Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 4
O prato principal é a ameaça e a sobremesa é o Melhor Amigo


Notas iniciais do capítulo

Tá, demorei novamente para postar um novo capítulo. Não acontecerá outra vez... eu acho, haha.
Obrigada a quem conseguiu chegar até aqui e está lendo esta nota inicial. Bom capítulo e espero que aprecie.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/599480/chapter/4

A semana passou rapidamente e logo o dia da reunião me alcançou. Estava sentada ao lado da minha madrinha ouvindo as ladainhas do diretor. Aguentei os sermões e as lições de vidas sem fraquejar ou soltar algum insulto, coisa que, para mim, é surpreendente. Já recebi alguns castigos da escola apenas por soltar uma palavra na hora errada; não era integrante do grupo dos “rebeldes” nem nada do tipo, apenas saía automaticamente e, na maioria das vezes, quando não devia.

Minha sanidade foi salva durante a reunião por meus pensamentos, como na maioria das vezes. Estava atenta aos detalhes repassados por mim quinze vezes ao dia da aparência de Leonardo, fato que não entendia nunca. Olhos, ouvidos, boca e nariz... Cabeça, ombro, joelhos e pés, que, bom, não consegui enxergar por estarem tampados, mas tenho certeza que são lindos. Será que ele tem defeitos? Claro que deve ter! Nem essa paixão cega pode me ludibriar o suficiente para achar que ele não tenha nenhum defeito. Ele é perfeito, porém contém defeitos. Contradição é o meu nome do meio, o último é o sobrenome do Leonardo.

O diretor nos liberou depois de longos trinta minutos e eu acompanhei minha madrinha para a saída. Mesmo perdida em meus devaneios pude perceber os deslizes da figura respeitada. Quando eu olhava para ele, o rosto estava ruborizado, as mãos inquietas encima na mesa e seus olhos evitavam fitar os da minha madrinha. Como uma expert em ler gestos isso só pode ser... Paixão! Definitivamente paixão! Isso está tão óbvio que eu sequer preciso usar minhas habilidades. Será que minha madrinha sabe?

– É claro que sei. – declarou ela, depois de um suspiro. Eu não pude conter meu espanto.

– Desde quando a senhora é capaz de ler mentes?

– Sophie, você é a pessoa mais fácil de se ler do mundo. – o ar de decepção preencheu a lacuna que estava entre nós – Para ter uma ideia, você é mais óbvia que o Oswaldo.

– O quê? Eu não posso acreditar que sou desse jeito! É mentira!

Foi deste jeito que passei o caminho todo com a minha madrinha: choramingando. Eu me recuso a acreditar que sou daquele jeito. Logo eu, que pensei que o mistério era um dos meus charmes.

....

As aulas passaram normalmente, a não ser pelo fato do professor que me recepcionou no meu primeiro dia de aula estar pegando no meu pé. Ricardo lesiona história e é o típico professor estereotipado que apoia as teorias Marxista e usa blusa do Che Guevara com orgulho, também quer que todos concordem com os ideais socialistas. Ora, eu não dou a mínima para o socialismo. Apenas com o comunismo eu posso me esbaldar comprando minhas coisas favoritas, que, com o dinheiro que consigo desembolsar por mês, não passam de chicletes – para piorar, nem gosto tanto assim.

O recreio está sendo a parte mais estranha de toda a minha semana escolar. Já se passou uma semana que ingressei nesta escola e mesmo assim ainda não fiz amizade com alguém. Aliás, estão todos me evitando. Há dois dias fiz o teste da borracha – jogar a borracha “acidentalmente” perto da pessoa que senta do lado para usar como desculpa e bolar uma conversa agradável – e simplesmente me ignoraram! Até mesmo a menina que senta na minha frente finge que não existo quando a chamo.

Estou sentada em um banco de madeira que fica no pátio sem cobertura, logo atrás da construção escolar, um dos lugares mais disputados em dias ensolarados, e vejo que as pessoas estão se revezando para poder se sentar, mas ninguém vem dividir esta porcaria de banco comigo. Cabe mais três pessoas aqui, enquanto em uns estão fazendo caber seis. Puta que pariu, eu estou sofrendo bullying. As pessoas estão me ignorando ao invés de me xingar ou até mesmo agredir. Estou sofrendo um bullying da classe A. O bullying mais chique que já sofri. Meu deus, não sei se fico contente ou se choro.

Depois de alguns minutos me martirizando, percebi o quanto este recreio é parado. Não há nenhuma discussão aos berros, brigas ou brincadeira idiotas sendo feitas por ai. Ainda não conheci ninguém que esteja com o olho roxo. Mais à direita está um grupo grande com o número de meninos e meninas igualados, usavam roupas bonitas, com marcas que eu nunca ouvi falar. Não consigo ouvir a conversa deles, porém, segundo o meu sexto sentido, deve ser bem entediante – classificarei-los como “Os Chatos”. Na esquerda há diversos grupos menores conversando ocasionalmente, pois preferiam prestar atenção em seus celulares gigantescos – os "Sem-graça" é uma boa classificação. No centro há uma roda com a mistura de gêneros e, quase imperceptível no meio de tanta gente, a pessoa que mais me odeia no mundo está no centro, chamando atenção e falando alto o suficiente para que todos ali pudessem ouvir.

Encarei Gabriel e depositei todas as minhas energias negativas o máximo que pude, desejando que acontecesse algo humilhante o suficiente para ele ser lembrado com isso até no encontro da turma daqui a vinte anos. Minha expressão estava dura e completamente enrugada, mas se modificou com a surpresa que tomei quando nosso olhar se encontrou. Gabriel me lançou um sorriso cínico, o mais perceptível que já recebi em toda a minha vida.

E foi aí que a ficha caiu.

Foi esse filho da puta que me deixou sozinha aqui.

Me controlei para não dar outro soco em seu belo rostinho, chegando até a me levantar do banco, mas minha mente maléfica bolou um plano bem melhor. Vai melhorar a minha situação e piorar muito, muito a dele. Minhas risadas diabólicas escaparam de meus lábios e assustaram um casal que caminhava perto de mim.

Já estou escondida no mesmo lugar que descobri o segredinho do meu doce inimigo: o beco que ele tanto gosta. Se eu estiver certa, há cinquenta por cento de chance de ele passar por aqui e cinquenta por cento de não passar, pois na rua desta escola só existe duas saídas, a da esquerda – na qual estou escondida – e a da direita – na qual fica a direção da minha casa.

Estou esperando há meia hora e nada da vítima aparecer. Decidi dar mais só dez minutos até que ele finalmente chegou passando sozinho por fora do beco. Minha chance. Desencostei da parede que me apoiava e o abortei, soando o mais maléfica que podia.

– Querido Gabriel, – disse, forçando o ar cínico e confiante – você me fará companhia por alguns minutos... ou horas, se não aceitar bem a notícia.

Gabriel me lançou um olhar confuso. Seus olhos gritavam um “por que eu deveria?” e certamente um “vá se foder”.

– Vá se foder.

Talvez não só os olhos.

– Calma, companheiro. Você está em minhas mãos agora, então não abusa da sorte.

– Quem você acha que é? O Lula? - sua pergunta retórica me irritou, pois estava tentado o máximo possível para soar convincente. Não estou acostumada de fazer o papel da vilã. – Aliás, quem acha que é para falar comigo?

– Meu nome é Sophie. Prazer, sou sua nova melhor amiga de todos os tempos. – larguei minha atuação de malévola e o entreguei um enorme, doce, brilhante e nada verdadeiro sorriso.

A expressão do adversário estava apática, e era exatamente isso que queria que acontecesse. Entretanto, depois de poucos segundos, o beco foi inundado por gargalhadas escandalosas. Agora quem estava com a expressão apática era eu, pois estava tentando entender onde errei. Será que não presto para ser atriz?

– Deixa eu ver se entendi. – estava óbvio seu esforço por tentar segurar a risada, quase em vão. Algumas ainda escapavam de seus lábios finos e pálidos. – Eu, você e a palavra amigos na mesma frase sem um “nunca” antes? – e suas risadas exageradas voltaram. Dessa vez demorou quase dois minutos para se recuperar. – O que vem depois? Ameaça?

– Isso mesmo. – respondi ríspida, desejando que sua alegria acabasse logo. – É melhor colaborar comigo ou espalho por ai seu romance secreto pelo menino de outra escola.

Era mais do que óbvio que Gabriel gostaria de manter esse fato de baixo do tapete. As pessoas desta escola deveriam ser mente-fechada o suficiente para infernizá-lo pelo resto da vida se descobrissem de seu segredo.

– Você só pode ser louca. Nem existem provas.

– Eu não preciso de provas ainda. – e só com esta frase fui capaz de estilhaçar seu sorriso debochado de seu rosto – Não me importo de sair falando por ai e as pessoas acharem que for mentira, pois certamente eles te acompanharão com uma pulga atrás da orelha, mesmo sem as tais provas. Gostaria de passar o resto do ano sento perseguido por olhares curiosos, não tendo tempo para apreciar seu príncipe?

Desta vez quem detinha o poder da pergunta retórica era eu. Sim, meu trunfo é infalível. Gabriel abriu a boca para dar uma resposta, mas eu o interrompi.

– Ah, e antes que prefira correr o risco, - continuei com a mesma convicção -, eu mesma te seguirei para onde quer que vá até desenrolar as provas que necessitarei para comprovar minhas falas.

O ar se tornou carregado, a aura de Gabriel certamente estava querendo me estrangular. Embora estivéssemos cheio de sacos de lixo do lado, parecia que estávamos travando uma batalha no inferno, com nada além de fogo ao nosso lado. Estávamos competindo sobre quem permaneceria mais tempo fitando um ao outro e deixasse o inimigo arrasado.

Um passo para trás. Um olhar furioso.

Vitória. Pulos e gritos comemorativos preenchiam o beco.

– Então temos um trato, novo amiguinho? – a falsidade já residia entre nós desde o momento em que trocamos os olhares. Como aquela frase famosa dita por sei lá quem: mantenha os amigos por perto e os inimigos mais perto ainda. Bom, tirando a parte dos “amigos” até que se encaixa a mim.

Estendi a mão. Gabriel hesitou em apertá-la, mas o fez me xingando pelos olhos. Um “vá para a puta que pariu” estava esculpido em cada olho castanho seu, que outrora havia pensado ser esverdeado.

– Temos um trato. – afirmou ele, apertando minha mão fortemente. Não demonstrei dor, porém estava forte o suficiente para afasta-la mordendo meu lábio inferior. – Ah, e já ia me esquecendo. Vá para a puta que pariu. – e só depois do último suspiro largou minha mão, agora vermelhas e com marcas de deus dedos.

Estou ficando boa nisso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!