Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 14
Subsolos: Parte II




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Peguei minha bebida e fui até eles dar um oi provocativo. Eu estava um pouco chateada em meu interior por nenhum deles ter me convidado, mas aparecer ali despreocupadamente seria a melhor estratégia. Ao me aproximar, Zac foi o primeiro ao notar minha presença. Percebi pelo canto do olho que ele imediatamente fechou a cara, o que fingi não ter reparado. Eu ainda não havia terminado a aproximação quando Oliver me viu.

–Johanna! – exclamou. Todos os olhares da rodinha se voltaram a mim. – Mas que honra a sua presença, não sabia que você viria – disse ele quando chegou mais perto, e me deu um abraço apertado.

Por ser alto, seu abraço me envolvia quase que totalmente, o que era uma sensação reconfortante. Ele vestia um blazer escuro com as mangas dobradas, permitindo a visão de metade da sua tatuagem. Sua calça justa evidenciava sua silhueta esbelta.

– Oli, quem diria você aqui – comecei a dizer.

–Você está linda - disse ele em meu ouvido enquanto me abraçou.

Corei contra minha vontade.

Fui cumprimentar os outros. Laurie estava com uma saia até os pés e uma blusinha floral com rendas, combinação que a fazia parecer uma fada ou algo mágico. Ela tinha várias tatuagens pequenas na parte interna do braço, que eu nunca reparara por sempre vê-la usando casaquinhos no colégio. Ela sorriu a me ver, parecendo sincera embora seu ar fosse de preocupação, talvez com a situação.

Em seguida, Abby se aproximou agilmente como um gato e me deu um abraço.

–Johanna! Quanto tempo não é? – disse animada sorrindo. – Pensei que nunca mais veria você desde aquele dia trágico – gesticulava teatralmente dramática.

Já ela vestia uma saia com pregas e uma camiseta por dentro, com uma estampa de banda. Reparei que era a mesma banda que estampava os pôsteres do local, e deduzi que seriam eles que se apresentariam essa noite. Seus cabelos estavam ainda mais desfiados, como se estivessem recém-cortados, e ela usava o mesmo batom escuro de sempre. Zac, que estava ao seu lado, me deu um oi tímido, com certa distância como se toda a nossa proximidade adquirida em suas peculiares visitas fosse inexistente. Ele usava uma enorme camisa de botões estampada e desbotada sob jaquetas jeans. Seus cabelos, presos em um coque bagunçado, estavam mais amarelados do que o de costume.

Percebi que ele ficava estranho sempre que Abby estava por perto. Comecei a me perguntar por que Zac mantinha sua aproximação de mim em segredo. Em segundo plano, Laurie observava tudo como quem assistia à um teatro, parecendo analisar todo o contexto, vendo além do que está acontecendo visivelmente.

–Conhece o Coffin Club? – perguntou Oliver, percebi que se tratava da banda que estampava os pôsteres e a camiseta de Abby.

–Na verdade não, eu vim com meu irmão, nem sabia qual banda exatamente ia se apresentar - confessei.

–É a banda do meu primo – interrompeu Abby. – eles serão os próximos, acho que você irá gostar.

–Quem é seu irmão? – Zac perguntou com um súbito interesse.

Me dei conta de que ele realmente ainda não o tinha conhecido. Procurei Johnny com os olhos e ele estava com um grupo de amigos. Apontei para onde ele estava e ele acenou de volta ao nos olhar.

–É aquele ali.

–Nossa, como que eu nunca vi ele? – perguntou-me sorrindo, o que me fez sorrir também.

–Por que você o veria? – interrompeu Abby séria, o que fez Zac imediatamente olhar para mim como quem busca uma resposta. – Se a gente mal vê a Johanna, não veríamos seu irmão né – completou ela, agora em um tom divertido.

Eu e Zac respiramos aliviados. Não entendia o porquê, mas estava participando do seu teatrinho. Eu precisava logo de explicações.

De repente, um som de interferência de microfone fez todos olharem para o palco. O som parou e um cara anunciou que teríamos finalmente a atração da noite, a tal Coffin Club. Três rapazes subiram ao palco, todos vestidos com roupas escuras, blazers, suspensórios e gravatas. Abby começou a gritar do nosso lado, junto com diversas outras pessoas da plateia. O rapaz do meio, aparentemente o vocalista, tinha os cabelos vermelhos bagunçados e os olhos pareciam estar delineados com lápis. Perguntei-me se aquilo era algum cover de My Chemical Romance ou algum tipo de banda emo. “Vai ser legal” havia dito Johnny, “Você vai gostar” Abby disse. Poxa vida.

Conforme o som de plugs e interferências cessavam, a música começou suave, com o vocalista cantando em um tom baixo enquanto um piano acompanhava a guitarra limpa no fundo. Aos poucos, a música ia subindo de escala juntamente com o vocal, que se tornava mais lírico e dramático, cada vez mais sombrio. De repente, um pesado riff de guitarra distorcido deu início a um rock apocalíptico, conforme o tom continuava subindo e a letra da música se transformava em uma espécie de conto de fadas gótico, juntando cada vez mais vozes ao coro. Durou cerca de quatro minutos, terminando em uma grande explosão da plateia de gritos e aplausos.

Realmente, aquilo foi digno de um espetáculo. Gritei e aplaudi junto com as pessoas ali perto, eu estava até arrepiada. Zac ao meu lado riu de minha reação de surpresa, que provavelmente estava estampada em minha cara.

–Eu também subestimei eles na primeira vez – disse rindo, pegando minha mão com delicadeza. – Mas mesmo não sendo algo que se encontraria entre seus discos, os caras até que são bons não são?

–Sim, Deus, são incríveis – concordei ainda eufórica.

Neste momento, percebi que Laurie nos observava discretamente e soltei a mão de Zac por reflexo.

–Então vocês gostaram? – Abby se aproximou ainda em êxtase.

–Não esperava que fossem assim tão bons – eu disse, sincera.

Nisso a banda começou a tocar outra música, e Abby voltou para perto do palco aos pulos gritando.

–Ela sempre fica assim louca com eles? – perguntei rindo a Zac.

Oliver e Laurie se aproximaram formando uma rodinha.

–Na verdade achamos que ela já teve alguma quedinha nesse tal primo – comentou Oliver com um tom provocativo, olhando para Zac que pareceu não se importar.

Fomos os três até o bar pedir algumas bebidas, quando senti alguém me puxar pelo braço.

–Ué, quem são esses seus amigos esquisitos? – Era Johnny, que já estava com os olhos vermelhos.

–São meus amigos esquisitos, ué – respondi na mesma moeda.

Ele riu mais do que o necessário.

–Ok, depois me conte mais sobre, eu vou dar uma saidinha com o pessoal, acha que consegue se virar sozinha?

–Mas que ótimo irmão você é né?

–Eu sou – disse rindo e se afastando, enquanto me mandava um beijo e acenava tchau com as mãos.

Que ótimo, estava sem carona.

–Seu irmão parece ser um pouquinho irresponsável – disse Oliver aparecendo subitamente ao meu lado.

–Não sei como ainda me surpreendo - eu dizia incrédula, observando-o desaparecer por entre a multidão.

–Mas não se preocupa, eu te levo pra casa se precisar – ele falou suavemente. - Ou podemos ir para a minha – disse baixinho em meus ouvidos, rindo ao pronunciar as palavras deixando explícitas suas intenções.

Ri junto e fiz uma careta.

–Ok, ok, vamos lá pegar mais uma bebida – ele passou o braço por meus ombros e seguimos juntos até o bar onde nos aguardavam.

A noite foi passando despretensiosa entre drinks e conversas, com Oliver sentado ao meu lado na mesinha e Laurie ao lado de Zac, em nossa frente. Trocávamos longos olhares, como em um dos dias em meu quarto. Ele parecia falar melhor com os olhos. Sua mão brincava com o canudo de seu copo intocado, enquanto eu observava como o contorno de seu maxilar tinha um formato triangular bonito. Ele sorriu para mim e mostrou a língua, eu sorri de volta enquanto apoiava minha cabeça em um braço.

Naquele momento, me peguei pensando em Zac de outra forma. Ali, no ambiente escuro, com as luzes coloridas vindas do palco e aquele looping de riffs lentos de guitarra e baixo tocando ao fundo, ele estava tão bonito... Era como se fosse uma obra de arte para ser admirada ou decifrada. Ele era, afinal, um enigma. Não sei se foi com ajuda da bebida, mas foi naquele momento que eu idealizei que eu simplesmente não poderia gostar de Zac. E eu estava começando a gostar de Zac.

Quando me dei conta disso o sorriso foi morrendo em meu rosto, e ao piscar repetidas vezes vi que já estava começando a ficar tonta. Oli ainda ao meu lado passou o braço por minha cintura delicadamente, e nisso Abby apareceu elétrica por trás de Zac. Ela falou alguma coisa e bagunçou seu cabelo, o que fez ambos rirem, e então ela começou a lhe dar vários beijos.

E nesse instante todo o som do ambiente virou uma névoa em meus ouvidos. As vozes ficavam cada vez mais distantes, como se eu tivesse entrado em uma bolha. Tudo parecia acontecer em câmera lenta. Parecia o fim trágico de uma peça teatral, um despertar repentino de um sonho fantasioso. Comecei a me sentir mal e me levantei para dar um fora dali, me soltando bruscamente dos braços de Oliver, que protestou dizendo algo que nao consegui distinguir.

Desastradamente fui passando pelas pessoas, empurrando quem estivesse à minha frente. Chegando à escada que levava ao térreo esbarrei em alguns casais encostadas na parede, e sem olhar para trás quando me xingavam continuei subindo. Chegando finalmente à entrada, sentei-me em um banco da pracinha da frente do prédio. Respirando fundo no ar fresco as coisas começaram à voltar ao seu lugar. Os sons aos poucos pararam de soar como se eu estivesse embaixo d'água e tudo retornou ao ritmo normal. Ritmo que nunca havia mudado, pois o mundo nunca parou para uma desilusão pessoal.

Só aí que percebi que alguém me chamava de longe. Me virei e vi que Laurie vinha ao meu encontro.

–J, está tudo bem com você? Oliver está preocupadíssimo! O que aconteceu?

Pensei um pouco antes de responder. Não podia falar a verdade, que até para mim soava ridícula.

–Está tudo bem, eu só passei um pouco mal com a bebida e vim pegar um ar fresco – disse lentamente.

–Puxa, ficamos assustados com a maneira repentina que saiu – disse ao se sentar ao meu lado. – Mas já está melhor? – ela tirava os cabelos de meu rosto delicadamente.

–Estou sim Laurie, obrigada por se importar.

Então notei que ela congelou de repente. Sua mão estava passando pelo meu pescoço.

–Cade seu amuleto J?

–Ah, está falando da minha ônix? Eu perdi... – disse deslocada, surpresa por ela ter reparado.

Naquele momento era a última coisa que eu iria lembrar. Ela pareceu preocupada, como se aquilo fosse algo realmente ruim. E então começou a dizer com um tom urgente:

–Perder amuletos não é nada bom. É praticamente um mal presságio. Uma coisa é certa: vai começar uma nova fase em sua vida, se é que já não se iniciou – seus olhos estavam focados nos meus, ela falava como se estivesse em transe. - Você está vulnerável. Cuidado com o que você sentir, se seus pensamentos se tornarem confusos, e cuidado se coisas estranhas começarem a ocorrer com mais frequência.


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