Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 40
Obséquios




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Eu estava sentada no telhado em frente à minha janela, observando o sol se pôr no horizonte. O dia estava estranhamente quente e o céu pintado com tons de rosa e roxo por toda a parte. Havia certa monotonia, um silêncio e ausência total de movimentos naquele fim de tarde. Em um susto, ouvi a porta de meu quarto se fechar com um estrondo, e por ela entrou um Zac enfurecido, chutando as roupas jogadas no chão e derrubando os objetos e cima da escrivaninha. Assustada, congelei onde estava. Ele veio até a janela, olhou a paisagem como se a visse através de mim, e após fechar a janela voltou até o quarto. Me levantei cuidadosamente, e ao encostar a cabeça no vidro da janela percebi que ele não me via. Olhei ao redor, tudo estava um tanto quanto diferente. Tentei abrir a janela, mas o que eu fazia naquela atmosfera parecia não surtir efeito. Dentro do quarto, Zac colocou uma música altíssima em seu toca-CDs, enquanto acendia um baseado e tragava profundamente deitado no chão, fitando o teto e cantarolando os acordes pesados da música ao fundo. Uma voz abafada vinha do corredor, batendo na porta e pedindo para que ele a abrisse imediatamente. Zac, com os olhos avermelhados perdidos na imensidão dos pensamentos, parecia não ouvir, enquanto a fumaça enchia o cômodo fechado.

Ao piscar repetidas vezes, o cenário se dispersou em minha mente e fui voltando aos poucos à realidade da minha cama em meu quarto escuro pela manhã. Eu estava com meu colar de ônix apertado entre meus dedos, e as pernas encolhidas em posição fetal. Pela janela, o contraste com a recém vista de meu sonho era gritante. Mas estava tudo branco demais para ser apenas a velha neblina habitual. Levantei-me e ao chegar a janela, a surpresa: tudo estava branco, pois havia nevado durante a madrugada. Uma fina chuva de cristais caia do céu e se acumulava pelos cantos do telhado, nos galhos das árvores e por todo o gramado. Diante daquela paisagem, esqueci por alguns momentos do sonho estranho que tive. Em Portland não tínhamos neve. Aquilo parecia mágico.

Desci as escadas correndo, e fui até o quarto de Johnny chamando por ele. Eu me sentia uma criança.

–Johnny, acorda! – Exclamei ao entrar em seu quarto circular.

Ele ainda estava deitado, e resmungou como resposta antes de enfiar a cara no travesseiro.

–Johnny, é sério, vai – eu dizia enquanto balançava suas costas.

–Ah, que foi, J? – Respondeu ele com sua voz de sono, ainda sem abrir os olhos.

–Já olhou pela janela hoje?

–Eu não consigo nem olhar para você agora, irmãzinha.

Foi então que o puxei pelos dois braços, e o fiz sentar na cama à força. Só então ele abriu os olhos em um susto, e brigou comigo por estar o incomodando e etc. Ignorei e apenas apontei para a janela. Ele se espreguiçou e esfregou os olhos, e depois passou a mão nos cabelos em um movimento para trás. Quando pareceu finalmente focar o que via, esboçou uma expressão surpresa seguida por um sorriso como se tivesse entendido tudo subitamente.

–Você nunca tinha visto, não é?

Meus olhos provavelmente brilhavam. Fiz que não com a cabeça.

–Nesse caso, vem cá – disse ele ao se levantar, com uma energia repentina.

Ele desceu as escadas rapidamente, e eu o segui. Já na sala, ele colocou seu sobretudo marrom, e eu coloquei meu casaco igualmente ali pendurado. Ele jogou um par de luvas para mim, e vestiu os seus. Só então Johnny abriu a porta, me puxando pela mão para junto dele. O ar estava frio, mas não tão gélido quanto nos dias anteriores. A fina chuva de flocos havia cessado naquele momento. Ao descer da varanda da frente e dar os primeiros passos, senti o chão afundar levemente sob meus pés. Pegadas se formavam pela neve fofa atrás de mim. Johnny me observava contemplar o arredor, rindo da minha expressão maravilhada. Sem que eu percebesse, ele pegou um punhado de neve e comprimiu em suas mãos, jogando com força em mim, me tirando do transe. Quando me dei conta, ele me lançou um olhar travesso e saiu correndo para os fundos.

–Ei! – Gritei, correndo atrás dele.

Já no jardim dos fundos, peguei um punhado de neve próximo aos meus pés e joguei nele de volta, errando por pouco, o que o fez dar uma gargalhada que ecoou no bosque. E então uma guerra se iniciou. Como se fossemos duas crianças, em meio a bolas de neve voando de um lado a outro e tombos ocasionais, nosso riso acordou nosso pai que apareceu na varanda de seu quarto para ver o que ocorria. Ao compreender a cena, riu balançando a cabeça negativamente e voltou para dentro. Eu e meu irmão ainda estávamos apenas de pijamas por baixo dos casacos, mas de tanto correr não tinha como sentir frio. Finalmente, sentamos ofegantes no banco de pedra sob a árvore curva, um dos poucos pontos ainda não coberto pela camada branca.

A fina chuva de flocos retornou na medida que minha respiração voltava ao normal. Tirei minhas luvas e peguei uma estrela de neve que caia, observando sua estrutura maravilhada enquanto ela, em poucos segundos, derretia em meus dedos.

–Vamos entrar, to começando a ficar com frio – Disse Johnny se levantando.

Mas eu fitava o bosque, sem prestar atenção no que ele dizia. Entre as árvores, alguém caminhava rapidamente, vestindo um sobretudo escuro com uma touca que impedia que seu rosto fosse visto daquele ângulo em que eu estava. Continuei seguindo a pessoa com os olhos, até que sua silhueta desapareceu na floresta. Acima do bosque, as imponentes montanhas estavam com seus picos encobertos com neblina e neve.

–Não vai acabar congelando aí, hein– gritou Johnny já longe, entrando na porta dos fundos.

Só então me apressei para alcança-lo, e entrei sentindo o aconchego da atmosfera quente de dentro de casa. Minha mão estava gelada e levemente arroxeada, então recoloquei as luvas. Meu pai estava vestindo seu hobby e tomando uma xícara de café enquanto observava alguns esboços e plantas em um caderno. A TV da sala ligada no noticiário anunciava a chegada da neve e o cancelamento das aulas naquele dia, o que me deixou animada.

Após tomar um banho quente e vestir roupas adequadas, tomei uma xícara de café e resolvi fazer uma caminhada, mesmo com meu pai e irmão dizendo que com a neve eu estaria de volta em menos de quinze minutos. Revirei os olhos e fui mesmo assim, sendo que a chuva havia cessado novamente. Eu não tinha botas de neve, então havia colocado meu coturno de couro, que por ora servia. Saí pelo portão da frente e dei a volta até chegar no bosque dos fundos, ainda curiosa com a silhueta que vira caminhando por ali.

Ao me aproximar do local que pensava tê-la visto, observei a presença de pegadas mais adiante, que formavam uma trilha por entre as árvores. Instintivamente comecei a segui-las. Os passos eram bastante espaçados, e conforme a trilha avançava eles pareciam ficar mais frescas. Entretanto, em certo ponto, as pegadas se duplicaram. Parei por alguns segundos avaliando a situação. Olhei para os lados, mas o segundo par de pegadas não vinha de lugar nenhum: simplesmente começava ali. Olhei para cima, não haviam galhos naquele trecho para alguém ter pulado, apenas pinheiros. Continuei a seguir, dessa vez mais cautelosa. Estralava os dedos dentro do bolso enquanto dava meus passos cuidadosos, a paisagem branca tornava aquilo impossível de se reconhecer, como se a floresta tivesse se tornado um lugar desconhecido. Alguns pássaros cantavam timidamente acima de minha cabeça, mas o som do vento ao longe predominava. Os passos na neve não faziam barulho algum, e ao me dar conta disso olhei para trás instintivamente com aquela clássica impressão de estar sendo seguida.

As pegadas fizeram uma curva, se dirigindo para um corredor de árvores tão próximas que seus galhos se misturavam fazendo-as parecer uma coisa só. Os passos terminaram bem em frente de uma delas. Parei ali, aos poucos reconhecendo onde estava. De repente, ouvi vozes baixas muito próximas, vindas do outro lado das árvores. Espreitei entre algumas folhas cobertas de neve, e compreendi que estava diante da clareira. Ao reconhecer as silhuetas que estavam do outro lado, meu coração acelerou junto à sensação de que eu não deveria estar ali.

–Mas você tem certeza, garoto Wingfield? – A voz de Leonard dizia, estranhamente séria.

–Mordrake, eu já disse que isso foi apenas o que Johanna supôs ver. Ela alega que Zachary estava na cena do crime, sentado na sala do Antonie.

–Que cena peculiar... – dizia Leonard, ele estava sentado em um tronco com os cotovelos apoiados nos joelhos.

Oliver andava de um lado para outro, com as mãos nos bolsos do sobretudo, um mais pesado e menos elegante do que o que ele costumava usar, e com a touca abaixada atrás.

–Leonard, você tinha dito que ele não seria mais um problema – Oliver falou rispidamente para o outro, que imediatamente lhe lançou um olhar ameaçador.

–Mais respeito, garoto amaldiçoado – sua voz havia voltado ao tom sarcástico.

–Será que seus poderes não estão mais como nos velhos tempos? – Oliver desafiou, chegando mais perto.

Seus olhos cinza mergulharam dentro dos azuis pálidos de Leonard, que levantou a mão para Oliver sorrindo, enquanto a contraia e torcia lentamente. Oliver fez o mesmo, mas com um movimento diferente: sua mão tentava se fechar com aparentemente muito esforço. A expressão de Oli então mudou como se ele estivesse sentindo dor, enquanto Leonard ainda sorria, sua mão já totalmente virada. Em um instante, Oliver abriu a mão subitamente, como se parasse de resistir, e então foi lançado violentamente contra as árvores do lado oposto, caindo deitado na neve. Quando se sentou, ele respirava com dificuldade, e havia um corte jorrando um vermelho vivo do canto de sua testa sob algumas mechas dos cabelos negros.

Leonard se levantou, e foi até ele pegando-o pela gola do casaco e dizendo entre os dentes:

–Escute só garoto, estamos juntos nessa, então acho melhor você se comportar e me respeitar. Eu poderia ter te matado no mesmo segundo em que voltei se quisesse. Leonard Mordrake é um homem muito bom não é mesmo? Oh, é sim – disse afinando a voz, em um tom psicopata.

–Se o garoto Zachary realmente voltou - continuou ele - não fui eu quem falhei, e se falhei sendo o que sou, quem dirá você, cujo poder é tão inferior não é mesmo? Não pense que isso te livra de pagar o que você me deve.

Oliver tinha uma expressão totalmente impassível, mas que parecia não afrontar Leonard, que o soltou com violência. Oli passou a mão em seu corte e colocou as mechas que caíam na testa para trás.

–Não se esqueça da profecia – Oliver disse, com a voz rouca. – Se ela se concretizar, nenhum favor vai importar mais. Temos prioridades aqui.

–Mas até lá, meu querido, eles importam. Todavia, não pense que estou tratando as prioridades com descaso.

E então, Leonard se virou para mim discretamente, e sua voz surgiu em minha cabeça:

“Espero que tenha gostado do show, minha querida”.

Meus músculos se contraíram, e me afastei no mesmo segundo, correndo de volta pelo caminho oposto ao que fiz para chegar até ali. Ouvia o palpitar de meus batimentos dentro de meus ouvidos, e uma confusão de pensamentos subitamente se silenciou com a adrenalina se concentrando apenas em me fazer voltar para casa o mais rápido possível.


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