Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 7
Nunca deve-se romantizar um problema


Notas iniciais do capítulo

Demorei mais do que estava previsto. O bloqueio para escrever este capítulo foi ENORME.
Enfim, espero que gostem do resultado final. Até o próximo capítulo ~ !



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O teto acinzentado e com partes quebradas parecia me proteger do falatório próximo. Meus olhos me forçavam a fechá-los novamente e continuar o intenso cochilo em que parecia ter caído. Minhas memórias estavam confusas. Lembro-me de ter comido um sanduíche... hoje? Ontem? Uma semana atrás? Estava tudo tão embaralhado. Forcei meu corpo a se levantar do colchão fino que protegia meu corpo do chão, mas quase retornei a deitar depois de uma dor excruciante ter atingido meu corpo em vários pontos, principalmente no ombro, no rosto e na cabeça. Não evitei um gemido de dor, que foi abafado pela discussão próxima. Depois de me recuperar um pouco corri os olhos para identificar onde estava.

O pequeno cômodo era tão maltratado quanto o teto. Nada de cor. A minha frente estava uma cômoda surrada, prestes a se quebrar. Pelo estado, parecia de cinquenta décadas atrás. Na mesma parede em que meu colchão está encostado há uma porta. Observando melhor, não, não há uma porta. É apenas um buraco sem o útil objeto de madeira. O falatório vinha do outro lado.

Minha visão ainda estava um pouco embasada e minha cabeça rodando, porém foi assim que as memórias da briga retornaram, fazendo meu cérebro provocar uma sensação de explosão. Mais um gemido de dor. Eu me lembro do carrancudo cair no chão e do Leonardo sobressair-se, mas e se de algum modo ele tiver me sequestrado?, pensei, trêmula. Estava com medo. Morrendo de medo. Não quero imaginar o que esse povo do outro lado fará comigo quando descobrir que estou acordada. Necessito pensar em um plano. Mas o que? Não tinha nada de útil que eu pudesse usar para derrubar tentas pessoas. Empurrei o lençol que me cobria para o lado e meus sentidos se reativaram, detectando uma onda de calor insuportável. Suor escorria da minha testa. Gostaria de matar o idiota que me cobriu em um calor desses.

Quase não pude forçar meu corpo a se levantar, a dor por toda parte era demais. Controlei-me para não gritar. Ao tentar apoiar meus braços na parede para aliviar o peso das minhas pernas notei que não conseguia levantar meu braço esquerdo. A dor forte me pegou de surpresa e não evitei um grito, mas felizmente foi abafado pelo interminável falatório. Levei minha mão a ele por reflexo, com esperanças de cessar aquela dor. Abaixei minha manga que tampava o ferimento, preciso ver o estrago. Foi um pouco complicado pela blusa sem justa, mas lá estava ele – uma bolota enorme completamente roxa se apossava do meu querido ombro esquerdo. Só de olhar fazia doer.

Tampei-o novamente e me controlei para não surtar. Calma, Sophie. Tudo que você precisa fazer é derrotar não sei quantos homens carrancudos do outro lado sem algo útil usando apenas um braço. Moleza, minha consciência riu. Não sei se era para me acalmar ou do meu atual estado. Normalizei minha respiração e arranjei outro meio para levantar daquele colchão fino. Depois de quase cair umas cinco vezes, estava feito, realizei a difícil missão de me manter em pé enquanto minhas pernas tremiam de dor e medo.

De pé a realidade não mudou nem um pouco, o quarto ainda é bastante vazio e a gritaria do outro lado me assustava cada vez mais. Ainda percorrendo o olhar pelo espaço que me deixava claustrofóbica, agora com uma visão mais alta, percebi um espelho pregado na parede um pouco acima da cômoda. Aproximei-me devagar, agradecendo mentalmente pelos meus tênis não fazerem barulho em contato com o chão. O espelho estava completamente arranhado e com sujeira agarrada que nem meus dedos foram capazes de se livrar, em um estado deplorável, que cerca de um terço mostrava o meu reflexo. Precisei de um minuto para aceitar que agora uma macha enorme roxa fazia parte da minha bochecha e que meu olho parecia menor que o outro, e mais dois para não enlouquecer. Puta que pariu. Toquei o estrago cuidadosamente usando o braço ainda bom e mais dor me acompanhou naquele espaço apertado.

Espantei o choque. Não posso continuar pensando nesse tipo de coisa para sair dessa situação. Puxei a primeira de quatro gavetas da cômoda para procurar algo que me ajude. O ranger foi tão alto que até a discussão ouviu, paralisando meu corpo e até pensamentos.

— Vocês ouviram isso? – indagou uma voz masculina.

Ficaram quietos por alguns segundos, contudo logo retomaram de onde estavam com as risadas. Nunca senti tanto medo na minha vida. Cinco minutos e inúmeros xingamentos foram necessários para normalizar minha respiração e controlar a intensa tremedeira. Desisti de abrir as gavetas seguintes logo no início da puxada de cada uma, que não fazia barulho suficiente para se ouvir da sala ao lado, apenas se insistisse em ir até o fim.

A realidade estava me sufocando. Saber que não poderia contar com o auxílio das gavetas me desesperava. Encarei o espelho mais uma vez e pude enxergar algo que não percebi antes: uma arma. A melhor ideia para esse momento finalmente iluminou minha mente. Cambaleei para o colchão e peguei o lençol inútil. Enrolei-o na minha mão boa e voltei para frente do espelho. Acalmar meu coração nunca foi uma coisa fácil, mas hoje parecia estar sendo uma missão impossível. Respirei fundo e sequei o suor frio que acumulou na minha testa. Um, dois...

Soquei.

Livrei-me da proteção na minha mão e busquei o maior caco de vidro visível, desesperada. Só notei os pequenos ferimentos na minha mão por causa das manchas de sangue em alguns cacos, a descarga de adrenalina tornava impossível a presença da dor. Apossei finalmente de um caco grande e agarrei-o com as duas mãos na altura do quadril, mirando sua ponta para frente.

Não demorei a ouvir os passos correndo para a direção do cômodo em que estava. Minha mente oscilava, porém firmei minhas mãos para apaziguar os sentimentos desnecessários. Três homens passaram pela não-porta e pararam de avançar assim que me viram armada. O grandalhão assustou-se, os outros, entretanto, não demonstraram emoção.

— Largue isto, não é necessário. – alertou o baixinho, dono dos ouvidos aguçados que atrapalhou minha busca nas gavetas. Sua voz grave era cercada de fúria, cuja expressão facial não tinha.

Decidi permanecer calada em relação ao seu alerta. Endureci ainda mais minha expressão e rosnei: – Me tirem daqui agora! – exigi. – Também quero aqui o rapaz que estava comigo quando desmaiei.

Se a situação estava complicada para o meu lado, mal quero saber a de Leonardo. Lembro-me de seus cortes e do sangue, felizmente não deu indícios de que desmaiaria junto comigo. Será que judiaram muito dele?, pensei, aflita. Já seria difícil o suficiente correr com todos os meus ferimentos, com ele apoiado em mim definitivamente não aguentaria.

— Estão esperando o que? AGORA! – gritei. Passar a imagem de firmeza era importante, de acordo com um filme que assisti. Ai, meu deu, ou esse filme era de comédia? Puta que pariu.

— Olha, você obviamen...

— Cale a boca! – gritei novamente, interrompendo as balbucias do mentiroso. – Não quero saber de mais nada. Só abram a porra de um espaço e tragam Leonardo. Agora.

Meu corpo estava ficando pesado. O cansaço poderia me vencer a qualquer momento. Preciso terminar isso logo, no entanto a demora dos homens em conceber minhas exigências estava clara. Eles querem me vencer pelo cansaço.

— Chame o chefe. – o baixinho se dirigiu para o grandalhão, que se retirou sem olhar na minha direção. Abri a boca para ameaça-lo, mas fui interrompida antes de começar: – Nós cuidamos daqui.

Os dois homens restantes começaram a andar para a minha direção, dei alguns passos para trás como resposta. O barulho das minhas costas batendo contra a parede iniciou uma nova onda de pavor. Talvez eu tivesse chance em uma luta contra o baixinho mano-a-mano, agora dois... preciso arriscar incapacitar o outro homem com o caco de vidro. No braço? No estômago? No saco? Tenho que ter força o suficiente para não dar brecha para...

Antes que pudesse concluir meu pensamento, o baixinho avançou até mim em uma velocidade incrível. Não o acompanhei com os meus olhos concentrados no outro homem. Perdi a postura com o susto e ele foi capaz de me desarmar apenas com uma das mãos. O barulho do caco de vidro se estraçalhando do outro lado do cômodo me fez voltar a real. Seu olhar parecia orgulhoso, debochava de todo meu esforço a cada piscadela. Filho da puta.

Mexi a perna esquerda para enganá-lo com um chute, atraindo-o para meu lado direito como forma de desviar, e ele caiu. Assim que se preparou para receber um chute alto com o seu olhar arrogante, desferi um soco em seu rosto com a minha mão direita. Não foi eficiente para derrubá-lo – não tive tanta força, quem dirá sorte suficiente. –, contudo foi o suficiente para atordoa-lo. Sem hesitar, avancei em sua direção para atacar novamente, no entanto senti um puxão na parte de trás minha blusa. O outro homem me cercou. Contorci-me para livrar de suas garras, em vão. O baixinho já se recuperou e agora voltava para perto. O homem que me cercava prendeu seus braços a minha volta por trás, como se fosse me levantar, incapacitando meus braços e meu movimento. Chutei o ar, pisei com força em seus pés; nada fazia ele me soltar.

— Aguente um pouco até o chefe chegar. – disse. Sua voz era ainda mais grossa do que a do seu amigo tampinha, causando um arrepio pela minha espinha. Seu desdém era quase uma arma pressionada na minha cabeça, indicando que já estava acostumado a fazer esse tipo de coisa.

— Eu não quero conhecer a porra do seu chefe! – cuspi as palavras em fúria.

Estava pronta para agredi-lo verbalmente mais uma vez, na esperança que começasse a chorar e corresse para a mamãe, mas foi aí que vi uma pessoa atravessar a não-porta junto com o grandalhão e mais duas pessoas. O moreno que tentei salvar mais cedo.

— LEO! – gritei, me esquecendo de todos a minha volta. Vê-lo com todos os membros no lugar foi como beber água depois de caminhar dois dias no deserto.

O meu segundo melhor amigo me lançou um olhar divertido seguido de um sorriso que não pude determinar a real intenção. – Pode soltá-la, Alemão.

Ver o companheiro do baixinho obedecer me espantou, juro que senti meu queixo encostar no chão. Leonardo deliciava-se da situação com um ar de diversão. Ao ver que todos os homens ali presentes se dirigiram para o seu lado me fez entender o que realmente estava acontecendo aqui.

Você me sequestrou? – não contive o choque das minhas palavras.

Uma risada curta escapou de seus lábios. – Não faço ideia de onde você tirou a história de que foi sequestrada. – deu um passo a frente. – Pensei que estava consciente quando me viu indo até você para ajudar.

Engoli minha hesitação. Não sei se devo confiar completamente nele. Uma voz do além insiste em atiçar meu sentido de me jogar em seus braços, porém suspeito de ser apenas o Cupido pregando uma nova peça em mim. Endireitei minha postura e levantei meus punhos, me preparando em uma posição de luta, com a guarda mais alta do que a roupas.

— Àquela hora não era uma circunstância normal – endureci minha expressão –, essa definitivamente também não é.

Leonardo pareceu divertir-se ainda mais com a minha seriedade. Seu sorriso era maior do que todos os outros que já passaram pelo seu rosto nesses poucos dias em que nos conhecemos. Tentar entender que ele pode ser meu inimigo é sufocante. Não quero estar enganada de novo, ainda mais em menos de duas semanas.  Mas... e se..., pensei em meio a um misto de tristeza e raiva.

Antes que eu pudesse me mexer, o meu segundo melhor amigo atirou-se em minha direção como um raio. Conseguiu ser ainda mais rápido que o baixinho. Já era tarde demais quando mexi minhas mãos por reflexo para tentar revidar. Ele estava atrás de mim. Impulsionei o meu corpo para frente distanciando-me de suas garras, porém ele cruzou um de seus braços a minha frente, deixando-o um pouco abaixo do meu maxilar e uma de suas mãos tocando o meu ombro bom – era como um meio abraço.

— Vamos, não precisa ficar tão séria. – respondeu sua voz melódica inconfundível atrás de mim.

Tentei revidar algumas vezes, em vão. Leonardo é extremamente bom nisso. A dor e o cansaço do meu corpo já estavam ganhando da minha persistência. Embora esteja sentindo-o em minhas costas e seus braços praticamente me firmavam no lugar, Leonardo não me machucava. Na verdade, seu toque era tão cuidadoso que parecia querer exatamente.

Travando sua mão um pouco mais forte no meu ombro e aproximando mais o meu corpo do seu, respondeu: – Acalme-se, Collie. Nós não queremos o seu mal. – os nossos corpos tão perto um do outro me distraia. O único motivo de conseguir prestar atenção no Leonardo é... bom, por ele ser o Leonardo. – Já liguei para a pessoa que a levará para casa. Gabriel deve estar aqui em dez minutos. Portanto... – sua pausa me intrigou, mas sentir sua respiração próxima a minha orelha quase me levou a uma parada cardíaca. Deixei escapar o barulho da minha boca sugando todo o ar presente no ambiente. – Vamos apenas nos acalmar, certo, – aproximou seus lábios da minha orelha. – Sophie? – seu hálito fresco imediatamente encontrou o caminho do nariz, relembrando meus pulmões a importante missão de respirar.

Antes que pudesse me acostumar com a nossa proximidade, Leonardo soltou-se de mim e caminhou para a porta sem olhar para trás. Fiquei aliviada por ele não ver meu rosto fervendo, no ponto certo de fritar um ovo; ainda assim uma parte de mim desejava que ele simplesmente me fitasse. Esse sentimento me deixa confusa. Ele me deixa confusa.

Dois homens ficaram para trás com a tarefa de me tirar daquele quarto claustrofóbico, o que me mobilizou por trás, Jô, e o gigante, cujo apelido é o mesmo adjetivo que todos pensam ao olhá-lo. Eles se apresentaram gentilmente, pareciam incapazes de ferir uma formigando andando em seu caminho, principalmente o Gigante – o grandalhão parecia ter o coração do mesmo tamanho do corpo. Jô aparentava ser mais velho, cerca de vinte e sete anos, e o Gigante não chegava a vinte e três. A diferença física entre os dois, entretanto, era chocante. Jô tem a pela morena e os cabelos curtos e escuros, combinando com os olhos; Gigante era caucasiano e raquítico, dono de cachos loiros bagunçados e olhos castanhos claros. A única semelhança entre eles são os machucados que apareciam em toda parte do corpo exposta.

Atravessamos a não-porta e reparei na sala de onde vinha o falatório que me deixava tão angustiada há alguns minutos. A parede não tinha cor, assim como o chão e o teto, algumas partes os tijolos estavam à vista, outra era o chão com uma enorme rachadura. Três pequenos sofás velhos estavam espalhados juntamente de quatro cadeiras enferrujadas, aumentando a aparência de século passado do lugar. A situação estava tão precária que a construção parecia desmoronar a qualquer momento. Ignorei o fato de mesmo tendo vários lugares o lugar estar vazio. A pequena sala parecia ligar-se ao resto da casa, contendo quatro portas – uma que dava para onde estava, outra entreaberta que estava a vista parte de uma geladeira e alguns balcões, que ficava atrás dos acentos, uma que estava fechada e, por último, a que ficava de frente para os sofás, a porta de saída; a janela ao seu lado dava uma vista perfeita para a rua.

— Vamos esperar aqui até sua carona chegar, senhorita. – disse Jô, calmo e gentil, sorrindo.

Não pude segurar minha surpresa. Nunca tinha sido chamada de senhorita por outra pessoa antes, com exceção, é claro, de atendentes. Ouvir um ‘senhorita’ verdadeiro me deixou pasma e lisonjeada. Pensei que aqui seria o último lugar a encontrar cavalheiros.

O Gigante permaneceu quieto e distante, sentou do outro lado do sofá enquanto ocupei o lugar entre eles. Esta situação está estranha. Na verdade, isso está parecendo um roteiro de filme pornô. Por mais que eu tenha acreditado em Leonardo e os dois estejam sendo legais comigo, não me sinto confortável. Saber que estou sentada no sofá com dois caras em uma casa que aparentemente vazia me deixa extremamente desconfortável.

Ficamos calados alguns minutos, sem termos o quê conversar. Jô se arriscou em alguns assuntos, mas acabei tendo dificuldades em mantê-los por estar nervosa com a situação. Estava encarando a janela quando o rangido da porta fechada inundou o lugar, assustando-me. Os três homens que estavam com o Leo e o baixinho atravessaram e se esparramaram pelos sofás, resmungando coisas que não conseguia entender. Ótimo, agora estou em uma casa aparentemente não-vazia com seis homens., puta que pariu.


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