O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 1
Apenas Uma Criança


Notas iniciais do capítulo

Esta estória tem um final inesperado, por isso resolvi criar uma segunda versão e sendo assim estarei postando as duas simultaneamente aqui no Nyah! Até o capítulo 31, porém, as duas são iguais. No momento em que ambas se tornarem diferentes avisarei o leitor para que possa optar por qual das duas continuará acompanhando. Vou torcer para que acompanhe as duas e me avise qual gostou mais.



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Passava alguns minutos das oito horas da manhã do dia dez de Abril de um mil novecentos e setenta e oito, segunda-feira, juntamente com Waldomiro, colega de trabalho na Telesp, estacionamos o carro em frente a uma loja de materiais para construção, na lateral da Avenida Oscar Pirajá Martins, em São João da Boa Vista, onde iríamos instalar um moderno sistema de comunicação interna e externa para aquela empresa.

Ao descermos do carro, vi do outro lado da rua, sentado em um banquinho de madeira, um garotinho branco, de cabelos castanhos escuros, talvez seis anos de idade, descalço, usando short azul marinho bem curto (padrão da época), camiseta polo, branca; tocando algumas posições musicais em seu pequeno violão de seis cordas.

Apesar de tão pequeno, dava para perceber que o menino tinha dom para tal arte, pois seus dedinhos deslizavam sobre as cordas de tal instrumento, com jeito de alguém, que parecia ter muitos anos de treinamento.

— Pare de paquerar o menino! — Caçoou Waldomiro, pois sabia o quanto eu era apaixonado por crianças.

Descarregamos o carro, levamos todo o material para dentro da loja e negociamos com nosso cliente o serviço a ser executado. Retornei ao carro e percebi que aquele garotinho continuava tocando seu violão, alheio a quem quer que passe na rua, ou quem, como eu, o admirasse por sua performance artística.

Curioso continuei o observando e então, a me ver, ele parou de tocar, deu uma última rabiscada nas cordas e me olhou, perguntando desconfiado:

— O que foi?

— Só estava vendo você tocar — justifiquei-me. — Por que parou? É bonito!

— Ainda não sei tocar! Estou tentando aprender.

— Gosta muito de música! Não? — aproximei devagar.

— Sim! Gosto! O que você veio fazer aqui? — Insistiu ele um pouco assustado.

— Ver você tocar! Posso?

— Ãh!?

— Não tenha medo! Não vou lhe fazer mal.

— Digo… O que você veio fazer na loja?

— Instalar um sistema de telecomunicação.

— Telefone?

— Caesse.

— O que é caesse?

— Um sistema de comunicação comercial — Sistema telefônico comercial antigo, provido de teclas, capaz de receber até dez linhas distinta e até trinta extensões, provido de sigilo na conversação.

O pequeno balançou os ombros para quem ficou na mesma.

— Sistema comercial... — tentei explicar e nem mesmo sabendo como fazer, aleguei:

— Não liga pra isso não! É telefone e só!

— Você também gosta de música?

— Muito! Admiro quem sabe tocar.

— Como é seu nome?

— Willian! E o seu?

— Regis.

— Qual a sua idade?

— Vou fazer sete anos dia vinte. E você?

— Dezenove!

— Você sabe tocar violão?

— Não! Sou burro pra aprender isso!

— Ninguém é burro! — Negou ele. — Qualquer pessoa aprende. É só querer.

— Acho que não! É preciso ter um certo dom!

— O que é um dom?

— É uma coisa divina. Algo plantado em nossa alma, por Deus.

— Plantado!? — Riu ele, mostrando os dentes de leite.

— Isso mesmo! — confirmei. — No momento de nossa criação Deus já coloca em nossa alma e diz, Você vai ser um músico... Você vai ser um médico... Você vai ser um palhaço...

— Palhaço?! — Tornou a rir.

— Palhaço é uma grande profissão!

— Eu sei! Gosto de palhaço! E você? O que Deus disse que você vai ser?

— Instalador de telefone. Acho que este é o meu dom!

— É o mesmo que vocação?

— Isso mesmo! Vocação.

— E você não tem vocação? — Quis saber ele. — Quero dizer...

— Pra violão? Acho que não!

— Eu gosto!

— Dá pra perceber! Eu tive um cavaquinho, uma gaita, uma viola e ainda tenho um violão. Não consegui aprender nem as primeiras notas musicais. Dá pra se notar que realmente não tenho dom.

— Eu ainda vou aprender a tocar igual ao Toquinho. Vou ser muito famoso! Sabia?

— Tenho certeza! Você estuda?

— Sim! Estou no primeiro ano!

— Ótimo! Mas eu quis dizer... você estuda violão?

— Só em casa! Com um método.

— Não seria mais fácil entrar em uma escola?

— Na escola é preciso pagar. E nós somos pobres!

— Não é tão caro! Acha que não dá pra pagar?

— Não! Papai ganha pouco e ainda paga aluguel.

— Em que ele trabalha?

— Na fábrica de doces! Fica aqui perto!

— Sei onde é. Você já experimentou pedir a ele?

— Nem foi preciso! Ele mesmo já me disse que não dá.

— E quem lhe deu o violão?

— Papai! Mas foi difícil! Ele comprou à prestação.

— Ele é bom pra você? Ou é muito... bravo?

— Papai é muito bom! Um pouco bravo — gesticulou, franzindo a cara. — Mas ganha muito pouco dinheiro. Mas um dia serei um grande artista e vou gravar um disco e serei muito rico!

— É isso mesmo, garoto! Tem que se ter pensamento positivo.

— Você vai ver! Um dia as rádios irão anunciar músicas com o meu nome, Regis Moura! Pode escrever!

— Vou escrever. Mas agora preciso ir trabalhar. Meu parceiro é bravo! Tchau!

Retornei à loja onde Waldomiro já estava trabalhando.

— Achei que fosse ficar namorando o menino o resto da manhã — caçoou ele.

Comecei a ajudá-lo.

Não demorou muito para que Regis aparecesse por lá. Pediu permissão ao dono da loja e ressabiado, talvez por eu dizer que meu parceiro era bravo, passou ao longe, quase que escondido por detrás de um grande balcão, a nos observar em nosso trabalho, com dezenas de fios coloridos, de pequeno calibre, usado em cabeamento telefônico.

— Olha quem está aí! — Alertou-me Waldomiro. — Seu paquera!

— Não é meu paquera! — Neguei com sorriso. — É um futuro artista. Chega mais perto, Regis! Eu estava brincando, quando disse que Waldomiro era devorador de crianças.

— Mui amigo... Não? — Chamou-me a atenção, Waldomiro.

Então, também acompanhado por ele, que também adorava crianças e músicas, voltamos a falar em dom musical. Na verdade, Regis, parecia muito mais interessado nas sobras de fios coloridos, resultado da execução de nosso trabalho quase que artesanal.

— Venha cá — chamou-lhe Waldomiro, mostrando-lhe dois fios. — Veremos se você é um menino esperto. Quero ver se você sabe qual destes fios é o vermelho e qual é o marrom.

Regis abaixou-se diante de meu parceiro, segurou os fios entre suas duas pequenas mãos e disse sorrindo:

— Este é o vermelho e este o marrom!

— Muito esperto! — sorriu Waldomiro enrolando os fios.

Apanhou outros dois fios e desafiou-o:

— Quero ver agora, qual é o laranja e qual é o verde?

Regis, sorrindo, sentou-se no chão à frente dele, apanhou os dois fios e disse convicto:

— Este é o laranja e este o verde.

— Realmente esperto!

— Acha que não sei cor? — Riu o menino.

— Me fala qual é a cor destes dois!

— Verde e amarelo! — Exclamou confiante.

Mais esperto mesmo era meu parceiro Waldomiro, que na verdade, estava aproveitando da inocência do menino, para lhe ajudar a separar os fios coloridos do equipamento a ser instalado. Waldomiro, apesar de trabalhar com isto há muitos anos, era daltônico e tinha certas dificuldades com as cores, adquirindo inclusive, certa habilidade em separá-los usando o macete dos fabricantes, que consistia em disponibilizá-los por padrão, em sentido horário em que eram fabricados, como se fosse um caracol, invisível para quem não precisasse deste detalhe.

— Então você vai ser cantor? — Questionou-o Waldomiro.

— Ãh han! Famoso!

Waldomiro tirou do bolso da calça, uma pequena gaitinha de boca e em tom baixo começou a tocar “o menino da porteira” para o menino, que, admirando-o, sorria feliz, estando tão à vontade conosco, principalmente com meu parceiro, que sim, tinha o dom especial em cativar crianças.

Depois de fazer até certa algazarra com a gaitinha na boca, parou de tocar, limpou-a muito bem em sua camisa e entregou ao menino, pedindo:

— Toque.

— Não sei! — negou o pequeno Regis.

— É só por entre os lábios e assoprar no tom da música — insistiu o homem.

Regis, assoprando devagar começou a emitir as mesmas notas musicais que tal homem fez com tal música muito conhecida.

Para quem nunca havia assoprado uma gaitinha e boca, a música estava perfeita.

— Puxa! — Admirou-se Waldomiro. — Você é um gênio!

No período da tarde, não o vi, pois assim que retornamos do almoço, ele provavelmente teria ido à escola e quando deixamos o serviço à tarde, ele continuava na escola.

Às oito horas da manhã seguinte, quando, novamente parávamos defronte à loja, para a conclusão do serviço inacabado, ele estava ensaiando seu violão, sentado em seu banquinho de madeira. Assim que chegamos, parou, guardou o violão e correu a nos ver trabalhar.

— Por que parou de ensaiar? — Perguntei-lhe.

— Já ensaiei bastante!

— Pra ser artista tem que ensaiar muito mesmo!

— À noite ensaio mais! Até que dia vocês vão trabalhar aqui?

— Só até hoje!

— Por quê?

— Hoje de manhã a gente termina o serviço por aqui.

— Depois nunca mais voltam?

— Só quando apresentar algum defeito nos equipamentos, então eu ou o Waldomiro, voltaremos pra consertar.

— Dá muito defeito?

— Não! É bem difícil!

— Quer dizer que vocês não vão mais conversar comigo?

— Por quê?

— Ora! Somos amigos! — Disse ele com seu jeitinho muito especial de criança. — Não somos?

— Claro que somos! — Parecia que ganhei o melhor presente do mundo.

Quem poderia negar uma amizade assim? Embora seja complicada uma amizade repentina entre um adulto e uma criança. Como chegar aos pais de Regis e dizer: sou amigo de seu filho! A gente mesmo orienta nossos filhos a ter muito cuidado com pessoas estranhas, principalmente quando se é mais velhas. A gente mesmo orienta nossos filhos a jamais conversar com estranhos, fruto de um perigo constante, em nossa sociedade humana, podre e perigosa.

— Logo você vai se tornar um astro — alegou Waldomiro. — Será famoso e nem se lembrará mais de um tal sinhô Mirinho! Nem sinhô Gustavinho!

— Acha! — Gesticulou o menino. — Amigo a gente não esquece!

— Que bom, garotinho! — fui convicto. — Tomara que você realmente conserve seu coraçãozinho assim!

— Vocês podem vir à minha casa pra me ver ensaiar.

— É! — Brinquei. — Quem sabe seus pais permitem!

— Lógico que meus pais per...mite!

— Você sabe que é perigoso ter amizade com um adulto desconhecido?

— Não com você e seu amigo! — Negou ele.

— Como pode ter certeza? — admirei sua confiança.

— Já falei com Marcos — o dono da empresa.

Acho que Regis não era tão imaturo assim. Já teria tido referências sobre a gente, com seu amigo Marcos. Mas o importante, era que apenas conversando nestes pequenos intervalos, conquistei a amizade daquele garotinho esperto e simpático de cabelos castanhos lisos e olhos da mesma cor.

Waldomiro então se aproximou, vindo do fundo da loja cantando em tom forte e bonito:

— Por que será... Que mamãe me engana... Que é só uma vez por semana que papai vem passear... — Passou a mão sobre o queixo do menino, que estava sorrindo e continuou — Por que será?...

Marcos chegou de repente e questionou:

— Já contrataram Regis pra trabalhar com vocês?

Click para assistir ao book-trailler que criei para a estória com autorização do cantor mirim "Alexandre Nunes"


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Notas finais do capítulo

Este é apenas o início de uma longa amizade e de uma longa estória. A mais longa que já criei até então. Tomara que consiga conquistar você com este novo Regis.



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