Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 50
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Chegamos ao fim de Blue Falls, caros leitores!
Fico felicíssima por quem chegou até aqui, e teve paciência com a Johanna e com meus períodos intensos de inspiração intercalados aos meus hiatos de silêncio e demora. Mas, enfim, aqui estamos.



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"Johanna, acorda!"

A voz me chamou, mas eu me virei nas cobertas e procurei não escutar.

"J, vamos..."

Agora eu sentia que alguém me balançava com as mãos.

—Ahn, que foi? - eu resmunguei.

Entreabri os olhos, e um Johnny embaçado apareceu na minha frente.

—J, são as primeiras flores silvestres do jardim! Finalmente primavera! - ele exclamava animado, puxando me pelos braços.

A neve finalmente derretera por completo, e as temperaturas se tornavam a cada dia mais amenas. Meu irmão ficava tão animado com o fim do inverno quanto eu ficara com seu início, meses atrás. Mas ele já havia me alertado: mais alguns invernos e eu esperaria pela volta do verão mais do que tudo.

—Você me acordou pra isso? - respondi já me virando novamente.

Mas ele não iria deixar que eu caísse no sono de novo:

—Ah você vai levantar sim.

Johnny então tirou minhas cobertas e começou a me puxar pelos meus pés.

—Ei, para com isso! - reclamei rindo enquanto chutava seus braços, até que ele me soltou e saiu correndo.

—Volta aqui! - gritei antes de começar a persegui-lo pela casa.

Ele foi até a porta dos fundos, e por ela saímos os dois para o jardim de trás. Corremos ainda em nossos pijamas por entre as flores silvestres, enquanto tímidos raios de sol em meio ao céu azul claro iluminavam nossa pele. Em certo momento ele parou exausto, e eu aproveitei para me jogar em cima dele e levar-nos os dois ao chão.

Ali fitamos o céu ambos deitados e ofegantes, enquanto Johnny fingia abraçar as flores e reverenciar o céu azul me fazendo rir.

—Eu nunca havia visto o céu aqui tão limpo - falei.

As montanhas no horizonte estavam totalmente visíveis, embora uma leve neblina ainda repousasse nos pinheiros do bosque.

—Não é lindo? - disse sentando-se - Me sinto a própria Alice entre essas flores - ele riu.

Levantei-me em seguida, tirando pequenas folhas que haviam grudado em meus cabelos e sacudindo os de Johnny para que caíssem as que estavam no dele. Observei seus olhos cor de mel, que foram do meu rosto até meu braço.

—Será que já cicatrizou? - ele disse dando um beliscão em minha tatuagem, algo que o entreteve por dias quando esta ainda estava recém feita.

—Já, idiota - eu disse tirando a mão dele dali.

Seguiu-se uma pausa.

—Por onde será que ele anda? - ele perguntou, e então senti meu sorriso vacilar.

—Ah Johnny, ninguém sabe. Ele está sempre por aí - respondi desconfortável, sentindo as lembranças voltarem duramente.

Já faziam 3 meses desde que Zac partira. Na manhã em questão, eu ficara tão chocada com a despedida que desmaiei no telhado, sendo sua imagem desaparecendo minha ultima lembrança daquela desventura. Johnny quem me tirou de lá, e por conta do frio permaneci desacordada por longas horas. Sob minha escrivaninha ainda repousava a caixa com lembranças, na qual eu coloquei todos os meus livros os quais continham sua caligrafia em poemas e o retrato que ele mesmo tirara um dia, antes colado em minha parede. Nos piores dias, eu abria a caixa e mergulhava dentro de Zachary Walker, só para ter certeza de que tudo havia sido real. A tatuagem em meu braço nem sempre era suficiente.

x x x x

Naquele fim de tarde fomos eu, Stan, Izzy e Nathan acampar no bosque atrás do Masefield, celebrando a chegada do calor. Fizemos antes um piquenique, e Laurie se juntou à nós um pouco depois. Ela usava uma coroa de flores e vestia uma longa saia esvoaçante. Aquele era o equinócio de primavera, dia do festival celta de Ostara.

Conforme o céu ficava púrpuro, acendemos uma fogueira e nos sentamos em volta.

—Pela primeira vez no ano o dia e a noite se fazem iguais - Laurie dizia animada, enquanto tecia agilmente uma nova coroa com flores silvestres.

Vai começar— Stan comentou enquanto bebia uma cerveja, fazendo Izzy rir em seus braços.

Os dois haviam assumido finalmente um relacionamento, e nunca me pareceram tão felizes quanto estavam agora.

—Stan, meu caro, esse é um período de energias românticas, pare de reclamar e aproveite - Laurie rebateu.

—Como assim? - perguntou Izzy curiosa.

—É o tempo de fertilidade Izzy, em que os Deuses na Tradição se apaixonam. O frio se despede, os ventos se tornam perfumados, o sol ilumina o mundo em flor. Não é lindo? - ela disse terminando a coroa, e colocando-a sobre minha cabeça.

—E essa alegria toda ein— comentou Nathan, sentado em nossa frente - Anda apaixonada que nem os Deuses, Laurie?

Risinhos percorreram a roda. Laurie revirou os olhos e se levantou, indo até alguns arbustos e colhendo novas flores.

—Oh Nathan, se o mundo está florescendo, por que eu também não estaria? Não faço parte do universo também, afinal? - dizia ela enquanto dançava por entre as flores, fazendo sua saia tremular no ar.

—O que ela andou usando? - Stan perguntou baixinho, mas Izzy lhe deu um tapa para que ele parasse.

A noite discorreu leve e calma, Nathan cantava músicas em seu violão e todos nós o acompanhávamos, bebendo cervejas e comendo alguns marshmallows dourados na fogueira.

—Como você tá, J? - perguntou Laurie baixinho do meu lado.

—Eu to bem - respondi, mas seus olhos castanhos pareciam ir mais fundo.

—Tem certeza? - ela insistiu.

—Bem, eu estou tentando né - assumi, enquanto tirava a coroa de flores e a analisava em meu colo.

—Mas está indo muito bem - ela sorriu, e colocou a coroa de volta em minha cabeça. - Sabe J, algumas coisas, uma vez que você as amou, se tornam suas para sempre.

E dizendo isso, ela se aproximou de mim e deu um leve e rápido beijo em meus lábios, em seguida se levantando e indo dançar em torno da fogueira. Permaneci onde eu estava a seguindo com o olhar, rindo incrédula de sua audácia.

—Gente, chamem os caçadores que a bruxa surgiu - gritou Stan, a fazendo sorrir ainda mais enquanto dançava.

—É Ostara, vocês deveriam fazer o mesmo - ela disse puxando Izzy para junto dela, que já usava também uma coroa de flores.

No fim sua energia acabou nos contagiando, e todos nós já estávamos em torno da fogueira com ela, sentindo o calor das chamas fazer nossa pele brilhar e transpirar. Mas estávamos nos divertindo muito para que nos importássemos com isso.

xxxx

Amanheci em uma barraca com Nathan roncando de um lado e Laurie encolhida do outro, por que ninguém queria dormir na tenda ao lado com um casal. Haviam flores jogadas por toda a parte, e quando engatinhei até a saída, Laurie se virou ainda dormindo e jogou seus braços por cima de Nathan, que resmugou algo e se virou também para o outro lado. Dei os ombros trancando o riso.

A aurora invadia o bosque, e o silêncio do amanhecer trazia uma paz rara ao ambiente. A fogueira, já apagada, emanava uma fina fumaça translúcida, e nossas mochilas ainda estavam jogadas em torno dela. Peguei a minha e coloquei nas costas para uma breve caminhada, sentindo a brisa fresca em meus cabelos e as flores na trilha sob meus pés.

Agora eu me encontro sentada nessa pedra, com meu sketchbook em meu colo e minha lapiseira entre os dedos registrando a paisagem. Enquanto o faço, mil coisas se passam por minha mente. Eu sempre usara a arte para exorcizar minhas angústias ou pensamentos em geral, mas nesse momento eu sinto acima de tudo uma plenitude na minha mente e na atmosfera. Talvez fosse a energia de Ostara como diria Laurie, mas eu sei que na verdade isso está vindo de dentro de mim.

Enquanto desenho a trilha que percorri, Oliver me surge em mente. Ele, que tanto amava aquelas florestas e me guiava tão bem por Blue Falls com seus passos silenciosos. Pergunto-me por onde ele anda nesse instante, e sorrio ao imaginá-lo levando seu eterno charme e mistério pelo redor do mundo. Por alguns segundos o vento parece me trazer alguma de suas valsas, e a ideia de não ouví-las novamente por um longo tempo me fez estremecer.

Viro a página do caderno, não é hora para lembranças agridoces. Desenho a fogueira da noite anterior, retomando o calor que as chamas me trouxeram e sorrindo ao reviver a memória da alegria que senti naquele momento. Mas sem que eu percebesse, me pego desenhando um par de olhos do outro lado das chamas. Paro assim que me dou conta.

A quem eu estou tentando enganar?

O garoto não sairá tão fácil da minha cabeça. Completo os olhos com o contorno triangular de seu rosto e com os fios desalinhados de seu cabelo descolorido. Observo meus rabiscos de grafite, sempre lamentando-me por não fazerem jus suficiente à realidade. Fecho o sketchbook, sentindo que já começo a ficar triste novamente. Enquanto fito o chão, uma pequena flor silvestre vem com o vento, e passa por meus pés continuando seu caminho. "Algumas coisas, uma vez que você as tenha amado, se tornam suas para sempre". A voz de Laurie me surge à cabeça, mas só agora pareci compreender o que ela havia dito.

Porque por mais que você tente abandoná-las, elas já fazem parte de você, portanto acabam sempre lhe retornando. Ou então te destruindo, se você deixar. A questão é que eu sinto que irei levar um pouco de quem amei um dia comigo para sempre. Guardarei eternamente uma dose dessas essências dentro de meu espírito, e haverão memórias que ocasionalmente sempre serão evocadas, trazendo risos ou lágrimas, mas de certa forma é por isso que a vida vale a pena, afinal. E se essa parte que eu carregue cresça tanto que se torne um fardo, eu não permitirei que me destrua.

O garoto de olhos azuis assombraria-me para sempre. O garoto de olhos cinza me traria memórias agridoces. Mas eu posso ser mais forte do que isso.

"Johanna, cadê você?"

Ouço a voz de Stanley, e então me levanto para voltar ao encontro de meus amigos.

Porém, alguns passos a frente, um farfalhar de galhos e folhas me chama a atenção: congelo onde estou, mas o barulho parece vir de longe. É então que me viro para trás, e percebo algumas folhas, muito distantes, tremulando.

E então, no instante seguinte, vejo um garoto de cabelos dourados passar correndo, muito rapidamente. Pelo mesmo lugar, alguns segundos depois, um homem alto usando cartola o persegue quase que na mesma velocidade, mas ele traz consigo pelo braço uma garota, trajando um vestido de noiva sujo de vermelho cujos gritos histéricos (ou raivosos?) ecoaram na imensidão do bosque até que desaparecessem por completo juntamente com seus espectros, deixando a floresta em paz novamente como se nada houvesse acontecido.

Pisco algumas vezes onde estou, incrédula. Me pego sorrindo.

"Jo-han-na, estamos indo aí-í"

Cantarola Stan mais perto, em coro com Izzy.

—Esperem, eu já to indo! - respondo após voltar a mim mesma, correndo de volta ao encontro de meus amigos.


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Notas finais do capítulo

Então pessoas, é isso.
Quem quiser imagens de quem eu me inspirei para a aparência dos personagens etc e tal me diga, que mando por MP (afinal nem todo mundo gosta, eu inclusive prefiro manter as imagens que imaginei quando leio algo)