One Night Stand escrita por Madame Bjorgman


Capítulo 3
A History to tell...


Notas iniciais do capítulo

Oláá minhas queridas Frozen Lovers!!! ♥♥♥
Antes de tudo, eu realmente quero pedir milhões e milhões de perdões pela minha ausência que durou indefinidamente por aqui. A minha própria consciência me recrimina por tão longa ausência... :(
O meu trabalho e tantos outros motivos pessoais me têm mantido afastada da escrita e de vocês. :( :(
Mas jamais pensei uma única vez em abandonar qualquer umas das minhas fics por aqui e ainda muito menos vocês!! ♥♥
Muito pelo contrário, independentemente do tempo que poderia levar eu sempre tive como objectivo prosseguir com qualquer uma delas. E por isso, aqui está: a 3ª parte desta Shortfic!! ♥ :3

Foi um capítulo que representou para mim um verdadeiro desafio. Foram várias as vezes em que, não satisfeita com o rumo que os acontecimentos estavam a tomar, apaguei e voltei a escrever, até conseguir sentir que se harmonizava com o que queria transmitir.

Bem, e sem mais demoras, irei deixar-vos prosseguir! ^_^
Só espero de ♥ que realmente gostem, e agradeço por toda a vossa paciência.
Boa Leitura minhas queridas! ♥♥♥



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~ 3 anos antes... ~

*Início de Setembro - no quarto de Anna, 23:45h*

Para Anna não existira maior luz na sua vida, ou maior encanto para os seus olhos que o charmoso e belo Hans Westergaard.

A sua memória já não a permitia lembrar-se com polida exactidão do derradeiro momento em que a presença deste homem prodigiosamente bonito tinha transposto os muros do seu quotidiano... as primeiras recordações que envolviam Hans encontravam-se já meio desgastadas pelo passar do tempo, e em grande parte, a responsabilidade pela ocorrência disso recaía agora sob a vontade de tentar esquecer que um dia ela tinha amado o principal instigador do seu desgosto. No entanto, apesar de se encontrar enterrada em sofrimento e rude melancolia, Anna ainda conseguia sentir a intensidade da irresistível atracção que se tinha operado, quase instantaneamente, no seu espírito.
Poderia afirmar que bastara uma singela troca de olhares, e Hans conseguira conquistar o seu coração por completo...

Foi com alguma indiferença que o olhar ainda energicamente desperto observou os ponteiros do relógio, que seguiam o seu compasso ritmado habitual, mas que para a
percepção de Anna, o tempo parecia arrastar-se com uma lentidão terrivelmente penosa. Ela sabia que era muito tarde, no entanto, não lhe seria possível adquirir o sono dos justos que tanto ansiava de forma pacífica.
Sendo atingida por uma repentina sensação de clausura, Anna ansiou por se libertar dos lençóis revoltos em redor do seu corpo, erguendo-se do leito. Com um movimento brusco, lançou-os para o lado, como se estes a repugnassem e saiu da cama. O primeiro golpe infligido ao seu coração multiplicara-se vertiginosamente com o decorrer das últimas horas, convertendo-se num enorme vazio que parecia aumentar por cada minuto dispensado em tentar compreender a razão que tinha levado à metamorfose da sua absoluta felicidade em algo completamente desastroso e deveras doloroso.
Mas rapidamente descobriu que cada investida empregue naquele processo sempre resultaria em frustração... ela nunca conseguiria compreender. Depois de tanta dedicação, de tantas demonstrações de carinho e sincero afecto... era esta a sua infeliz recompensa: traída, humilhada e desprezada por aquele que amara.

Cada uma destas palavras chicoteavam-lhe com frieza o coração ferido, fracturando em inúmeros pedaços o espírito de Anna, levando-a a agonizar por cada lembrança ainda fresca. Como iria suportar? Como iria sobreviver à dor de se descobrir traída?! Completamente perdida, entregou-se a uma marcha constante e repetitiva, percorrendo todo o comprimento do quarto, para cá e para lá, sempre num ritmo obsessivo.
Dando por si a levar as mãos aos cabelos, quase que sucumbiu à vontade de os puxar violentamente, tal era a intensidade da dor latejante no peito dilacerado. Mas os dedos trémulos apenas se deixaram deslizar, vacilantes, por entre os fios capilares... Anna encontrava-se demasiado cansada, até mesmo para tentar colocar em acção uma tentativa infrutífera de aliviar a sua dor.
Em vez disso, os olhos avermelhados inundaram-se de renovadas lágrimas, submetendo-a a um novo abalo emocional.

As muitas recordações felizes tinham esmorecido e por fim morrido dentro de si ao desvendar-se o ato ingrato de traição. A entusiasta retribuição de Hans aos seus sentimentos cessara de ser uma certeza absoluta, em vez disso, tornara-se completamente nula. A forma intensa e apaixonada de como o encarava transformara-se num cadáver moribundo dentro do seu coração. Anna colocara-o no epicentro da sua vida mas este caíra do pedestal, em evidente consequência das acções traiçoeiras.
Naturalmente que Anna não tinha a culpa de Hans ser um homem ingratamente infiel, tudo se resumia a uma questão de carácter, mas ao descobrir-se demasiado ingénua e cega durante todo este tempo era o suficiente para a impelir a censurar-se e a criticar a doce ilusão em que vivera, ao lado de um homem que acabara por revelar uma outra face que lhe era completamente desconhecida...

 

~ 4 dias antes ~

*Sexta-feira - Casa de Hans, 22:15h*

O dia fora extenuante para Anna, mas a carinhosa expectativa de usufruir da companhia de Hans faziam-na sempre esquecer quase por completo todos os aborrecimentos a que estivera exposta durante aquela semana atarefada...

Aconchegando-se um pouco mais junto ao corpo de Hans, Anna permitiu-se em procurar a satisfação calorosa que uma proximidade intimista proporcionava. Naquele momento não desejaria de forma nenhuma estar num outro lugar, privada daquele que fazia o seu coração sentir-se satisfeito e preenchido... Mas, por seu lado, Hans dormia já profundamente, absolutamente indiferente a uma segunda presença na sua própria cama.
Numa tentativa carinhosa, o braço e a mão feminia tentaram circundar parte do corpo adormecido ao seu lado, mas em contrário do que poderia esperar, Hans afastou-se inconscientemente do seu abraço, virando-lhe as costas deliberadamente, emitindo um baixo som gutural inteligível, próprio de alguém que não se agrada em ser incomodado durante o seu descanso nocturno.

Era uma atitude que numa outra circunstância perfeitamente normal, passaria facilmente incólume, desprovida de qualquer importância. Mas esta mesma acção, aparentemente inofensiva, parecia agora ditar um infeliz presságio, que nem mesmo Anna conseguiria adivinhar como este estava tão perto de acontecer.
No entanto, apesar de ainda nem suspeitar, foi-lhe permitido sentir a sua negatividade, reforçando assim a expressão de inquisidora e a confusa estranheza que se abatera sob o seu rosto naquela noite, depois de verificar que o comportamento de Hans tinha sofrido algumas mudanças repentinas. A realidade desta conduta estava a tornar-se assustadoramente palpável aos olhos e consciência de Anna, provocando confusão e terror no seu íntimo. Poderia ela ter feito algo de errado? Da última vez em que se tinham encontrado, não havia quaisquer indícios manifestos deste comportamento. (Ou estes estariam apenas temporariamente inactivos, ocultos para o seu discernimento?)
Outrora existira doçura e solicitude no olhar de esmeraldas, existira paixão sincera nas palavras que se libertavam dos seus lábios... mas nesta noite, encontrou apenas os fantasmas de todo esse fulgor. A chama no olhar que tão bem conhecia tinha-se extinguindo, dando lugar a uma frieza mal contida que dominava de forma quase absoluta os seus gestos e palavras. Passado o espanto inicial, depois de descobrir esta nova forma tão insípida nos modos de Hans, ela tentou arduamente encontrar um motivo que pudesse ter desencadeado aquela estranha indiferença, mas as suas buscas não produziram qualquer resultado satisfatório.

Ao ponderar em tudo isto, sentiu-se incapaz de adormecer. Os pensamentos circundavam e analisavam minuciosamente cada pormenor infeliz nas atitudes vagas e pouco entusiastas do ruivo durante o jantar decorrido naquela mesma noite. Não houve uma única vez em que ele elevasse o olhar e pronunciasse uma palavra ou comentasse algo que tivesse ocorrido consigo durante todo o dia. Em vez disso, toda a sua atenção recaíra sob a refeição e apenas na refeição, excluindo Anna deliberadamente, como se a sua presença não tivesse qualquer importância.
Em resposta a esta manifestação hostil o coração da jovem apertara-se mas, por mais que desejasse indagar, os seus lábios permaneceram celados numa forte linha de confusa tristeza, observando com atenção comedida cada gesto do seu companheiro.
Em consequência disso, Anna mal tocara na comida.
Limitara-se apenas em remexe-la ocasionalmente com as pontas do garfo, de forma bastante vagarosa, enquanto contemplara Hans a comer sem grandes interrupções...

Abateu-se uma grande tristeza sob Anna, que acabou por desistir do abraço afectuoso e afastou-se um pouco do corpo de Hans. Deixou-se por isso deslizar até ao recanto oposto do leito e procurou aconchegar-se inutilmente nos lençóis, tentando dormir.
Mas, subitamente, uma luz invadiu o quarto mergulhado em serena calma, e Anna, encontrando-se naquela noite com os sentidos mais aguçados do que realmente desejaria, apercebeu-se da presença desta. Elevando-se um pouco na cama, o seu olhar encontrou o ecrã do smartphone de Hans.
Consumida por uma curiosidade devoradora, a sua cabeça foi invadida pela vontade de se levantar e tentar descobrir a razão pela qual o aparelho tinha-se manifestado a uma hora tão tardia, mas deteve-se por uns momentos. E se fosse apenas uma notificação banal, desprovida de qualquer interesse? Valeria a pena correr o risco de acordar Hans e ser descoberta no mesmo instante com o smarphone nas mãos?!

Mas se não o fizesse, ela saberia que não teria descanso enquanto não descobrisse algo que justificasse satisfatoriamente a mudança relâmpago que se operara na forma como fora tratada naquela noite...
Depois de muito hesitar, Anna abandonou o leito, e dando passos cautelosos aproximou-se da mesa de cabeceira, onde repousava o smartphone já desprovido da sua luz. Num movimento rápido retirou-o do seu lugar, lançando em seguida um olhar nervoso na direcção dos contornos do corpo inerte sob a cama. Para seu alívio, nem um músculo de Hans se moveu, este continuava a dormir tão profundamente quanto antes.
Com um toque leve dos dedos ansiosos, a luz voltou e com ela trouxe a exibição de uma notificação em como havia uma nova mensagem. A curiosidade aguçou-se um pouco mais com o vislumbre daquele envelope virtual, mas a mente de Anna dividiu-se, paralisada pela indecisão. Iria ler ou não a mensagem recém chegada?

Mordiscou levemente o lábio inferior e sentiu as bochechas ligeiramente rubras ao imaginar como se sentiria envergonhada se Hans viesse a descobrir eventualmente que ela tinha espionado as suas mensagens. Mas ao lançar um novo olhar na direcção do ruivo adormecido, as lembranças do comportamento hostil trouxeram à superfície uma nova onda de tristeza, confusão e sobretudo uma enorme vontade de obter compreensão perante a incógnita.
Com um novo toque no ecrã Anna abriu a mensagem:

"Meu Amor, encontra-me no
Blue Velvet Bar amanhã às 21:00h.
Ficarei à tua espera... bjs
                                        K.S."

 

Instantaneamente, um desagradável arrepio percorreu-lhe as costas, fazendo-a estremecer.
Os olhos devoraram cada palavra de uma forma frenética, obsessiva, enquanto o coração de Anna era trespassado por uma repentina e aguçada dor.
Quase que conseguia ouvir um timbre de voz feminino na sua cabeça sussurrar-lhe ao ouvido, num tom de evidente zombaria, o conteúdo da mensagem. Quem poderia ter escrito aquilo se não uma mulher?! As duas palavras iniciais denotavam um evidente afecto feminino, poderia existir algum argumento que lhe afirmasse o contrário?!
Anna levou uma das mãos à boca, tentando aplacar o gemido angustiante que lhe apertava a garganta e ansiava escapar rapidamente dos lábios trémulos. Fechando as pálpebras com força, esperou conseguir reprimir o surgimento das lágrimas que já ameaçavam inundar os olhos. Mas ao desviar novamente a sua atenção para Hans, que desfrutava com satisfação do seu sono, todos os esforços foram inúteis.
Anna não resistiu ao rude golpe que acabara de sofrer e deixou-se vencer pelas lágrimas silenciosas, que agora deslizavam com abundância sob o rosto desgostoso...

Mas embora Anna se sentisse impiedosamente esmagada com esta dura e infeliz realidade, ainda existia uma ténue réstia de esperança nas suas reflexões agitadas. Essa mesma esperança, embora fosse terrivelmente fraca, persistia em subsistir e repelir tenazmente a rude descoberta. Ela estava disposta a considerar que tudo poderia ser apenas um engano e que a existência incómoda de uma segunda presença feminina na vida de Hans poderia ser um mero erro de interpretação, uma fantasia tola dos seus receios.
Esta provisória conclusão renovou as suas forças... ergueu-se da queda e aprontou-se em secar as lágrimas que lhe manchavam a pele do rosto levemente pontilhada de sardas. Apercebendo-se de que ainda detinha numa das mãos o smartphone, devolveu-o ao seu lugar de repouso. No entanto, não se esquecendo de accionar a funcionalidade que permitia retroceder na leitura das mensagens, marcando a última recebida como não tendo ainda sido lida.

— “...presumivelmente intocada” - pensou Anna.

Com o desvanecer da luz brilhante do ecrã, Anna tomou a firme decisão de que iria desmistificar todas as suas dúvidas, comparecendo no Blue Velvet à hora predita do encontro misterioso, e assim, descobrindo por si mesma a veracidade ou a falsidade do conteúdo daquela mensagem. Embora estremecesse com a incerteza do que poderia enfrentar naquele mesmo encontro, Anna jamais iria perder a coragem e retroceder na sua própria decisão. Mas, lamentavelmente, o pobre coração de Anna ainda persistia em acreditar e acalentar a esperança de que tudo estava bem. A sua consciência estava terrivelmente equivocada, alimentando um doce sonho que á muito se esfumara... mas a sua visita ao Blue Velvet Bar iria revelar-se uma verdadeira tragédia, provocando o desmoronamento do que ainda resistia no mundo idílico de Anna, construído com tão polido esmero, amor e dedicação... absolutamente reduzido a cinzas.

 

*Sábado - Blue Velvet Bar, 20:54h*

A hora predita aproximava-se com rapidez. Por cada minuto subtraído no relógio, a ansiedade crescia um pouco mais dentro do peito arfante e inseguro da jovem ruiva.
Ela sentia-se incapaz de desviar o olhar, por um único instante que fosse, das portas de acesso ao Blue Velvet. Ela aguardava que a qualquer momento a presença de Hans se manifestasse naquele espaço onde fervilhava tantas cores, risos e música... as vozes alheias pareciam deixar Anna ainda mais nervosa, todos aqueles timbres pareciam juntar-se num coro de alegria, que contrastavam de forma gritante com o seu semblante sério, escurecido por uma preocupação cada vez mais inquieta.

 

***

 


Naquela noite ela sentira-se absolutamente incapaz de regressar ao conforto dos lençóis da cama. O seu coração, demasiado ferido pelo monstruoso golpe, levara-a a recusar uma reaproximação da presença adormecida. Para Anna o gesto inocente de simplesmente observar os contornos masculinos sob o leito era mais do que suficiente para a perturbar, pois sentia-se absolutamente incapaz de se libertar da visão das palavras que lera, e olhar para Hans só parecia intensificar a espiral desagradável em que Anna sentia-se constantemente a submergir. Por isso, muito discretamente, ela decidira sair do quarto, procurando reencontrar o controlo das suas emoções.
Pela primeira vez em todo aquele tempo, desde que o seu caminho se tinha cruzado com o olhar de esmeraldas até ao momento presente, Anna apercebeu-se, finalmente, de que sentia agora a necessidade de questionar a verdadeira natureza de Hans. Afinal, que estirpe de homem ele seria no seu íntimo?! Ao dedicar os seus pensamentos a esta questão, Anna não podia ignorar a sensação aterrorizante que se desencadeava nas suas entranhas, pois acreditara até agora conhecer verdadeiramente o temperamento de Westergaard.

Os seus passos guiaram-na até à sala de estar em silenciosa agitação. O seu espírito ansiara encontrar um pouco de paz no sono solitário em que o espaço se encontrava, parcialmente trespassado pelas largas faixas do luar, procurando livrar-se daquela pergunta insistente. Mas ao percorrer com o olhar a divisão que a circundava, Anna sentira mais do que nunca a necessidade de descobrir a resposta que satisfizesse todas as necessidades da sua questão... as íris inquietas retiveram-se sob uma prateleira que sustentava a vasta colecção de livros pertencente ao dono do apartamento.
Apesar de Anna ser uma amante convicta da leitura, era de levar em conta que, de todas as vezes que ali estivera, ela nunca demorara mais do que alguns escassos instantes em deter a sua atenção naqueles volumes em capas de couro... Não se tratava de uma mera consequência advida de um défice temporário de interesse da parte da ruiva sorridente, mas sim do magnetismo hipnótico que a presença do seu sedutor proprietário provocava dentro de si, levando-a a ignorar deliberadamente tudo o que em outras circunstâncias lhe teriam despertado um sincero e devorador interesse. Por isso, Anna nunca prestara a devida e cuidada atenção àquele recanto recheado de capas de excelente couro...

 

Na verdade, nem mesmo o próprio Hans parecia demonstrar algum interesse sincero ou vaidade intelectual no seu espólio literário, em vez disso, eram abundantes as ocasiões em que ele passava em frente da estrutura de madeira sem que tocasse num único livro, todos os seus gestos para com aquele recanto eram de absoluta indiferença.
Anna podia agora aperceber-se como isso fazia brutar do seu peito um sentimento de pesada tristeza e decepção, porque em parte, essa mesma deliberada indiferença que tão frequentemente Hans demonstrava, revelava amplamente parte do seu verdadeiro carácter.

Mas Anna necessitava de provas que sustentassem a veracidade da conclusão a que o seu raciocínio a tinha conduzido... a inquietação dos seus pensamentos levaram-na a dar largas passadas na direcção da prateleira. Bastaria uma rápida análise às lombadas empoeiradas para cimentar uma opinião definitiva?! Naquele momento, Anna queria acreditar que sim, pois esse gesto simples poder-lhe-ia oferecer uma prova segura, que não a faria tomar a obrigação de ter de enfrentar aquilo que estaria para acontecer no Blue Velvet.
Mas os propósitos da divina providência tem as suas formas insondáveis de agir, e antes mesmo de Anna tocar no primeiro livro da colecção ignorada, já o seu discernimento lhe sussurrava na alma que aquela exploração não seria o suficiente para formar uma análise conclusiva de um temperamento potencialmente suspeito ou mesmo satisfazer a ardente necessidade de compreensão perante os factos desconcertantes daquela noite.

Primeiramente, com um gesto leve e hesitante, Anna tocou com a ponta dos dedos nas lombadas e leu cada título gravado sob o couro...


História da Economia Europeia”, “Principais Bolsas Mundiais”, “Mundo Empresarial – Prejuízos & Lucros”...

A mão alva deixou-se esmorecer, apartando-se do contacto entre a pele desnuda dos dedos e a superfície rugosa do couro tingido de bordeaux. Eram intitulações douradas, cujo o brilho se empalidecia ao serem mencionados. Não haveria como negar que todas aquelas páginas albergavam todo um Universo profusamente profissional, frio e calculista... um mundo onde os nobres sentimentos da natureza humana pareciam estar expressamente interditos.
Teriam os olhos de Hans percorrido cada linha ali contida naquela prateleira solitária?

Poder-se-ia avaliar o carácter de alguém com base nas suas opções mais simples, como a preferência da sua leitura?

A tristeza e decepção tornou-se mais pesada no peito oprimido, o espólio intencionalmente (ou não) esquecido contribuía para o enegrecimento da imagem etérea e luminosa que Anna cinzelara com inúmeros sonhos e larga fantasia.
Apenas a mensagem perturbadora da misteriosa mulher, que reclamava a presença de Hans no Blue Velvet, parecia ditar a promessa de uma resposta segura e firme...

 

 

    ***

 

 

A sua longa e melancólica meditação quebrou-se com um brusco contacto sonoro entre o vidro e a superfície polida da mesa. Anna deixara cair no esquecimento o facto de que pedira um copo generoso da melhor e mais forte bebida que existisse no Blue Velvet Bar...

 

— Aqui tem o que pediu. Um copo bem cheio de whisky Johnnie Walker – Exclamou um jovem empregado com uma voz suave e prestativa, disposto a executar um serviço de uma tal polidez e entusiasmo que deixaria qualquer cliente tremendamente satisfeito.

— Obrigado... – Murmurou Anna em resposta, colocando sob os lábios o espectro de um sorriso forçado.

 

Se aquele jovem rapaz de cabelos negros soubesse como apartar-se da cega alegria que o dominava naquela noite, ele seria capaz de detectar que o sorriso de Anna era um singelo adereço de fachada, somente com o propósito de enganar pessoas como ele.
Por isso, não havendo alguma hipótese para que tal acontecesse, o empregado afastou-se da mesa, levando consigo o peito cheio da sensação satisfatória de mais uma tarefa cumprida, ocupando rapidamente a sua mente com muitos outros pedidos, que aguardavam pacientemente para serem executados.

As íris azuis da ruiva fixaram-se intensamente no vidro reluzente do copo que agora repousava à sua frente. A polidez cristalina do líquido dourado contido no seu interior lançava sob ela um convite apelativo para uma prazerosa degustação...
No entanto Anna nunca provara tal bebida alcoólica. A sua experiência na bebida poder-se-ia considerar limitada, tendo em conta que a única coisa a que ela se atrevera a beber eram unicamente licores de fruta em escassas ocasiões.

A sua coragem necessitava de um caloroso incentivo, que Anna deduzira que poderia encontrar em dois goles de whisky forte, pois as suas expectativas transfiguravam-se em algo temeroso e incógnito, lançadas numa roleta russa que se aproximava do seu fim eminente.

Ela necessitava de apaziguar a ansiedade da espera, que a corroía tortuosamente, por isso, aproximou de si mesma o copo que facilmente poderia transbordar e levou sem quaisquer demoras o líquido cor de âmbar aos lábios... Apesar de ingerir um pequeno gole de bebida, o seu primeiro reflexo foi tossir ao sentir o intenso ardor tocar-lhe a garganta com calorosa agressividade.

Mas aquele progressivo deturpador de mentes jamais conseguiria cumprir com o seu propósito. Pois, por mais que Anna deseja-se preparar-se para o que viria nos próximos minutos, anestesiando os seus sentimentos com todo o whisky que pedira, ela não teria o tempo suficiente para esvaziar o copo.

 

Mal terminara de dominar a tosse desconfortante, as suas atenções desviaram-se na direcção das portas de entrada do Blue Velvet, onde uma figura feminina permanecia imóvel, olhando com demorada atenção em todas as direcções do bar. Aquela acção inusitada da parte da estranha visitante provocou no espírito de Anna uma aterrorizante agitação de tal magnitude, que foi praticamente impossível deter o nó que se formou instantaneamente na sua garganta. No entanto, ser-lhe-ia impossível afirmar com uma absoluta certeza de era aquela a mulher que tanto receava... todos os dias, no Blue Velvet Bar entravam homens e mulheres que expressavam aquele mesmo comportamento, procurando por quem os levara a deslocarem-se até ali. Mas por alguma razão, o íntimo de Anna agitava-se em inúmeros alarmes estrondosos, levando-a a focar o olhar quase de uma forma obsessiva sob a silhueta recém-chegada ao espaço nocturno, no entanto, sem que realmente conseguisse encontrar evidências óbvias de que aquela criatura seria a outra presença oculta na vida de Hans.

As pupilas atentas observaram o mesmo empregado, que servira o copo de whisky a Anna, aproximando-se da jovem mulher.
Pela imaginação da ruiva simularam-se as palavras cordiais que aquele rapaz excessivamente solícito deveria estar a pronunciar, questionando-a com a profissional intenção de saber o que ela desejava tomar ou que mesa ocupar naquela noite.

A resposta tomou a forma de um sorriso nos lábios da mulher, que mexendo nos seus longos cabelos loiros de uma forma presunçosa (e que desagradou muitíssimo a Anna), articulou umas breves palavras rápidas na direcção do empregado.

Com um leve aflorar da sua mão esquerda, o jovem indicou-lhe uma mesa razoavelmente distante da mesa de Anna, mas da qual era possível ter um ângulo de visão fácil e amplo. A loira desconhecida assentiu em concordância, dirigindo-se depois em passos largos na direcção da mesa sugerida e sentando-se com evidente satisfação, permanecendo na ignorância de que era intensamente vigiada...

As atenções de Anna bifurcaram-se inevitavelmente entre os gestos pseudo-elegantes da loira, que faziam transparecer em larga evidência o seu comportamento afectado, e o movimento intermitente que se operava junto à porta de entrada do Blue Velvet... Esta ávida actividade só poderia resultar numa frenética impaciência que fervilhava nas suas veias. Enquanto sentia a sua irritação crescer ao observar a alegre descontracção com que a jovem impertinente de cabelos claros exaltava o paladar com um copo esplendoroso de Martini Rosé, Anna perdeu a preciosa oportunidade de ter o primeiro vislumbre de uma figura masculina, que lhe era intimamente familiar, entrar dentro do Blue Velvet Bar...

No entanto, o desperdício de minutos dispensado na direcção da loira afectada acabou por cessar com rapidez, sendo transferido novamente para a porta de entrada do estabelecimento, e foi neste breve instante que um choque colossal atingiu Anna, como se um forte murro tivesse sido repentinamente desferido directamente no seu estômago.

Diante do seu olhar incrédulo exibia-se a figura sorridente e bem disposta de Hans, a última pessoa que Anna tinha a mais devota expectativa de não ver naquele lugar... mas naturalmente, todas as esperanças se despedaçaram dentro si ao encarar com os seus próprios olhos o homem que considerava ser-lhe escrupulosamente fiel.

A angustiante mensagem descoberta no smartphone de Hans na noite anterior materializou-se com pavorosa rapidez, como uma terrível profecia, lançando na completa indignação, revolta e dolorosa tristeza uma Anna desconcertada.

A primeira e maior de todas as dores atravessou-lhe o peito numa aguda decepção ao vislumbrar a figura de Hans ali presente, fazendo subir instantaneamente aos olhos arregalados de congelada surpresa as primeiras lágrimas, mudas e impacientes para escorrer sob as maçãs do rosto afogueadas por um tom rosado...

 

Da sua parte, Hans nem poderia sequer supor que a mulher que traía abertamente com outra muito mais apelativa ao seu olhar estaria naquele momento no mesmo lugar que ele, encarando-o em completo choque e incredulidade.
Para ele à muito que a presença colorida de Anna deixara de constituir um brilho sedutor na sua vida, na verdade, sentia-se cansado dela... aos poucos foi-se apercebendo de como o temperamento meigo e doce da ruiva o sufocava e progressivamente o irritava.
Quando questionava a si mesmo a razão pela qual o amor no seu coração esfriara, Hans apenas encontrava o esclarecimento de que não nascera para ser um namorado pateticamente fiel. Na sua compreensão, Hans acreditava que essa virtude era um evidente sinal de fraqueza, algo que supunha ser apenas reservado para homens tolos, predispostos a se resignarem ao controlo imperioso de uma mulher, e ele jamais se consideraria como tal.

Não restava dúvidas de que Westergaard revelava ser generosamente egoísta com estes desagradáveis raciocínios, mas a sua consciência parecia estar longe de aperceber-se dessa sua condição... na verdade o belo jovem conseguia revelar uma espantosa insensibilidade nesta matéria, ficando abertamente indiferente quando se confrontava com as possíveis consequências que as suas acções teriam sob a sua doce e tão dedicada namorada.

 

Quando Hans se cruzou com Katherine Smith, a óbvia vilã desta história, aquela teoria grotesca pareceu solidificar-se no seu cérebro, reforçando os pensamentos que já á muito alimentava dentro de si. Westergaard só poderia afirmar que não nascera para ser homem de uma só mulher, e a prova disso mesmo depositava-se na forma daquela mulher estonteante de cabelos loiros, que retirava algum prazer de um copo de Martini Rosé pendente entre as mãos, enquanto aguardava por ele...

Ao ler naquela mesma manhã a mensagem deixada por Katherine, ele não pôde evitar o sorriso travesso que lhe nasceu dos lábios, aflorando-lhe das memórias as inúmeras vezes em que os seus encontros secretos tinham culminado em sexo intenso e fogoso sob os lençóis da sua cama. Hans desejava ter mais um desses momentos loucos, ansiava poder sair mais uma vez das rédeas de ferro e poder ofertar a si mesmo o luxo de se esquecer momentaneamente do compromisso que o ligava a Anna... se ainda haveria algo que o ligasse à ruiva.

 

Não foi particularmente difícil para o belo traidor localizar Katherine entre os convivas animados do bar. Este avançou sem qualquer hesitação na direcção da loira, alargando ainda um pouco mais o seu sorriso de tonto apaixonado, em medida que a aproximação se tornava cada vez maior. E enquanto tudo isto acontecia, num enorme silêncio inquietante, as pupilas perturbadas de Anna acompanharam os passos rápidos de Hans até à mesa distante, onde a abordagem masculina revelou-se intimamente simpática, recebendo um sorriso efusivamente caloroso em troca.
Como poderia um coração suportar a estrondosa magnitude daquela realidade nua e crua?!
A dor emocional chicoteou-a numa intensa réplica de doloroso desgosto. Em pouco menos de 3 minutos, Anna viu-se testemunha do desmoronar da sua própria quimera. Os castelos no ar por fim vinham abaixo, esmiuçando-se aos seus pés num grande monte de ruínas sem cor, sem vida. Ao ver aquele rosto sorridente, emoldurado por cabelos da cor do sol, onde agora Hans depositava toda a sua terna atenção, as recordações se asfixiavam aos poucos dentro de si, juntando-se à ingénua ilusão caída das alturas. A vida que Anna conhecia tinha acabado de morrer nos seus braços...

 

Mas independentemente da tragédia, ainda existiam forças para reclamar uma explicação, e Anna não iria de forma nenhuma abdicar desse único direito que lhe restava.

Embora a fraqueza nervosa lhe tivesse tomado de assalto as pernas, ela esforçou-se em erguer o seu corpo da cadeira e procurou encontrar a coragem que lhe iria permitir aproximar-se da mesa infame. Na verdade, nenhuma palavra incorria-lhe nos pensamentos enquanto caminhava, nenhuma expressão para abordar aqueles dois insolentes, apenas possuía a sua própria dor.

Sim, a dor poderia falar por ela... talvez Hans se sentisse compelido a dar-lhe a oportunidade de compreender a razão que o levara a traí-la. No entanto, ao se aproximar as lágrimas manifestaram-se. A ruiva lutou arduamente para não as derramar, procurando encontrar um controlo que descobria ser bastante difícil de poder domar...

 

Por sua vez, apercebendo-se de que havia alguém a aproximar-se, Katherine desviou a sua atenção da silhueta de Hans para deter o olhar sob a figura de Anna, que entretanto os alcançara e permanecia silenciosamente inerte diante deles.
Erguendo uma sobrancelha bem desenhada, em sinal de evidente interrogação confusa, Katherine não poderia nem mesmo supor que a ruiva de rosto polvilhado de sardas era na verdade a sua oponente. Seguindo os gestos da sua amante, o arrogante apaixonado focou o olhar na presença que lhe interrompera a conversa agradável.
Ao se deparar com Anna, foi absolutamente impossível para o Westergaard não se deixar levar pelo espanto e pelo breve embaraço de ser apanhado em flagrante, como se fosse um menino desobediente a roubar doces em segredo.

— Hans...?! - Balbuciou Anna, ainda arrebatada pela incredulidade, tentando camuflar inutilmente a oscilação do seu timbre de voz.

 

Para Hans quantas vezes aquele acontecimento não lhe tinha atravessado os pensamentos? Tinham sido as vezes suficientes para o convencer a cair na insensatez, chegando à conclusão de que aquela situação nunca chegaria, e que poderia desfrutar da sua condição de namorado fugitivo até onde a sua secreta relação carnal lhe poderia permitir. Hans não resistira em achar que poderia ser um senhor absoluto nas rédeas desta aventura e isso levara-o à tolice de reordenar as regras do jogo amoroso... uma escolha terrivelmente perigosa.

As consequências da sua brincadeira egoísta finalmente viam a luz do dia, mas em contrário do que se poderia supor, em vez da vergonha e do embaraço de ser apanhado perdurarem, o sentimento que se manifestou com rapidez no semblante de Hans Westergaard foi o seu subtil descontentamento.

 

— O que é que estás a fazer aqui?! - Murmurou Hans, deixando transfigurar o efémero espanto que o atingira numa longa expressão de visível aborrecimento.

 Sentindo-se perdida naquela breve troca de palavras a meia voz, Katherine achou-se no poder de tomar a liberdade de questionar Hans.

 – Desculpa mas... quem é esta mulher, Hans? - Perguntou a loira, acentuando o sobrolho.

 Levando as mãos por breves instantes às têmporas e apoiando os cotovelos ruidosamente sob a superfície lisa da mesa, Hans suspirou audivelmente. Encontrava-se num inegável aperto, do qual não haveria alguma fuga possível, o que por sua vez expunha em ampla evidência a sua irritação crescente. Naturalmente que a hesitação atrasou a sua resposta, mas esta não tardou a surgir.

 – Katherine, esta é a Anna..... a minha namorada. - Respondeu o insolente traidor, dizendo com reveladora má vontade a palavra “namorada”.

Anna estremeceu com o tom frio e distante com que os lábios dele pronunciaram o seu nome... a hostilidade de Westergaard bateu-lhe no rosto pela primeira vez com brutalidade. A hesitação amarga de Hans ao declarar o estatuto que Anna ocupava na sua vida, desnudou a verdadeira condição em que a relação amorosa de ambos se encontrava. No entanto, a jovem ruiva ainda se achava demasiado obstinada para conseguir aceitar isso.

 – É a tua namorada!? - Exclamou Katherine jocosamente, oscilando o olhar entre o rosto de Hans e o de Anna, numa incrédula zombaria, enquanto o culpado se deixava ficar no silêncio, ignorando deliberadamente a exclamação da sua amante. - Bem, eu não fazia ideia... - Continuou, interrompendo por instantes as suas palavras para dar um longo gole no seu Martini Rosé inacabado.

 

Arrebatada pelo caloroso embalo do álcool, Katherine não demoraria muito em encontrar a generosa ousadia de que necessitava para tomar a liberdade de exibir a sua manifesta representação barata, conduta própria de uma atriz ridícula, desprovida de qualquer talento.
Em contrário do que se poderia supor, as suas palavras não se originavam da ignorância, mas sim de um sarcasmo deliberado... a existência de Anna nunca poderia ser uma surpresa para si, pois desde o primeiro momento, em que decidira compactuar livremente com este jogo secreto, Katherine jamais acreditara em algum momento que fosse que um homem como o Westergaard poderia ser um generoso defensor da monogamia, e por isso, nunca se refreara em questionar ao seu amante a possível existência de outras entidades femininas na vida do sedutor arruivado.

A resposta que acabara por receber, depois de tanta insistência, não poderia ser mais previsível. Num desses interrogatórios, após uma de tantas audaciosas sessões de sexo, Hans respondera com grande naturalidade, confirmando a existência de uma única presença na sua vida amorosa, para além dela mesma.

 

Fora apenas uma vaga confirmação, inteiramente carente de detalhes, sem uma outra qualquer referência mais clara que pudesse aludir à imaginação de Katherine uma pré-visualização da mulher que poderia considerar como sendo a sua derradeira rival... Hans fora demasiado breve na sua resposta, o que a insatisfizera, mas sabia-se consciente de que nada mais conseguiria arrancar dos lábios que beijava. Por algum tempo a aparência de Anna permaneceu encoberta nas sombras da ignorância...

 – Eu peço-te... Aliás, eu ordeno-te que tenhas a decência de me dar uma boa explicação para tudo o que eu vejo neste momento, diante dos meus olhos, Hans. - Pronunciou Anna, lutando com esforço para que a voz lhe saísse firme e clara.

 Mas as palavras oscilantes na sua boca revelaram a perturbação em que se encontrava envolvida. As cordas vocais renegavam-se em lhe obedecer, formando um nó agonizante e doloroso na sua garganta, e os seus olhos vítreos, impossíveis de enganar o mais perspicaz dos observadores, denunciavam o choro eminente.

Por sua vez, ao presenciar este agitado estado de espírito, Katherine não conseguiu ver nada mais do que aquilo que considerava ser uma extrema manifestação sentimental patética, e no entanto esquecendo-se de uma forma generosamente arrogante, de que ela própria poderia também um dia seguir os mesmíssimos passos e ocupar aquela posição triste e humilhante.

Ser-lhe-ia realmente possível assumir um outro papel se não o de vilã? Katherine Smith era uma mulher cujo o carácter deixaria muito a desejar, se fosse submetido a uma breve análise. No seu temperamento não residia nada mais do que sentimentos de nobreza medíocre, regularmente alimentados em abundância pela sua futilidade, egoísmo e cruel malícia. Os seus interesses eram quase sempre movidos por uma qualquer natureza duvidosa, terminando no único objectivo que realmente lhe interessava: o triunfo da sua própria vantagem e felicidade. Ela jamais poderia competir ou mesmo ganhar perante a personalidade verdadeiramente envolvente e cativante que coroava Anna com tanta elegância e graça... Katherine jamais possuiria um temperamento sincero e bondoso.


Impulsionada pelo seu próprio calculismo, frio e metódico, observou com ultrajante ironia e despeito a desafortunada angústia da sua rival. Naquele momento Katherine só conseguia acalentar o desejo cobarde de dilacerar um pouco mais as feridas abertas de Anna, e com esse almejo dentro de si, as íris maliciosas transpareceram essa vontade maquievélica, ansiando deleitar-se com generoso prazer naquele desgosto alheio.

 – Meu Amor... com toda a sinceridade, como foste capaz de te relacionar com tal criatura?! - Exclamou Katherine com maldade. - É ela digna de ocupar o lugar de tua namorada?!! Por todos os céus, eu não acredito!! Consigo compreender agora, ao ter diante de mim a sua presença, o porquê de a teres traído...

 Katherine Smith sabia como dardejar as pessoas com palavras venenosas. Impulsionando uma gargalhada provocante, prontificou-se a pegar novamente no copo de Martini Rosé, conduzindo-o até aos lábios sorridentes de escárnio desafiador, acreditando por sua vez que o seu comentário mesquinho reduziria ainda um pouco mais a auto-estima de Anna.
Mas em contrário do silêncio resignado que esperava da parte da jovem de cabelos ruivos, Katherine viu-se inesperadamente bombardeada com uma resposta igualmente desagradável.

 – Ninguém falou contigo. - Ripostou Anna com forte aspereza. - Por isso dispenso de muitíssimo bom grado as tuas opiniões ridículas. Esta conversa é só entre mim e o Hans... reduz-te à tua simples insignificância “Barbie de plástico barata”.

 Evidentemente que a observação cruel de Katherine fora recebida como uma bofetada fortíssima no rosto, e naturalmente que não deixara de provocar em Anna uma nova perturbação ainda mais humilhante... mas esta não foi suficientemente forte para a prostrar de uma só vez.

Na verdade, e por uma qualquer razão que naquele momento desconhecia, Anna conseguiu encontrar a força e a coragem de que precisava na sua própria revolta e indignação ao escutar palavras tão ultrajantes como aquelas. Mas embora a tivessem magoado severamente, ela concluiu que jamais conseguiria levar a um patamar bastante mais sério as ofensas desferidas por Katherine... embora esta fosse uma mulher inequivocamente má, o seu próprio egocentrismo e futilidade tornavam-na redondamente ridícula aos seus olhos.

 Katherine, que tomara já um outro pequeno gole da sua bebida refinada, quase sufocou ao ouvir as palavras asperamente revidadas pela ruiva e direccionou um olhar furioso sob a silhueta feminia erguida à sua frente. O seu orgulho narcisista e arrogante fê-la sentir-se ferida e posteriormente impeliu-a a levantar-se da cadeira que ocupava, largando o seu copo inacabado de Martini Rosé sob a mesa.

O seu primeiro impulso presumivelmente teria sido manifestar o seu desagrado e iniciar uma discussão barulhenta que possivelmente poderia culminar em trocas de violência física.

Mas ela era a Katherine Smith, uma mulher que sabia como usar palavras maldosas e venenosas de uma forma desconcertante... por isso, em vez do clássico protesto Katherine dominou-se e com um glacial calculismo e perniciosa maldade respondeu com toda a passividade que conseguiu reunir, deixando aflorar um sorriso jocoso nos lábios.

 – Bem... sim, possivelmente eu posso ser a “Barbie de plástico barata”... Mas de uma coisa eu tenho a certeza: tu com certeza não és a mulher com quem o Hans deseja fazer amor todos os dias, não é a ti que ele deseja. Ele prefere correr para os meus braços em vez de se reduzir à insignificância da tua companhia. E sinceramente... - Katherine deteve-se por um instante, avaliando com um olhar maldoso Anna, alargando ainda um pouco mais o seu sorriso cínico. - Ele tem motivos bem plausíveis para o fazer. Vejo diante de mim uma mulher patética que é traída deliberadamente por Hans, e confesso que é para mim um enorme prazer fazer parte disso...

 Katherine Smith pensara ter desferido o golpe certeiro sob Anna.

Mas em contrário do que presumira, a “mulher patética” a quem ela apelidara não se limitara em aceitar a dolorosa derrota e sair do Blue Velvet Bar como um animal assustado perante as intempéries hostis. Não, jamais o faria... aquele ataque directo e indiscutivelmente baixo tocara profundamente no âmago de Anna de tal forma como se um forte soco no estômago tivesse sido infligido.

A jovem ruiva comprimiu fortemente os lábios numa linha grave e instintivamente pegou no copo de Martini Rosé que jazia sob a superfície da mesa para depois arremessar violentamente todo o liquido que restava directamente no rosto de Katherine. Esta por sua vez soltou um pequeno grito de exclamação. O golpe da loira fora vergonhosamente baixo e recebera a sua devida recompensa por isso... mas ela recusava-se em aceitar aquela resposta pelas suas palavras corrosivas. Katherine retribuiu o impulso de Anna lançando-se sob os cabelos ruivos, numa tentativa física de a magoar e humilhar.

Perante a tempestuosa rixa entre as duas mulheres que se formara tão espontaneamente, Hans interveio com rapidez e perante os olhares inquisidores de todos os outros ocupantes do local pegou com rudeza no braço de Anna e a arrastou para o exterior do Blue Velvet Bar, deixando para trás, por alguns breves momentos, uma Katherine que tentava recompor os cabelos desalinhados e exibir uma postura que persuadisse os presentes de que aquele momento menos elegante não a derrubava, e por isso, banalizando-o com um gesto manifesto de desdém e descrença.

 

Westergaard estava furioso.
Claramente ele nunca poderia ter imaginado a verdadeira dimensão de todas as consequências que poderiam advir da insensatez de permitir que um breve encontro daquela natureza se tornasse realidade. Naturalmente, e previsivelmente, só poderia culminar numa incómoda catástrofe. Assim que sentiu no seu rosto o ar fresco da noite, Hans sentiu-se finalmente livre para libertar a raiva reprimida que lhe latejava sob o peito.

 – O que foi aquilo afinal?! - Exclamou Hans, apertando com aspereza ainda um pouco mais o braço inquieto de Anna. - Consegues compreender a vergonha que acabaste de me fizer passar em frente de todo o Blue Veltet? Que comportamento idiota e patético foi aquele Anna?!!

 As pupilas inquietas de Anna denunciaram a incredulidade que naquele mesmo instante a trespassou, abrindo a boca num choque inequívoco. Aquele era realmente o homem que durante todo este tempo amara, seria mesmo Hans Westergaard?

 – E ainda ousas acusar-me?! - Disse Anna exasperada, puxando bruscamente o braço e libertando-se do aperto hostil. - Que esperavas tu Hans? Como imaginavas que eu iria reagir quando eu descobrisse que beijas, tocas, acaricias e fazes juras de amor a uma outra mulher no meu lugar? Achas mesmo que eu iria ficar rejubilante por me saber traída?!

 Hans levou as mãos aos cabelos e libertou o ar dos pulmões com exasperação. A resposta estava claramente a pairar sobre o ar e encontrava-se bem presente na mente de Hans.

Mas ele não seria capaz de a pronunciar... pois bem sabia como isso o denunciava e o declarava inconvenientemente culpado. Isso seria algo que ele não estava disposto a admitir.

Vendo que Westergaard estava determinado em recusar a responder, Anna previu a irrefutável condenação da qual inconscientemente ele se entregava, ao se deixar permanecer imerso no absoluto silêncio, e sentiu uma forte onda de revolta e indignação brutar-lhe do coração ferido. Consequentemente, Anna deixou-se ser embalada pela dor que latejava sob o peito, elevando assim o tom de voz conforme as palavras lhe saíam dos lábios.

 – Porque fizeste isto Hans?! Dei-te todo o meu amor, todo o meu carinho, dedicação e atenção. Depositei a minha completa confiança na nossa relação e sempre me certifiquei de fazer de ti um homem feliz!!! Porquê?!!!

 Grossas e profusas, as lágrimas traçavam o seu trajecto pelas bochechas afogueadas de Anna, como artroz consequência de todo o mal que o ato fiel de Hans tinha provocado.

Mas apesar de se apresentar perante si esta visão tão digna de compaixão, Hans mostrou-se absolutamente impassível, revelando uma surpreendente frieza que jamais a ruiva poderia ter imaginado. Perante a revelação Anna estremeceu, inflamando ainda mais a revolta e a lancinante dor em que o seu espírito ferido se encontrava envolvido. Como poderia ela em tempos idos ter pensado que poderia confiar em Hans?!

Perante essa inquirição Anna compreendeu como fora realmente ingénua e como essa confiança cega em Westergaard a trouxera até àquele momento tão doloroso e indesejado.

 – Porquê?!!!! - Insistiu Anna, persuadindo-o a dar-lhe uma resposta justificativa.

 Perante a insistência férrea da jovem ruiva, Hans abandonou a sua impassibilidade e permitiu que no seu rosto se expressasse um sorriso jocoso nos lábios sarcásticos.
Longe iam os dias em que ele se preocupara genuinamente com o bem-estar e a felicidade de Anna, agora isso tudo lhe era indiferente... no presente ele só acalentava um único desejo egoísta: o de querer livrar-se daquele peso incómodo em que Anna se tornara na sua vida.

Por isso, Hans não hesitou em usufruir de toda a crueldade e insensibilidade que naquele breve instante se lhe dispunha nas mãos.

 – Porque simplesmente eu já não te amo mais, Anna... - Pronunciou Hans, num tom de voz mecânico e ausente. - já não te desejo, não te quero e nem mesmo desejo sequer tocar-te, neste momento és inútil na minha vida, és um absoluto sufoco do qual eu apenas me sinto ansioso por me livrar ao mais rapidamente possível.

— Mas, mas... como?! Isso não é possível! Um dia tu disseste que me amavas...!!! - Exclamou Anna, sentindo-se afogar nas suas próprias palavras.

— Ohh Anna... se houvesse realmente alguém que te amasse! - Dardejou Hans cruelmente, deixando aflorar-lhe aos lábios um sorriso sarcástico ainda maior. - És patética e excessivamente sentimental, desesperada por um amor que está muito aquém do teu alcance. Quem seria capaz de amar uma mulher assim?!!

 

A resposta revelou-se alta e rápida, suando no ar frio da noite como um agudo estalido. A mão de Anna desferiu o golpe certeiro de um estalo no rosto de Hans, que logo perdeu a compostura altiva que naquele instante ostentava, revelando no seu olhar o verdadeiro homem que era no seu íntimo. O tom jocoso com que se engalanava deu lugar
a uma incontida raiva muda, fervilhante... mas antes que Hans pudesse revidar aquele ato físico que agora latejava sob a pele do seu rosto, Anna vociferou amargamente.

 – Como a mulher que sou, jamais permitirei que voltes a falar assim para mim dessa forma!!! Neste momento sou eu que sinto que jamais poderia amar e ficar ao lado de um homem tão cruel e imprestável como tu!! E sabes que mais? Não vou ceder-te o prazer que procuras com esta oportunidade de acabares a nossa relação, para depois ficares com aquela loira oxigenada nojenta que está ali dentro do Blue Velvet Bar e ambos se ficarem a rir de mim! Não, não... ouve bem as minhas palavras Hans Westergaard: neste momento quem termina esta relação sou eu! Agora, é bom que saias da minha frente e nunca mais surjas na minha vida!!!!

 Depois de pronunciadas aquelas palavras, nascidas do seu âmago mortalmente ferido, Anna apressou-se em retirar-se o mais rapidamente que as suas próprias forças lhe permitiram. Não iria permitir que Hans e Katherine se banqueteassem fartamente no seu próprio infortúnio mais um singelo segundo que fosse. Seria insensato da sua parte pois a dor artroz que sentia no peito tinha chegado ao seu apogeu, a dilacerava por dentro como um leão feroz sedento de carne, arrasando por fim e definitivamente a bela quimera que em tempos julgara ser real...

 Nessa mesma noite, sentindo-se perdida na sua própria dor e desilusão, por entre borrões indefinidos que lhe assaltavam o olhar perturbado, Anna por fim chegou a casa, deixou-se naufragar sob os lençóis do seu próprio leito e chorou amargamente.


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Notas finais do capítulo

O que acharam deste capítulo?! :3 ♥♥
Ele é um pouco longo, eu sei, e peço imensa desculpa por isso minhas queridas... mas senti que esta história do passado de Anna merecia ser narrado ao mais pequeno pormenor, para assim compreender o que aconteceu entre ela e Hans.

E agora que Anna revelou a Kristoff toda a história do seu passado, o que ser irá passar a seguir?! :O

Espero sinceramente que tenham gostado ♥
Irei aguardar ansiosamente os vossos comentários para saber o que acharam! ♥♥♥

Até ao próximo capítulo! *.* ♥



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