Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 3
Silhuetas




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Apenas a alguns segundos atrás eu me encontrava no meio de uma clareira, dentro de uma floresta selvagem. Era de noite, mas a luz do luar dava um brilho perolado mágico a tudo. Havia um circulo de fogo em torno de mim, e eu estava bem no centro dele, usando um cocar de penas sobre minha cabeça que descia até meus pés. Meus cabelos misturavam-se à miçangas e penas deixando-o ainda mais pesado do que de costume. O fogo cada vez mais próximo fazia minha pele transpirar e eu deveria sair dali o mais rápido possível, mas estranhamente eu não queria. Sentia como se a floresta fosse minha, como se o fogo estivesse sob meu poder. Eu estava no centro de tudo, eu podia sentir a glória pulsar em minhas veias. Até que me virei e vi Zac do outro lado do fogo, fitando-me, inerte.

Acordei com um sobressalto.

Meus sonhos costumavam ser lógicos, mas eu estava tão ansiosa para o dia de hoje e pensativa sobre o dia anterior que desconsiderei. Não podia perder tempo, em breve começaria minha primeira aula ali e não queria me atrasar. Abri a porta do closet e analisei o que seria adequado, mas acabei optando pelo meu longo suéter preto e branco listrado que vinha usando nos últimos dias. Após me arrumar, desci para preparar um rápido café e fui surpreendida por Johnny entrando sorrateiramente pela porta principal. Ele estava sujo de grama e com os olhos cansados, seu cabelo totalmente bagunçado.

–Meu Deus, o que aconteceu com você? – questionei rindo alto.

–Shhh, vai acordar o pai! Não preciso que ele me veja assim – Johnny respondeu tropeçando nas palavras e ameaçando começar a rir no final de cada uma delas. - O que tá fazendo acordada essa hora?

–Eu que te pergunto – retruquei - mas caso não se lembre, hoje começam minhas aulas.

–Se quiser uma carona... – começou a dizer, mas olhou pra si mesmo e caiu na gargalhada. Riu tanto que se curvou e sentou no chão, me perguntei que tipo de coisa ele tinha usado dessa vez.

–Olha, eu realmente queria muito me sentar aqui também e rir do seu estado, mas estou com um pouco de pressa – falei enquanto pegava minha mochila e me apressava em direção à porta, contendo o riso. - É melhor se levantar daí e tomar um banho caso não queira ser visto desse jeito – enfatizei as últimas palavras.

Johnny emitiu algum ruído afirmativo em meio a seu transe particular de risadas, mas não fiquei para entender. Apressei-me rumo ao centro da cidade, onde ficava o Colegial de Masefield. Havia muita neblina no caminho e eu sentia a umidade em meu cabelo, que começava a ondular nas pontas. As ruas eram muito tranquilas aquela hora da manhã, e conferiam paz para a caminhada.

O prédio antigo de minha escola ficava no coração da cidade. Tinha imponentes colunas na fachada, típica arquitetura clássica, era rodeado por uma sebe perfeitamente aparada e estátuas, como que protetoras. Seus fundos davam para uma floresta de pinheiros, como quase tudo por aqui. O estacionamento estava repleto de bicicletas e a maioria das pessoas chegavam a pé, o que me fez sentir um pouco mais confortável por não estar de carro. Em Portland, carro era praticamente sua identidade.

Assim que entrei me deparei com um enorme salão principal, e embora os objetos ao meu redor - o teto muito alto repleto de entalhes e pinturas, a tapeçaria sombria nas paredes, os bustos e estátuas por toda a parte - embora todos esses, o ambiente ainda era confortável. Me dirigi à recepção, onde me entregaram uma tabela com meus horários e classes. Caminhando pelo corredor, não pude deixar de notar olhares curiosos, o que me fez acreditar que a maioria das pessoas ali não estava acostumada com alunos novos. Observei atentamente a numeração das salas quando finalmente encontrei a porta com a marcação 212: minha classe.

Ao entrar, a maioria dos lugares já estavam ocupados e tive de me sentar aos fundos. As pessoas conversavam e não pareceram prestar atenção em mim, o que me fez relaxar um pouco. Desejei encontrar Abby ou Zac aqui, embora eu nem saiba exatamente quantos anos deveriam ter. Estava desenhando em um canto da mesa quando uma voz vinda de trás de mim falou:

–É melhor não fazer isso, todas as coisas nessa escola são um patrimônio histórico!

De fato, tudo ali aparentava alguns séculos. Virei-me, o tom divertido da fala me fez dar um riso contido. Quando focalizei o garoto ruivo sentado atrás de mim, ele me deu um sorriso.

–Sou Stanley, e você é provavelmente aluna nova. Bem vinda ao museu Masefield –disse impondo a voz. Seu jeito era muito espontâneo, o que me fez sentir um pouco mais confortável.

–É, sou Johanna... E aqui não é assim tão ruim! – me referia à decoração.

–Quero ver se pensará o mesmo daqui a algumas semanas – disse com olhar desafiador. – Apenas alguns dias e não aguentará mais ver estátuas e obeliscos.

Stanley parecia o tipo de pessoa que faz amizade com todo mundo. Seu cabelo era ruivo e ondulado, que lhe dava um aspecto um pouco bagunçado, e seu rosto repleto de sardas.

A aula começou e discorreu sem muitas dificuldades. Havia uma garota loira de óculos que frequentemente me encarava, mas quando eu a olhava, ela desviava o olhar. Assim que o sino do intervalo tocou algumas horas depois, Stanley imediatamente se levantou e me puxou pelo braço.

–Venha, temos que correr. Preciso te apresentar aos meus amigos - disse como se fosse a coisa mais urgente a se fazer naquele momento.

Deixei que ele me levasse, me perguntando se ele sempre era tão impulsivo. Havia uma banda se apresentando no pátio, onde um aglomerado de pessoas se formou. Passamos por todo o tumulto e Stanley se desviava agilmente de tudo parecendo uma raposa. O sol timidamente apareceu, fazendo muita gente se deitar ao gramado a fim de obter um pouco de calor. As peles pálidas refletiam o sol, demonstrando o quão raro sua presença parecia ser naquele lugar. Atravessamos o colégio e subimos algumas escadas. Chegando ao fim delas, havia uma porta com o aviso de “Proibida Entrada, Alta tensão”, em que Stanley deu algumas batidas.

–Quem é? – uma voz feminina doce questionou do outro lado.

–Quem mais seria? – respondeu Stanley.

Imediatamente a porta se abriu revelando um grupo de pessoas atrás dela.

–Stanley! Você veio! – a garota que nos respondeu lhe abraçou, desequilibrando os dois. Ela tinha cabelos castanhos e uma franja acima das sobrancelhas, usava jeans cintura alta e seu visual era completamente retrô.

–Izzy, essa é Johanna, ela é nova aqui e teve o azar de sentar em minha frente, sabe como é – ele disse e ambos se entreolharam rindo, como se aquilo não fosse inédito.

–Olá Johanna, eu sou Izzy e estes são Nathan e Laurie – ela me apresentou aos dois que estavam atrás dela, que sorriram para mim. – Bem vinda ao nosso esconderijo.

Stanley e eu entramos e o local era um grande terraço coberto por hera, onde havia toalhas estendidas no chão e mochilas jogadas. Todos se sentaram e havia um clima muito fraterno entre eles. Nathan era enorme e tinha cabelos castanho-claros cacheados, na altura dos ombros. Já Laurie tinha os cabelos lisos muito longos, em um tom branco acinzentado de tão descolorido, mas com raiz escura. Era quieta, todos conversavam e ela apenas acendeu um cigarro e observava. Stanley e Izzy tagarelavam sem parar, até que de repente a conversa tomou um rumo que me interessou.

–Tem visto a Abby? – perguntou Izzy.

–Acho que se por acaso tivesse chance, ela teria se escondido antes – respondeu Stanley em um riso.

–Vocês julgam demais ela! – dessa vez Laurie interviu. – Ela só está em uma fase crítica.

–Fase de quase dois anos conhecida como Zachary – comentou Nathan rindo.

Não podia ser apenas uma coincidência, acho que nomes não se repetiam tanto em uma cidade tão pequena como aquela.

–Esta Abby por acaso é uma de cabelos pretos desfiados? – todos se entreolharam com minha pergunta.

–Conhece a Abigail? – Perguntou Stanley, interessado.

–Mais ou menos... Eu a conheci na praça central esses dias, ela estava com um garoto.

–Zac, obviamente – disse Izzy olhando para Nathan, que riu.

–Abby costumava fazer parte do nosso clã – contou Stanley, fazendo todos rirem com o termo – Mas há cerca de dois anos ela sumiu na noite de Halloween e ficou desaparecida por dias. Quando retornou estava com Zachary. Eles não assumiram um namoro exatamente, mas estão sempre juntos. Ela mudou muito e saiu da escola, sem nos dar muitas explicações. Ele era muito estranho no começo, os dois na verdade. Mal os vemos ultimamente.

Fiquei pensativa. Toda a história me deixou ainda mais preocupada sobre o interesse deles em mim e na casa. Seguiu-se um silêncio, mas Izzy começou a falar sobre as aulas e o clima tenso desapareceu. Ela era adorável, parecia incapaz de fazer mal a alguém.

Depois da aula, me despedi de meus novos conhecidos e segui para casa. O sol desaparecera tão rapidamente quanto surgiu, dando lugar ao habitual nublado. Quando cheguei na ladeira que levava até minha casa, me surpreendi com meu portão entreaberto. Corri até a casa, mas o carro de papai não estava, nem o de Johnny. No completo silêncio, pude ouvir um barulho vindo do jardim de trás, mais precisamente passos. Apertei os punhos dentro dos bolsos. Dei a volta na casa devagar chegando aos fundos com o coração acelerado, mas já não havia nada lá.

Olhei em volta. O vento agora balançava as copas das árvores, e as nuvens opressoramente baixas e escuras indicavam uma chuva a caminho. Nervosa, me sentei no banco de pedra que ficava em baixo de uma das árvores curvas de nosso jardim. Respirei fundo. Olhei então para a janela mais alta da casa, que era a do meu quarto-sótão, e imediatamente senti um frio percorrer minha espinha: jurei ter visto uma silhueta me observando desaparecer.


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