Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 39
Paranoia


Notas iniciais do capítulo

Queridos leitores!
Um mês sem postar, acho que bati meu record. Mil perdões, estudos para enem e vestibular andaram se acirrando nesse mês. Mas cá estou eu, e cá está Johanna de volta. Winter is coming to Blue Falls. Boa leitura! ♥



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Alguns dias se passaram e uma estranha calmaria parecia ter se instalado em minha casa. Eu havia pendurado o amuleto de ervas em meu quarto e desde então não houveram mais coisas caindo, portas batendo ou Leonard pelos cantos. Nossa família voltou a se reunir todas as noites para jantar, fazendo com que o clima fraterno parecesse finalmente ter retornado, como em nossos primeiros dias ali onde tudo parecia propenso a voltar ao normal. Aos poucos as decorações natalinas iam aparecendo nas vitrines das lojas do centro. No Masefield as pessoas começavam a discutir planos para as férias, e os casacos pendurados próximo à porta todas as manhãs iam se engrossando conforme a temperatura baixava, como um prelúdio anunciante do inverno. Eu estava um tanto quanto atarefada nos últimos dias, por conta da enorme quantidade de trabalhos de fim de semestre para entregar. Era comum me encontrar pesquisando na biblioteca do colégio durante os intervalos, a qual se tornava um local relativamente frequentado por conta da lareira, agora sempre acesa, que dava um ar confortável e aconchegante ao salão. Stan, Izzy, Nathan e Laurie passaram a se reunir lá, sentados nos tapetes entre os corredores e estantes, visto que o terraço agora amanhecia coberto com uma fina camada branca de gelo. Eu gostava do clima de união que o inverno parecia trazer ao colégio. As pessoas ficavam mais juntas, os ambientes mais calorosos por consequência.

Aquele havia sido mais um dia desses, no qual eu voltava para casa repleta de livros emprestados e camadas de roupa sob o casaco. Quando estava na quadra de casa, um dos livros que trazia sob o braço escorregou, e quando me abaixei para pegá-lo, algo no chão mais à frente refletindo a luz me chamou a atenção. Alguns passos adiante, o ponto que refletia na grama perto do bosque era na verdade uma pedra escura. Ao pegá-la, um fio prateado na qual ela estava ligada se revelou. Imediatamente reconheci: aquele era o meu antigo colar de ônix.

Com o colar entre os dedos, entrei em casa o fitando e pensando que diabos aquilo fazia ali. Chegando em meu quarto, analisei com mais cuidado, e percebi que o colar estava intacto, como da última vez que eu o havia visto. Sem nenhuma mancha de terra, limo ou escurecimento no metal. De alguma forma ele não havia sofrido a ação do tempo, o que o indicava que não havia ficado ali na rua desde o dia em que eu o perdera. Alguém o havia encontrado e perdido novamente, ou o material era realmente muito bom – coisa que eu duvidava. Coloquei o colar no pescoço, pensei no que Laurie diria. Uma fina chuva começou a cair lá fora, dando uma cor esbranquiçada e enevoada à paisagem.

Foi uma tarde calma, onde me dediquei em concluir alguns trabalhos e começar outros. Meu pai e meu irmão chegaram depois de escurecer – o que ocorria cada vez mais cedo. Meu pai estava mais animado do que nunca com seu novo projeto. A prefeitura havia decidido revitalizar as inúmeras estruturas abandonadas da cidade mantendo as características originais, e ele havia sido selecionado entre outros arquitetos para projetar o que iria ser feito. Tinha quem se opusesse ao projeto, pois muitas dessas casas e prédios eram atrações locais por terem sido atribuídas à histórias e suposições de serem assombradas. Porém eram também alvos de vandalismo e todo esse tipo de coisa, e a segurança ainda era prioridade da política dali.

Estávamos na cozinha conversando enquanto fazíamos o jantar, quando o barulho de uma sirene surgiu ao longe. O som aumentava conforme se aproximava, o que desviou nossa atenção e silenciou nossa conversa. De repente o som se estabilizou, como se tivesse parado ali por perto, antes de cessar por completo. Johnny foi até a janela da frente ver o que estava acontecendo.

–Tem uma ambulância parada lá na quadra de baixo – disse ele com o rosto no vidro – Algum dos vizinhos deve ter passado mal, já que a maioria é bem jovem e saudável – comentou ironicamente.

Fui até a janela também e encostei a testa no vidro para ver.

–Peraí, aquela não é a casa do sr. Parks?

–Quem é esse? – Perguntou meu irmão.

–Aquele do dia do Halloween, a gente pediu doces lá lembra? – Falei rapidamente, ainda tentando distinguir as formas no escuro ao longe.

–Ah tá, e você espera que eu lembre?

Uma multidão parecia se formar em torno das luzes vermelhas e azuis da ambulância.

–Deixem-me ver isso – meu pai irrompeu se enfiando entre nós. – Eu acho que devemos ir ver o que está acontecendo.

No mesmo momento, fui até a porta e coloquei meu casaco que estava ali pendurado. Meu pai vinha logo atrás de mim, enquanto Johnny ainda na janela dizia sarcasticamente:

–Ah não, vocês não tão pensando em se juntar àqueles curiosos né?

–Você vem? – Papai perguntou, já terminando de ajustar seu casaco.

Corri até o portão sentindo a grama úmida sob meus pés, com os passos de meu pai logo atrás e um Johnny resmungando ao longe “ta bem, ta bem” enquanto também vinha.

Cheguei ofegante até a outra quadra, me enfiando por entre as pessoas que haviam se acumulado até chegar na fita de isolamento que havia sido instalada no começo do gramado da casa. As luzes da ambulância refletiam nos rostos assustados e nos pinheiros ao longe, e havia uma viatura de polícia logo atrás, com luzes igualmente perturbadoras. As cortinas da casa estavam fechadas e podia-se ver luzes de flash vindas de dentro. De repente, a porta da frente da casa de sr. Parks se abriu e dois bombeiros segurando uma maca traziam um corpo encoberto por um pano branco. Houve um espanto geral seguido por um cessar de murmúrios, enquanto eu sentia meu coração acelerar. Meu irmão chegou logo em seguida atrás de mim, enquanto um falatório de “o que aconteceu?” se espalhava. Meu pai fez a mesma pergunta a uma senhora ao nosso lado, que me lembrei sendo a mulher da horta daquele mesmo dia em que pedimos doces.

–Ah sr. Dubrowski, uma tragédia. Parece que foi suicídio, mas os vizinhos mais próximos alegam ter ouvido ele gritando com alguém.

Eu estava perplexa. Senti o braço de meu irmão passando por trás de meus ombros, igualmente chocado. Um policial saiu com uma câmera no pescoço e diversos plásticos escritos “evidência” nas mãos, e pela porta aberta pôde-se ver a sala completamente bagunçada, e manchas vermelhas na parede.

–Mas foi violento? – Perguntava meu pai com voz tenra para a senhora.

A senhora fez uma cara trágica e baixou o tom de voz ao falar:

–Bem, parece que ele foi encontrado com os pulsos cortados na sala. Os quadros e troféus do filho falecido estavam caídos ao seu redor, e parece que havia algo escrito na parede em que ele estava encostado...

Ao ouvir isso fui andando paralelamente à fita de isolamento, a fim de aumentar meu ângulo de visão da porta da frente entreaberta. Diversos policiais saíam e entravam na casa, pessoas iam de um lado a outro e a ambulância saiu com sua sirene ligada a todo volume. Na parede oposta da sala havia algo escrito em letras disformes vermelhas escorrendo, mas de onde eu estava ainda não dava para individuar as palavras. Fui caminhando para a direita mais um pouco, até que um policial entrou e a porta abriu o suficiente para que só então eu lesse aquela frase ensanguentada: “Ele me obrigou”. Naquele instante, em um frame de segundo, tive a impressão de ter visto sentado em baixo da frase um garoto de jeans rasgados e cabelos descoloridos. Senti minha cabeça girar. Quando a porta foi fechada e aberta de novo, o garoto não estava mais lá. Minha visão ficou turva, e em alguns milésimos de perca de sentidos eu estava no chão úmido. As pessoas ao meu redor se afastaram e ouvi o grito de meu irmão vindo ao meu socorro. Junto a ele, outra voz surgiu vinda de outra direção, me chamando desesperadamente.

“Johanna?”

Pisquei diversas vezes, até que minha visão clareou. No céu sem estrelas, a luz da lua estava embaçada por conta da fina chuva que caía. Murmúrios se formaram. Só então individuei a forma de Oliver ajoelhado ao meu lado me chamando. Minha cabeça estava apoiada nas pernas de meu irmão, também ajoelhado, e meu pai dava graças a Deus em pé um pouco mais adiante ao me ver de volta à realidade.

–Que susto você me deu – Johnny disse com um suspiro aliviado.

–Em todos nós –completou Oliver.

–Oliver...? – Consegui falar. Minhas mãos ainda estavam trêmulas, talvez por conta da fraqueza repentina.

–Quem é você? – Meu irmão perguntou um tanto quanto grosso.

–Oliver Wingfield, amigo da J. – disse rispidamente em resposta. Pareceu haver certa tensão entre os dois.

Me sentei dizendo que estava tudo bem, e os dois se ofereceram para me ajudar a levantar. Dei uma mão para cada um, e no segundo seguinte eu estava de pé. Limpei meu casaco com as mãos, e então Oliver, com as mãos no sobretudo preto, parecia já estar de saída.

–O que você tá fazendo por aqui? – perguntei baixinho perto dele.

–Estava passando em uma caminhada e vi o movimento. Assim como você, suponho – ele disse, dando um sorriso com o canto da boca.

–Na verdade vim exclusivamente para ver o que estava havendo – falei fitando meus pés. – estávamos em casa quando ocorreu.

Oli mirou o horizonte pensativo, concordando enquanto eu falava.

–Oliver, eu vi uma coisa.

Sua atenção se voltou para mim, havíamos caminhado alguns passos e nos afastado um pouco da multidão que aos poucos se dispersava. Ele fez um movimento de cabeça para que eu prosseguisse.

–Eu tive a impressão... A impressão de ver Zac dentro da casa.

A expressão de Oliver pareceu incomodada, embora ele tentasse não transparecer.

–Tem certeza J? Pessoas criam imagens em momentos de tensão...

–Eu tenho certeza Oli, estou dizendo o que vi. E foi bem em baixo da escrita de sangue na parede, que era um tanto quanto sugestiva.

–“Ele me obrigou”... – ele murmurou, novamente olhando o horizonte.

–Oli, acha que Zac seria capaz de matar alguém? – Perguntei, juntando as peças em minha cabeça assustada com o resultado do que se formara.

Oliver deu uma longa piscada, como se estivesse irritado.

–J, eu acho que é pretensão demais achar que Zac esteja envolvido com isso. Você voltou a encontrá-lo?

–Não – respondi imediatamente, me contendo para não mencionar o amuleto. – Ele ainda está desaparecido, assim como Abby.

–Então é melhor que você pare de pensar tanto nele, para evitar esse tipo de paranoia – disse sério.

O fitei sem reação. Ele estava insinuando que eu estava ficando paranoica?

–Olha J, preciso ir agora – ele disse antes mesmo que eu falasse mais alguma coisa, se virando e indo embora.

Observei ele se afastar com seus passos rápidos e silenciosos, deixando para trás apenas o odor amadeirado de seu perfume no ar. Meu irmão me chamou ao longe e eu, involuntariamente relutante, voltei até ele e meu pai. Havia um jantar nos esperando. Um silêncio de morte nos acompanhou pela quadra até em casa, preenchido pelo barulho do vento nos pinheiros e no eco de corujas ao longe.


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