Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 10
Confissões




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Ao abrir a janela, uma rajada de vento entrou pelo meu quarto juntamente com Zac, que estava com uma expressão indecifrável. Ele usava uma enorme flanela xadrez e seu velho par de Converses. Encolhendo-se, sentou em minha cama e olhou para mim. Só aí que me dei conta de que vestia apenas meu suéter preto, que embora fosse bem longo me fez voltar para debaixo das cobertas envergonhada. Ele continuou me fitando em silêncio, até que resolvi falar.

–Então agora é normal você aparecer pela minha janela assim? – meu tom era de sermão.

–Se você não se importar, acho que pode passar a ser algo normal – respondeu sem alterar a expressão, enquanto mexia nos cabelos com as mãos.

Perguntei-me onde estaria Abby, que até então vivia grudada em Zac. Era até estranho vê-lo novamente sem ela, não a via desde o incidente na clareira.

–Eu moro com outras pessoas, não seria estranho se elas percebessem que recebo visitas pela janela? – provoquei.

–Sou rápido, sei me esconder – ele não parecia estar a fim de brincadeira.

Zac sabia ser bastante mutável, em uma constante linha tênue entre estar adorável ou a beira de um surto. E no momento eu não diria que ele estava exatamente adorável. Ignorei sua presença e continuei desenhando, esperando que ele falasse logo o que desejava ao invés de eu ficar tentando descobrir. Psicologia inversa.

– Você esta saindo com o Oliver? – sua pergunta veio alguns minutos depois. Ele continuava muito sério.

–Você veio até aqui pra me perguntar isso? – larguei meu sketchbook e olhei bem em seus olhos.

Seria aquilo ciúmes? A atitude condizia com isso, mas de mim? Aquilo me pegou de surpresa.

– Johanna me responda. Por favor. - Ele se encolhia cada vez mais.

–Eu saí com ele sim, por que isso te preocuparia ou te diria respeito? – agora eu quem estava muito séria.

Zac respirou fundo e relaxou os ombros. Aos poucos, foi soltando os punhos e estalou os dedos.

–Desculpe, eu estava de cabeça quente. Não deveria ter vindo – disse começando a levantar, quando o segurei pelo braço.

–Não, fique. Tudo bem, vamos conversar como pessoas normais. Você é meu amigo, assim como Oli, tudo pode ficar bem certo? – mudei para um tom mais suave.

Não queria brigar com Zac embora suas atitudes estivessem sendo um tanto quanto infantis.

–Amigo? – Aparentemente essa palavra reverberou em sua mente.

–Sim, ele é meu amigo – decretei.

Havia algo entre os dois, algum tipo de inimizade implícita que eu queria descobrir. Percebi um clima estranho no dia da fogueira em que ele teve aquele seu ataque de ira e Oliver agiu como se já estivesse de saco cheio daquilo e dele. A reação de Zac ao saber de minha saída com ele apenas confirmava tudo isso.

–E você e Abby afinal, o que aconteceu? – mudei de assunto, após alguns minutos de silêncio.

–Ela sumiu desde aquele dia em que brigamos. E sinceramente, não fui atrás – um ar sombrio refletiu em seus olhos azuis por alguns segundos.

Aguardei para que ele continuasse. Ele se acomodou em pernas de índio e voltou a falar, enquanto puxava as mangas da camisa para cima:

–Sabe, a Abby sempre foi uma pessoa muito boa para mim. Ela me ajudou muito, quando... – ele fez uma pequena pausa, seus olhos não focavam nada em específico. - Digamos que quando perdi a cabeça em um determinado ponto do passado. Ela tem muita paciência comigo e é muito apegada a mim. Confesso que eu também costumava ser, ela acabou se tornando minha fuga. Só que ultimamente não está mais bem assim da minha parte, e não sei se ela irá se conformar. Bem, ela sempre volta. Não é a primeira vez em que nos afastamos. – Contou ele enquanto lembranças antigas pareciam passar diante de seus olhos novamente.

Zac parecia tão perdido às vezes.

–Parece que ela te ama, não é mesmo? – Arrisquei a pergunta.

–Sim. E infelizmente, nunca irei amá-la.

–Como pode ter a certeza disso?

– Se fosse, já teria o feito. – disse olhando para baixo.

–Você parece ter muitas memórias desagradáveis – comentei.

Ele fez uma longa pausa antes de responder.

– Sabe, eu costumava pensar que memórias eram como fotografias impressas de Polaroid – disse olhando seu autorretrato em minha parede – em que cada vez que você as revisse daria um sorriso. Quanto mais tiver, melhor, mais sorrisos. Mas aos poucos elas iriam se apagando, e um dia aquilo não importaria mais. Só que, de certa forma elas muitas vezes não se apagam. E na verdade memórias estão mais para lâminas, onde você sempre adquire uma nova cicatriz quando vai remexer.

Fiquei pensativa.

– O que te aconteceu Zac? – perguntei delicadamente.

Ele olhou fundo em meus olhos, com uma angústia de quem quer dizer algo que não lhe é permitido. Ao invés de me dar uma resposta, pegou minha mão e entrelaçou nossos dedos.

– Você faz com que eu me sinta bem Johanna. E fazia muito tempo que alguém não fazia com que eu me sentisse assim. Por isso gosto de vir passar um tempo com você, mesmo que vindo pela janela sem ninguém saber - ele sorriu sutilmente. - Mas talvez com o tempo eu te conte. Tem coisas que é melhor não se saber, ou se descobrir sozinho.

Continuamos ali, conversando sobre tudo e trocando confissões de nossos universos particulares. Quando não havia palavras, mantínhamos longos olhares e silêncios que estranhamente não nos eram desconfortáveis. Zac ainda aparentava estar um pouco abalado. Ele se deitou em minhas pernas, sobre a coberta, e voltou a se encolher fechando os olhos. Pensei em como já estava me sentindo próxima dele em tão pouco, o que me assustou. Acariciei seus cabelos loiros, analisando sua raiz que revelava a cor original de seus cabelos num loiro bem mais escuro. Daquela maneira Zac parecia uma criança inofensiva, ainda que indecifrável.

x x x x

Despertei algum tempo depois, surpresa ao perceber que tinha caído no sono. Zac já não estava mais ali. Supus que já teria ido embora; e pela janela novamente. Me sentia exausta. Peguei meu celular e eram três da manhã em ponto: a hora morta. Existe até um estudo sobre esse horário que diz que por ser o auge da madrugada, nossa frequência energética e batimentos cardíacos ficam extremamente baixos, o que provoca o despertar como precaução. Já religiosos acreditam ser a hora do demônio ou algo do tipo, uma hora propensa a acontecimentos malignos e aparições sobrenaturais, como toda crendice antiquada gosta de insinuar. Ri com a ideia.

Após alguns minutos sem conseguir voltar a dormir, levantei-me e fui até a janela observar o céu antes chuvoso, agora repleto de estrelas e iluminado pela bela lua cheia. Ao longe, achei ter visto algo vagando pelo bosque que identifiquei como o gato preto da menina que estava em meu jardim horas antes, mas meus olhos pesavam, eu estava sonolenta demais para considerar alguma visão. Nem deveria ser o mesmo gato. Continuei observando o movimento praticamente nulo, que fazia com que a vista parecesse uma pintura de tão estática.

Enquanto devaneava levei minhas mãos ao pescoço, mas ao sentir apenas minha pele imediatamente gelei: minha gargantilha de ônix não estava mais ali. Em uma ação desesperada procurei a gargantilha por todo o quarto, mas foi em vão, eu havia a perdido.

Voltei para a cama a fim de tentar dormir novamente, desejando que aquilo fosse apenas um sonho ruim.


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