Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 18
Ritual




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Sob a árvore curva do jardim de trás, Laurie começou a criar um ambiente. Ela estendeu uma toalha no gramado e sobre ela colocou o tabuleiro ouija que trazia em baixo do braço. Depois, posicionou os castiçais e acendeu vela por vela com seu isqueiro, enquanto ia terminando de tirar da bolsa os objetos que havia trazido. Estava escurecendo e eu sentia a brisa se tornando mais fria sob minha pele, arrepiada. Insisti para que entrássemos, mas ela havia dito que não era muito recomendável fazer aquilo dentro de casa.

–Use isso aqui – disse, colocando um colar em torno de meu pescoço. O pingente era um pentagrama de prata, assim como um dos colares que ela estava usando. – E vista algo preto.

–Isso é realmente necessário Laurie? – argumentei, achando aquilo tudo muito teatral.

–Se não fosse, eu não estaria fazendo. Sabe o que estamos prestes a fazer? Iremos nos comunicar com espíritos. – disse ela muito séria. - Você já deve ter ouvido histórias sobre coisas que acontecem quando pessoas tentam chamar seres de outros planos não é? – ela fez uma pausa, fazendo-me refletir. - Isso porque elas não fazem direito. Porque acham que as precauções são banais.

–Tudo bem, tudo bem – respondi, rendendo-me. - Irei me trocar.

–Não demore, já está quase tudo pronto.

Subi rapidamente as escadas de casa e já em meu quarto, sem pensar muito, coloquei o vestido preto que havia usado dias atrás no show. Soltei meus cabelos e voltei para o jardim.

–Perfeito! – disse ela quando me viu. – Agora vamos a algumas explicações.

Ajoelhamos-nos uma frente à outra, em lados opostos do tabuleiro. As velas brancas queimavam nos castiçais, e a luminária do jardim acendeu com o escurecer.

–Bem J, isto é um tabuleiro Ouija, acho que você já deve saber – ela começou:

"É um poderoso instrumento para nos comunicarmos com o mundo espiritual, e uma das maneiras mais simples de abrirmos portais entre os dois mundos. E isso que o torna também uma das mais maneiras perigosas quando feito errado. Deve-se sempre lembrar que é uma via de mão dupla: assim como usamos para nos comunicar com outro plano, o outro plano também pode utilizá-lo para se comunicar conosco. E isso nem sempre é bom. Até por que, quem garante quais entidades podem entrar através ele?"

Permaneci imparcial e atenta. Ela prosseguiu:

– Além do mais, estamos nos encaminhando para o Samhain, que faz com que o véu entre os dois mundos já esteja naturalmente diminuído. É um período com a energia perfeita para esse tipo de ritual. Mas não se assuste. Tenho muita prática com isso, quando feito do jeito certo é fácil manter tudo sob controle.

–Mas qual é o jeito certo? – questionei ainda descrente.

–As medidas que tomei. Por exemplo: pedi para você vestir preto, pois é uma cor de poder, receptiva e que concentra e absorve energia. Já o pentagrama é um amuleto de proteção, não só pelo símbolo em si, mas principalmente por esse já estar purificado e energizado para esse fim. Essas duas medidas simples já fazem com que se torne muito mais difícil acontecer algo com a gente, alguma possessão ou algo ruim durante a sessão.

Gelei. Possessão? Bem, aquilo poderia ser preocupante. Mas eu deveria manter a racionalidade acima de tudo, só topei aquilo porque ela insistiu.

– E o mais importante: isso só pode ser feito por pessoas que dominam o seu mundo interior, que são espiritualmente fortes. E eu sinto que você é. – concluiu, taciturna.

Ela então se levantou e traçou um circulo em volta da toalha estendida, marcando cada ponto cardeal com algum elemento enquanto murmurava algumas palavras às quais não ouvi. Ela acendeu o incensário que havia trazido e deu algumas voltas no sentido horário do círculo dizendo dessa vez em voz alta:

"Eu traço este Círculo e retiro dele todas as energias positivas ou negativas que não estejam ao meu favor. Nele nenhum mal poderá entrar e dele nenhum mal poderá sair. Que assim seja.”

Continuei me perguntando se aquilo era realmente necessário. Ela colocou o incensário de volta ao nosso lado e agora olhou em meus olhos.

–Vamos começar.

Colocamos nossas mãos sobre o ponteiro de madeira dando algumas voltas no sentido horário e Laurie pronunciou alto e claro:

–A sessão está aberta. Se há algum espírito aqui que procuramos que se pronuncie.

Meus dedos tremulavam sob o ponteiro. Metade de mim queria que ele se mexesse, e a outra sair dali dizendo que era tudo uma idiotice. Laurie repetiu a pergunta outras vezes e pediu para que eu me concentrasse em quem queríamos encontrar ali.

Quando eu já estava prestes a desistir, sentimos um movimento, que resultou em um choque no meu corpo. Ambas olhamos imediatamente ao tabuleiro.

O ponteiro começou movendo-se lentamente, seguindo para a letra “O” e sem seguida para a letra “I”.

Já não estávamos mais sozinhas.

–Quem é você? – Laurie estava de olhos fechados.

O ponteiro se moveu devagar, e foi até a palavra “Não”.

–Não precisa ter medo – ela disse, agora suavemente – conte-nos, quem é você?

Nesse momento, um barulho na grama me assustou. Olhei para o lado e um gato preto havia se aproximado. Ele se sentou no limite do círculo e nos fitou.

Ela estava ali.

–Você é a menina que eu vi aqui jardim? – dessa vez eu fiz a pergunta.

O ponteiro deu algumas voltas e foi levemente para a palavra “Sim”.

–Ahn, olá? – falei, sem muita certeza ainda do que dizer.

Lembrei-me então do que ela havia me dito em meu sonho, e no dia que eu a vi.

– Você tem algo para me dizer? – questionei.

Seguindo o mesmo padrão, o ponteiro deu alguns floreios e suavemente foi para “Sim”. Depois, levemente, letra por letra formou “C, U, I, D, A, D, O.”

Laurie obervava atentamente, com a mão no ponteiro junto à minha.

–Você me disse uma vez que estavam observando. Quem? – continuei.

O ponteiro vacilou. Ele ameaçou ir ao final do alfabeto, depois recuou, voltando ao centro, sem muita certeza do que fazer.

–Fique calma. – disse Laurie, com sua voz compassiva. – Qual seu nome afinal?

“A, L, I, C, E”. Dessa vez o ponteiro foi decidido nas letras.

–E quantos anos você teve?

“13”

–O que te aconteceu? – ousei perguntar.

O ponteiro tremeu e começou a formar letra por letra, dessa vez um pouco rápido, a palavra “A, S, S, A, S, S, I, N, A, T, O”. Laurie me lançou um olhar de advertência.

–Quem fez isso? – perguntei firme.

O ponteiro começou a fazer um movimento lento novamente, quando violentamente foi arrastado para um canto do tabuleiro. Nesse mesmo instante, o gato que passivamente nos observava chiou e saiu correndo, miando grosso.

Comecei a me apavorar, mas Laurie mantinha a calma, embora seu olhar fosse de alerta.

–Quem está aqui? – perguntou ela, firme.

“V, A, E, M, B, O, R, A”. O ponteiro se movia de maneira rápida e violenta.

–Não, você quem tem que ir. Não foi chamado aqui. – Ela dizia muito séria, enquanto eu queria sair correndo.

Seria essa uma boa hora para recomeçar o mantra “você não tem medo de nada” na minha cabeça? Sei que não se podia abandonar uma sessão no meio, mas eu estava realmente tensa.

–Só quer nos assustar, fique calma. – Laurie disse baixinho para mim. – Quem é você então? – ela perguntou novamente.

O ponteiro hesitou e em seguida, muito rapidamente, formou letra após letra: “L, E, O, N, A, R, D”. Quando terminou, na mesma fração de segundo, se arrastou para a palavra “Adeus” central do tabuleiro, voltando a ser inanimado.

Estávamos sozinhas novamente.

–Tudo bem com você? – perguntou Laurie, após um longo silêncio. O céu já estava praticamente escuro, e a brisa havia parado dando uma imobilidade sinistra ao jardim.

–Sim, só fiquei um pouco impressionada – respondi, mas a voz trêmula me denunciou.

Na verdade eu estava aterrorizada. Havia me comunicado com Leonard Mordrake. Isso não podia ser possível.

–Normal, mas você foi muito bem para sua primeira sessão. E bem, tirando algumas conclusões, pelo visto Leonard não foi exatamente um cara legal...

–Você acha que ele tem algo a ver com Alice? – agora a menina loira tinha um nome.

–Provavelmente... O jeito que ele a interrompeu sugere que houve alguma relação conflituosa entre os dois. Ou talvez ele só não tenha gostado de termos invadido sua propriedade no plano astral.

–Os mortos tem senso de propriedade? – questionei, sarcasticamente.

–Eles tendem a buscar sempre o que fora deles J. E também costumam voltar ao lugar de sua morte constantemente, por ser a lembrança mais clara de suas vidas. É bom não ter questões mal resolvidas com eles também: os mortos podem guardar rancor melhor do que os escorpianos. – disse, piscando para mim.

Eu não me considerava uma pessoa rancorosa, mas imediatamente lembrei-me de meu ódio por minha mãe. Talvez eu fosse um pouco.

–Quer tentar mais uma vez? – Laurie questionou, me vendo já relaxada.

Dessa vez fui confiante: coloquei os dedos sobre o ponteiro, em afirmação, com um olhar destemido.

Laurie fechou os olhos e colocou a ponta dos dedos junto aos meus.

–A sessão está aberta...

–Que idiotice. – uma voz seguida por uma risada nos interrompeu, me fazendo abrir os olhos.

Em segundo plano, encostado no tortuoso tronco da árvore atrás de Laurie, Zac nos observava rindo. Ele me olhava fixamente nos olhos, enquanto seu sorriso morria aos poucos em seus lábios. Sem que eu percebesse de imediato, o ponteiro dava lentas voltas no tabuleiro.


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