você vai cantar então?

— Saudade da minha terra!

— Já? — perguntou Lauro.

Regis se admirou:

— São João do bom zóio!? — brincou Lauro. — Composição de Goiá! Vamos lá maestro.

E ele, acompanhado pelos músicos do programa, cantou muito bonito...

De que me adianta... (CLICK)

...e ao final da música, acompanhado também por Lauro Castro.

— Regis, você está gravando um disco? Você disse!

— Estamos.

— Estamos não! Eu não estou! — ironizou o apresentador. — Façamos o seguinte, quando seu disco estiver pronto, você me liga e nós faremos o lançamento, em um programa especial aqui no Lauro Castro. Combinado?

— Combinado! — riu feliz, o menino.

— Já vou te dizer uma coisa! Você será com certeza o menino mais famoso que esse Brasil conheceu! Pode escrever!

— Obrigado!

— Verdade! Eu consigo enxergar dentro de você e sinto sua alma! Sinto que você é artista por amor e não porque o papai ou a mamãe quer. Você será marcado perpetuamente, tipo Roberto Carlos, Frank Sinatra, Elvis Presley, John Lennon, Michael Jackson… Sabe por que Regis? Porque você tem o dom que Deus lhe deu! Mas posso lhe dar um conselho?

— Você é o mestre dos artistas, titio Lauro! — alegou com sinceridade, Regis. — É uma honra ouvir um conselho seu!

— Aprenda desde pequeno a conviver com sua fama. Você vai precisar! Tem artista, que quando desconhecidos cantam até em botequins da esquina, depois que o sucesso sobe à cabeça nem olha pros seus semelhantes. Por isso peço a você, Regis, você será famoso é fato! Nunca menospreze aqueles que te deram apoio no início. E não estou dizendo de Lauro Castro não! Falo das emissoras de rádio, dos amigos, da professorinha de canto e violão e das pessoas que você conheceu enquanto não famoso e as que conhecerão depois de famoso.

— Agradeço de coração por seus sábios conselhos, titio Lauro. E pode ter certeza, Já ficou gravado aqui em meu coração e pra não esquecer, em meu cérebro também!

— Então tchau! Espero você no lançamento de seu disco.


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