Direito da Primeira Noite escrita por Chris Lima


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Geeeente, espero que gostem. Eu fiz essa história para participar da Antologia Fantástica https://www.facebook.com/events/459529537534723/, enfim. É isso, espero que gostem!



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Minhas mãos, por um instante, enrijeceram. Eu podia sentir aquilo invadindo meu corpo, percorrendo minhas veias e artérias, tornando-me outra. Minha vestes estavam banhadas em suor e minha mente não conseguia se concentrar em nada.

Era o poder.

Eu podia escutar um grito partindo da vila mais longe daquele local como uma pena dançando no céu. As coisas se moviam de forma mais lenta e dentro de mim, nascia o desejo de mais. Eu ansiava por mais, aquilo não podia cessar.

Sorri e levantei-me como se tudo agora estivesse aos meus pés. Nada me deteria, nem mesmo meus medos conseguiriam tal façanha. Olhei em volta e vi que aquela figura sem face continuava me fitando e eu falei sem titubear:

— Quero todos mortos.

Dois dias antes

Faltava um dia para o meu casamento. O meu vestido azul já estava pronto, pois meu pai me presenteou assim que a notícia da realização desse sacramento fora divulgada. Dizia ele que aquele vestido foi repassado de geração em geração pela família de minha mãe. Eu não estava feliz ou ansiosa, na verdade, eu mal conhecia aquele homem que iria me tomar como sua. Aceitava apenas por necessidade, pois minha madrasta sempre me falou que o dever da mulher é obedecer e cuidar da família.

Em meus dezesseis anos de vida, pouca coisa me fora oferecida, mas muito fora cobrado. O meu trabalho era ajudar meus pais na colheita, pois os impostos cobrados pelo senhor feudal eram altos e se nós não conseguíssemos o mínimo, provavelmente não teríamos como nos alimentar.

Meu pai estava pagando a corveia, por isso ele não era muito útil para a nossa família neste momento. Essa obrigação consistia no trabalho gratuito ao senhor feudal durante um certo período de tempo. Fato que diminuía drasticamente a nossa produção, porque meu pai sempre fora o melhor no plantio e colheita.

Eu iria me casar com um primo distante. Ele era quinze anos mais velho e o vi poucas vezes. Apesar de estar indiferente com aquilo, ajudei meus pais a escolher o meu futuro marido, pois nossa família não possuía muitos bens, por isso, não havia muitos pretendentes, pois o dote que poderiamos pagar era irrisório.

Tive sorte por ter nascido bela, pois esse meu primo, nas poucas vezes que me viu, encantou-se por meus cabelos negros ondulados e olhos verdes. Muitos dos vizinhos me chamavam de bruxa e até já fui cogitada inúmeras vezes a ser queimada viva, mas nenhum indício de bruxaria foi encontrado.

Tolos.

São todos tolos.

— Luckard, ajude-me a retirar a mesa – disse minha madrasta.

Assenti com a cabeça e retirei toda aquela sujeira da mesa. Nós tínhamos acabado de orar, embora eu considerasse aquilo uma mentira. Aqueles pedidos não passavam de palavras pronunciadas ao vento, pois ninguém nos escutava. Nós nascemos na miséria e morreríamos na miséria.

— O que é essa marca escura em tua mão, garota? – minha madrasta me olhou assustada.

Olhei para o meu braço, não acredito...

— Que marca? – perguntei.

Ela olhou novamente, segurou meu braço com bastante força, mas nada estava ali. Estava como sempre, branca e pálida.

— Posso jurar que vi uma estrela de sete pontos em tua mão, menina – ela falou, ainda absorta.

— Impressão tua.

Olhei para a janela, o sol já estava se escondendo e a noite logo cairia como uma singela brisa em dias nublados. Ela, a noite, minha querida e companheira de fuga, cujos segredos escondia de um mundo injusto e ingrato. Porém, eu não era hipócrita, muito menos meus ascendentes, nós sabíamos da verdade.

Nós éramos a verdade.

Assim que todos dormiram, vesti um cotehardie preto e vermelho, cujo vestido interior era a parte vermelha do vestuário e era justo, marcando, dessa forma, um pouco o meu corpo. Já a sobre-túnica ficava na parte exterior, ela era preta e bastante ampla, possuía também aberturas no cotovelo, revelando mais um pouco do vermelho sangue de meu vestido.

Com aquela roupa, minha cintura ficava um pouco marcada e minhas pernas possuíam um pouco mais de movimento, pois a sobre-túnica se abria da cintura até os pés. Sorri e saí de casa.

Ninguém notaria minha ausência, tampouco me perguntariam aonde eu iria. Isso me concedia um pouco mais de liberdade para ditar minha própria vida noturna – que era bastante movimentada e desvairada. Todas as sextas-feiras eu fazia isso e a cada semana eu a enfrentava por esse motivo.

Não demorou muito para eu chegar àquele local aparentemente fúnebre. Bati na porta duas vezes e um homem de cabelos negros e barba grande a abriu, dizendo:

— Demorastes tanto por qual motivo?

— Questões familiares – o respondi olhando de soslaio.

Assim que entrei, senti um aroma de pinhas e margaridas no ar, o clima estava mais leve e as cores circulavam calmamente, quase como uma melodia. Algumas fadas aproximaram-se de mim e cochicharam coisas inaudíveis. Elas eram tão pequenas! Um pouco maiores que minha mão.

A maioria ocupava o espaço daquela casa a rodeando, era impossível de entender sua direção ou sua posição ao mesmo tempo, pois voavam tão velozes e tão majestosas, como se o ar as tivesse chamado para dançar. Às vezes, eu até sentia inveja, pois queria aquela liberdade que elas tanto possuíam.

Quem olhava para aquele local, repleto de beleza e cor, não acreditaria que se tratava de uma taverna, aparentemente abandonada e com cheiro de podridão em sua faixada. Lá dentro, eu facilmente me distraia e, por causa dessa minha desatenção, não percebi que os humanos daquele local formaram um círculo ao redor de mim e me conduziam ao centro da sala.

Eu amava aquele local, antes da morte de minha mãe, ela me ensinou a chegar aqui e disse que seria o local mais seguro. A partir de então, passei a frequentar rotineiramente os cultos, que aconteciam nas sextas-feiras pela madrugada. Eu conhecia todos daquele local, desde o mais velho ao mais novo. Para mim, eles eram a minha verdadeira família e eu não os trocaria por nada deste mundo.

Eu sou quem sou por causa deles.

— Tua iniciação acontecerá na sua noite de núpcias – disse o ancião daquele local, cujo nome era desconhecido por todos que frequentavam os cultos.

Olhei para aquele homem idoso, suas rugas pareciam cadeias montanhas brancas e o seu olhar era mais afiado que uma espada. Não entendi as suas palavras, seria impossível fugir nessa noite.

— Creio que tu não compreendes a situação – eu disse ao idoso – será impossível eu vir aqui nessa noite.

— E tu não virás – ele disse – tu usarás o sangue do homem que irá despojar tua virgindade e invocarás teu senhor.

— De quanto sangue eu preciso?

— De todo o sangue – ele respondeu.

— Matar meu futuro marido? – perguntei assustada, certamente isso não seria um bom começo de casamento.

— Cada escolha requer um sacrifício e trará uma consequência.

— Meu pai está vivo e foi minha mãe que me revelou esse mundo, como ela fez isto? – o questionei, aquilo não poderia ser assim!

— Adultério – ele respondeu

— Respeite a memória de minha mãe!

— Ela fez o necessário para isto! – Retrucou uma mulher atrás de mim chamada Lucia.

— Eu serei morta! – respondi amedrontada.

— Ninguém saberá. – Disse o ancião aparentemente calmo.

— Como não? Tenho apenas uma noite para isso, onde encontrarei um homem discreto o suficiente para realizar isso? Vós soubestes muito bem o que ocorreu com minha mãe, ela morreu decapitada! E se eu resolver matar meu esposo, tu não achas que se um marido morre na noite de núpcias, a culpada não será sua esposa? A sociedade acredita que a mulher está mais suscetível ao pecado!

— Tua missão requer uma maior cautela. Tens um dia para isso, pense no que fará. – Ele falava aquilo com a maior tranquilidade do mundo, mas tenho certeza que não seria tão fácil assim.

— Eu não serei assassina e adultera! Eu padecerei nas mãos dos homens, meu corpo se desfalecerá de tanta dor e morrerei dias depois! – disse.

— Pois seja apenas assassina. E tome bastante cuidado. – o ancião respondeu.

— Deve haver outra forma – retruquei.

— Caso tu se acovarde e não faça o rito de iniciação, tua memória será apagada e nada desse mundo, muito menos a magia que aprendeu a conjurar, sobreviverá. Não restará nem mesmo os sonhos! – assim que o ancião terminou de falar, ele se virou, talvez por sinal de repúdio ou desinteresse com a continuação da conversa.

— Sugiro que mate seu marido, afinal, ele mora em outro feudo e tu será levada com ele para lá. – disse Lucia, uma das mulheres mais velhas daquele local, sua face possuía muitas rugas que assustavam as crianças e nos faziam repensar sobre a velhice.

— Quanto a isso, caso você adultere-o, não se preocupe, teu poder será suficiente para vir aqui todas sextas à noite. – completou o ancião se virando para mim novamente.

— Por que me disseram isso agora? Eu poderia ter realizado esse ritual há muito tempo!- levei minhas mãos à cabeça, estava desesperada, meu mundo acabara de desmoronar e pouca coisa eu poderia fazer.

— Qual sua idade, senhorita? Dezesseis anos? Ideal é dezenove! Contamos-te isso agora, pois foste tu quem escolheu casar agora e um dos requisitos da iniciação é o sigilo até um dia antes do casamento. O ideal é que tu faças com teu noivo. – continuou o ancião.

— Já não sei o que pensar. – Disse – quando a hora chegar, o que deverei fazer?

— Corte a garganta! Diga as palavras que achar necessário para invocar o teu senhor e então ele aparecerá. Peça a iniciação, somente isso!

Minhas mãos estavam trêmulas, meu coração palpitava freneticamente. Em minha mente, um turbilhão de ideias surgiram, mas nenhuma sã o suficiente. Eu deveria fazer aquilo, minha felicidade dependia daquilo. O que fazer?

Caso mate meu marido, serei viúva e a vida de viúvas não vale a pena ser vivida. Eles a marginalizam muito e nesse caso o meu único refúgio seria as madrugadas das sextas. Mas, em contrapartida, se eu o adulterá-lo estarei sujeita a todas as punições e terei de deitar com alguém que não conheço.

[...]

No outro dia, todos os sintomas de ontem continuavam. Enquanto eu preparava a casa para o casamento, percebia minhas mãos cada vez mais trêmulas. Eu suava bastante e estava extremamente inquieta. Pensei no que fazer nessa noite e como eu iria conseguir algum homem para isso. Eu não poderia me passar por prostituta, pois elas são encontradas apenas nos prostíbulos e provavelmente alguém iria me reconhecer. Talvez o ideal seria matar meu noivo.

— Lukard, venha aqui, pois o Sólon, teu noivo, chegou! – Disse meu pai.

Quando cheguei à sala, vi um homem alto, de barbas aparadas e cabelos da cor de avelã. Seu olhar era vago e, embora apresentasse uma boa aparência, parecia surrado pelo sofrimento. Aquele homem merecia morrer pelas minhas mãos?

— Minha senhora? – ele cumprimentou beijando minha mão e ao mesmo tempo me olhou, seus olhos penetraram os meus, aquele olhar rasgou-me por dentro, ele parecia saber exatamente o que eu pretendia fazer.

Ficamos assim por alguns minutos até que meu pai nos interrompeu.

— Contenham-se, pois o casamento será amanhã.

O dia parecia se arrastar, era uma angústia interminável com pitadas de desespero e dúvida. A loucura, somente ela poderia me auxiliar, ou talvez meus impulsos que me tornariam menos covarde. Somente os instintos iriam me nortear até a solução mais plausível para isso.

Eu também deveria invocar meu senhor.

Durante a noite, jazia sobre o poço da minha casa o cadáver de um pombo. Fui até lá e conjurei a vida. Assim que fiz isso, as asas daquele animal mexeram-se novamente e ele pôde voar em paz.

Paz.

Eu preciso disso.

— Tu não sairás nessa noite.

Olhei para trás e vi meu pai segurando um chicote em sua mão. Ele parecia furioso, seus olhos refletiam a cegueira de um machista inescrupuloso. Seus punhos estavam cerrados e seus dentes por pouco não quebraram de tanta força que fazia em sua mandíbula.

— Tu és igual tua mãe, uma prostituta!

Ele se aproximou de mim e me bofeteou. Eu pensei em revidar, mas não seria o mais sensato a se fazer, pois para todos a mulher era propriedade do chefe da casa. Assim que chegamos em meu quarto, ele lançou o chicote contra mim diversas vezes. Eu gritava de dor. A cada toque da corda, sentia minha pele estalando, e em algumas partes ela até cedeu, dando lugar para meu sangue vermelho vinho. Diversas lágrimas desciam de meus olhos.

Mais uma chicoteada, mais um rastro de sangue em minhas costas.

Mais uma chicoteada.

Mais uma.

Assim que ele finalmente terminou de descarregar sua raiva em mim, senti que não conseguiria mais levantar, tudo em mim doía. E eu queria apenas sair dali, mas provavelmente não conseguiria. Durante toda essa sessão de tortura, pensei em usar minha magia, mas queria poupá-la para a iniciação. Além disso, não seria bom eu revelar aquele segredo ou então colecionar mais outra morte.

— Estou cansado de suas saídas noturnas, uma mulher de família não deve fazer isso nunca! Todos sabem do que você faz, menos seu primo. Confesso que tive muito trabalho para conseguir um noivo para ti! Não estrague isso! – ele ficou de costas e completou – Acorde cedo, pois o casamento será pela manhã.

No dia seguinte, fiz o que meu pai disse. Acordei cedo e me vesti. Meu corpo já não doía mais por causa da poção que fiz. Eu estava completamente curada novamente e nenhuma parte do vestido irritava minha pele.

Pensei no que estava prestes a fazer.

Aquilo seria meu passaporte para a liberdade, pois se eu matar meu marido não terei mais um dono e como viúva serie senhora de meu destino. Decidi não me importar com o que a sociedade falará, eles não terão poder sobre mim.

Olhei-me. O vestido azul era impressionante, era justo na cintura e possuía alguns detalhes em renda na parte da frente, suas mangas eram de cino e o véu era branco e pequeno. Ao mesmo tempo que estava feliz, senti-me igual à eles, aos hipócritas, pois eu estava ali, vestida daquela forma e prestes a fazer aquilo. Tanta beleza para um momento tão trágico.

Desci e eles já estavam a minha espera.

O sacerdote realizou o rito falando em latim, fato que não contribuiu muito para que eu tentasse prestar atenção, acabei ficando mais impaciente. Aquele momento parecia não acabar nunca, eu olhava para os lados, para os convidados, para os noivos, nada me distraía, nada fazia o tempo passar.

Entretanto, assim que se finalizou andamos praticamente desesperados para a festa. Na mesa havia um empilhado de pequenos bolos trazidos pelos próprios convidados. Para dar sorte, segundo as tradições, nós deveríamos nos beijar sem derrubar a pilha de pães.

Eu iria fazer questão de derrubar.

Sólon me puxou para perto do bolo. Ele elevou-se um pouco mais e eu pouco me aproximei para tentar beijá-lo, o fiz apenas porque senti sua mão agarrando minha nuca e me forçando a encostar nossos lábios. Sua língua estava úmida e o beijo se alternava em calmaria e voracidade. Aquilo não me desconcentrou e, por pura intenção, derrubei a pilha de bolos e escutei a desaprovação vinda dos convidados.

— Não se preocupe com isso, Lukard – disse Sólon – é pura superstição.

— Assim como bruxas? – Arqueei minha sobrancelha.

Nós nos aproximamos dos convidados e eles passaram a jogar grãos de trigo, como uma forma de desejar prosperidade a nós dois. Aquele clima acabou quando um homem acompanhado de alguns vassalos arrombou a porta. Suas vestes apontavam de onde eram. Eles estavam a mandado do senhor feudal.

— Eu, como filho primogênito e herdeiro de todas as terras, Martin, venho cobrar o imposto que agora vossa família nos deve – disse o homem.

— O quê? – meu pai parecia espantado – todas as dívidas estão quitadas!

— Todas, menos uma! – falou um dos vassalos.

— Segundo as ordens de meu pai, ele terá direito a primeira noite de todas as mulheres recém-casadas. Isso será uma recompensa, na verdade, vinda do senhor feudal. Pois por meio disso, ele concederá uma prole mais sadia aos seus servos. Tomem isso como uma doação.

— Então tome o que lhe é de direito – disse meu pai apontando para mim.

Sólon nada dizia, ele parecia indiferente e nem um pouco preocupado com essa situação. Ninguém naquele local estava surpreso, eu confesso que não sabia de tal instituto, mas não faria diferença.

Na verdade, tudo sairá melhor que o planejado.

O senhor feudal será a vítima da iniciação. Um sangue nobre. Farei minha iniciação com um sangue nobre, mais que perfeito! Corri para meu quarto e peguei tudo que era necessário para realizar o ritual: nove velas vermelhas e meu livro de feitiços. Ao guardá-los tentei desfaçar em meio a minhas roupas e voltei para sala de cabeça baixa.

Demoraram quatro horas até chegar ao castelo do senhor feudal. O sol já estava se pondo e a noite se apresentava mais sombria e gélida. Seria ali que eu seria despojada de minha virgindade, seria ali que eu iria oferecer a morte para ganhar uma nova vida sem cordas e amarras.

Entrei no castelo e ele parecia impiedoso, engolia-me a cada segundo. Não me perdoará pelo que farei. Os quadros olhavam para mim com desprezo, desdenho e sem um mínimo de compaixão. Eles me acusavam de assassinato, eu seria condenada a enforcamento.

Desonraria minha família.

Sorri com desdenho, pois pouco me importava.

Fui conduzida até o quarto que tudo ocorreria. Ele estava escuro, conseguia diferenciar apenas as paredes, o chão era revestido de arenito lítico circulares e, na cama, via apenas a silhueta de um corpo. O velho já estava lá.

Aproximei da cama e aquela silhueta levantou-se. Ele acendeu algumas velas e eu pude ver a luxúria em sua face. Ele lambeu os lábios e avaliou meu corpo. Apenas se aproximou de mim, não se deu nem o trabalho de tirar meu vestido.

Tudo ocorreu.

Findado o ato, eu sentia todo o meu corpo se revirando de nojo. Minhas mãos se recusavam a me tocar novamente. Eu não era a mesma e não merecia aquilo. Segurei a adaga com muita força e com um único golpe acertei sua jugular.

O sangue vermelho escuro começou a escorrer pelo pescoço do senhor feudal e ele tentava falar algo, mas não conseguia. O observei enquanto ele agonizava de dor até cair sobre a poça de seu próprio sangue.

Formei então um círculo com as velas que trouxe e prostrei-me no centro dela, ao lado do livro. Pensei em tudo que o ancião falou. Eu devo invocar meu Senhor.

Mas quem será meu senhor?

— Eu te ordeno, com tua força, dá-me o poder! Traga choros e ranger de dentes, sofra, morra! Da morte eu ganho a vida, da morte te trago a mim! Leve essa alma suja, guarde-a consigo. Veni vis ! Da mihi virtutem!

Assim que terminei de falar, o fogo da vela aumentou, o clima se tornou mais denso e o sangue formou em mim uma cruz de sete pontos. Era o heptagrama, o sinal de harmonia do mundo, era ele quem regia a vida, a dor. Era a perfeição.

Aquele ser sem face aproximou-se de mim. Dele, comecei a drenar todo seu poder. Tudo em mim revirava de uma forma que cheguei a ter espasmos musculares. Ora doía, ora apaziguava. Todo meu corpo passou a retorcer e sentia que eu teria me tornado aquilo que tanto queria.

Eu realmente fiz o certo?

Em vez de fazer o ritual da iniciação, fiz o ritual proibido, o supremo, aquele que todos desejam, mas poucos têm coragem de realizá-los.

Em vez de senhor, aquela figura agora era meu servo.

O mundo girava ao meu redor e minhas mãos, por um instante, enrijeceram, eu podia sentir aquilo invadindo meu corpo, percorrendo minhas veias e artérias, tornando-me outra. Meu corpo estava banhado em suor e minha mente não se concentrava em nada.

Era o poder.

Eu podia escutar de um grito vindo da vila mais longe daquele local a uma pena dançando no céu. As coisas se moviam de forma mais lenta e em mim nascia o desejo de mais. Eu ansiava por mais, aquilo não podia cessar.

Sorri e levantei-me.

Aquela figura sem face continuava me fitando e eu falei sem titubear:

— Quero todos mortos.

Assim que falei isso, escutei um enorme estrondo vindo da porta. Olhei para a origem daquele ruído e vi o ancião com mais doze bruxos. Sorri e senti que finalmente iria testar meus limites.

— Tu corrompestes a ordem de magos, do sangue e da traição fez seu poder, tu sucumbirás no próprio veneno!

— A carne vem do pecado, somente o espírito do Senhor nos dá o poder, ele é meu e somente assim me livrarei de toda a corrupção do mundo. Portanto, não digas que eu corrompi nada, pois minha missão será purificar esse mundo!

— Teus olhos, olhe para teus olhos! – Disse o ancião.

Olhei para o espelho e gostei do que vi. Era um vermelho lava que parecia hipnotizar qualquer um que o encarasse. Meu, todo poder era meu! Finalmente eu poderia ser livre de qualquer amarras.

Percebi que os bruxos começavam a movimentar suas varinhas em minha direção. Mas, apenas com a força do pensamento, desviei as rajadas de luz que se direcionavam a mim.

— Rendam-se, prometo que terão uma morte rápida e sem dor! – Disse a eles.

Eles nada responderam e continuaram erroneamente a me desafiar. Revidei com o próprio poder que emanava deles e fui derrubando um a um.

O primeiro foi Arthur, o mais novo da ordem, um enorme buraco foi formado em seu peito e eu ainda pude ver seu coração pulsando por alguns instantes. A segunda a morrer foi Doroteia, decapitei-a coma apenas o puxão vindo de meu poder, além disso, sua cabeça fora esmagada e parte de seu cérebro sujou

Em seguida, não dei-me o trabalho de verificar quem ou como estavam morrendo. Poupei apenas o ancião, ele seria o último e eu iria deleitar aquele momento com mais calma.

Assim que olhei para ele, sua mão comprimia seu peito com força, parecendo até que sentia dor. Sua expressão era de extremo desconforto, mas eu nada fiz a ele.

— Não me digas que esse espetáculo fora o suficiente para você morrer? – Gargalhei alto.

Ele então me encarou e se levantou. Soltou sua varinha e ficou estático, apenas me observando.

— Tu estas querendo uma morte rápida? Tarde demais, velho imundo! Quem está se acovardando agora?

Ele então se tornou um enorme dragão e veio de encontro a mim, usei minha magia para o derrubar, mas ele, ao perceber isso, voou para fora do castelo, quebrando aquela enorme parede pétrea. Criei uma corrente de magia e o prendi a mim.

— Tu não irás a lugar algum!

Ele então movimentou suas asas com mais velocidade e me arrastou entre as nuvens. Subi pela corrente que tinha feito até chegar ao seu tórax escamado. Transformei a corrente em uma espada e a finquei no centro de seu peito, perfurando seu pulmão e coração.

— Vós não sois páreos para mim!

Assim que disse isso, senti aquele ser sem face entrando em mim. Todos os meus ossos, músculos e tendões se romperam. Meus olhos reviravam de dor até enfim tornar-se totalmente branco. Sentia minha face se desfigurando. Tentava gritar por causa da dor, mas nada saía, talvez eu não possuísse mais boca.

Eu caia.

De onde eu estava até o chão demorou alguns minutos. Pouco a pouco eu perdia a minha consciência. Meu corpo já não obedecia mais meus comandos, tornei-me apenas uma espectadora daquilo que antes eu dominava.

Eu não tinha mais o controle de mim mesma.

Eu não era mais ninguém.

Meu corpo caiu no chão.


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Notas finais do capítulo

Então é isso, acabou! Beijos ;*



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