Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 25
Verdadeiramente Amigos


Notas iniciais do capítulo

*Voltando como se nada tivesse acontecido rs*



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Como sempre, é chato ficar de castigo. Já li todos os livros que trouxe de Leões e meu notebook foi confiscado, assim como o Wi-Fi para o meu celular. Dentro de casa apenas faço tarefas domésticas e acompanho a minha Madrinha com as programações tediosas da TV.  

Já na escola a história é outra. Assim que atravessei as grades escuras do portão senti olhares pesados para cima de mim. Logo vieram os burburinhos. Bem quando finalmente havia deixado os holofotes por ter capturado Gabi do grupo “somos descolados demais para andar com qualquer um”.  

— Aquela não é a garota que está sendo investigada por matar os próprios pais? O que ela está fazendo aqui? — cochichou um garoto do primeiro ano que nunca havia visto antes. 

Ótimo. As pessoas deviam se empenhar em passar boas notícias igual gostam tanto de repassar as más. E completamente erradas, ainda por cima. 

— Meu irmão mais velho me contou que ela é protegida de uma gangue de cor. Não vamos ficar perto — disse um secundarista — Ah, droga, acho que ela olhou pra cá! 

Esse, no entanto, me animou. Espero que corra solto. Não tenho vontade de fazer parte de uma dessas gangues, mas ter a segurança de nunca se envolverem comigo por medo me deixa um pouco mais confortável em apenas viver sendo eu mesma.  

Desfilei por todos lances de escadas cercada de olhos curiosos, sendo alguns até mesmo medrosos. Não era bem esse tipo de fama que eu queria. Mas, bem, devemos abraçar o que temos. Tomem cuidado comigo, mortais! 

Ao entrar na sala que teríamos aula, levemente atrasada, Gabriel veio correndo para o meu lado, atraindo os olhares dos nossos colegas de classe.  

— O que custa mandar uma mensagem? — inquiriu, resmungando logo nas primeiras horas do dia. 

— Bom dia, flor do dia — respondi.  

— É melhor se explicar ou vou arrancar esse seu sorriso com as unhas — sussurrou próximo ao meu ouvido, arrepiando os cabelos que tinham por ali. 

— Se eu disser em voz alta perderá todo o encanto que pude usufruir até agora. — Gabriel intensificou o seu olhar. Ele certamente fará o que prometeu. — Certo, certo. Castigo. Sem internet. E — Comecei a falar, interrompendo-o. — sem crédito. Ilhada. Solitária. Entregue ao silêncio da mente! 

Gabriel suspirou, caminhando ao meu lado até a minha carteira. 

— Entre na carreira de dramaturgia, você será ótima nisso. E por que não aceitou as minhas chamadas? — perguntou, ocupando uma cadeira vaga ao meu lado. 

— Você não vai acreditar. — Ele entortou os lábios e cruzou os braços. É. Não vai mesmo. — Estava longe do celular todas as vezes e não consegui atender. 

— Todas as sete vezes? 

— Todas as sete vezes. — Uau, parece absurdo até mesmo para mim. 

O primeiro sinal tocou e os alunos começaram a caminhar para os seus lugares. Gabriel fez o mesmo, sem mais palavras. No segundo sinal, recebi um SMS: “Conversaremos no intervalo”. Seco e direto. Algo de bom não estava por vir. 

O professor Ricardo teve o primeiro tempo normal, explicando fatos históricos de algum país que não me importei em prestar atenção. Eu estava com a cabeça nas nuvens. Me sobressaltei quando me foi lançada uma pergunta, que igualmente não me atentei o suficiente para entende-la. Fui franca ao dizer que não fazia a menor ideia, e mal pude suportar o seu olhar decepcionado depois das horas que perdeu comigo em seu reforço. Mesmo que seja uma situação comum em que os alunos soltem risadinhas, nada pudemos escutar. O silêncio é a pior parte. 

Ao final da aula, pronta para seguir meu amigo para o seu interrogatório, o professor me chamou até sua mesa. Sem mais escolhas, me dirigi até ele, deixando um Gabriel irritado sair da sala sozinho.  

A conversa não teve nada de importante. Ricardo questionou o que estava acontecendo comigo, pois nas últimas três semanas depois da prova tenho andando desinteressada e apática. Me limitei a agradecer pelo apreço e a dizer vagamente sobre problemas pessoais. Ora, meias verdades não são mentiras. Mas por que então o incômodo continua a fisgar meu estômago? 

Encontrei meus melhores amigos em uma mesa no pátio, seguindo as orientações que recebi por mensagem. Maria Luíza mastigava uma coxinha melada de ketchup e Gabriel mastigava um chiclete. 

— Certo. Queremos saber o motivo e por quanto tempo você, Sophie Novais, continuará a nos evitar. — Iniciou, não dando tempo para eu me sentar. 

— É a primeira vez que você fala o meu nome todo, Gabi! — Dei um tapinha em seu ombro, fugindo propositalmente do assunto. — Devemos comemorando quando eu sair do castigo. Que tal irmos ao cinema? 

Malu abaixo a cabeça, chateada. 

— Escuta, Sophie — Gabriel tirou minha mão de seu ombro e me deu um olhar com um brilho tão solitário que senti vontade de abraçá-lo. — Tudo bem se você não quiser falar. Não iremos te pressionar a fazer isso, mesmo que minha vontade seja voar em seu pescoço e apertá-lo tanto até que as palavras finalmente saiam. — Engoli em seco. Demonstração de carinho pra lá de Gabi. — Mas nós ficamos preocupados no final de semana. Foi uma situação horrível a qual você se envolveu e nós nem podemos imaginar como você se sentiu, não é, Maria Luíza? 

— Não podemos nem chegar perto em pensamentos — disse Malu. 

— Pode ao menos nos garantir que está tudo bem? E, mesmo que breve, dizer o porquê não atendeu o celular? 

Abaixar a cabeça é algo que fiz tão poucas vezes em toda a minha vida que é possível contar nos dedos. Mas agora estava eu, correndo com o rabo entre as pernas de seus olhares sinceros de tristeza e preocupação genuína, que mesmo assim respeitavam o meu espaço pessoal. 

Me peguei surpresa quando as lágrimas começaram a se formar. Apertei a calça jeans com força antes de começar a falar. 

— Gabriel — Duas lágrimas escorreram, fazendo os lábios do meu amigo crisparem. — Sei que nunca foi sua vontade ser meu amigo. Forcei a barra inúmeras vezes e além disso te ameacei, de maneira horrenda, a expor sua sexualidade para a escola inteira. Sinto muito. Jamais faria algo do tipo, sabe? Então quero que fique à vontade para abandonar essa relação conturbada que construí unilateralmente, apenas porque não gostei de você ter me isolado socialmente assi que cheguei na escola. Você não é obrigado a ficar comigo. Juro que nada sairá da minha boca, mesmo que vez ou outra acabo escorrendo na minha própria língua. Mas que com essa questão terei o dobro, não, o triplo de cuidado! Desculpa por tudo o que fiz até agora... 

Gabriel deu um longo suspiro. Uma de suas mãos veio em minha direção, pousando os dedos em meu queixo e levantando suavemente minha cabeça, fazendo-me olhar para ele. 

— Realmente, devo concordar com você. Não gostei da maneira como nos conhecemos. Me senti exposto e temi cada vez que meu despertador tocava para me acordar para ir a aula. No entanto, cara amiga cabeça de vento, eu já a perdoei há muito tempo, assim como espero que me perdoe por ter sido um merda quando trocamos as primeiras palavras. — Não pude segurar o restante das minhas lágrimas. Minhas mãos apertaram a sua com força. — Foram apenas dois meses e, veja, você virou a minha vida escolar de cabeça para baixo! Bem no meu último ano! Mas não se sinta culpada por conta disso — Gabriel leu meus pensamentos. — Sou até um pouco grato. Iria enlouquecer se tivesse que manter que me interesso por futebol e festas lotadas de gente chata por mais um ano inteiro. 

Acompanhei sua risada breve. 

—  Agradeço por estar me dando uma escolha agora. E eu escolho ficar ao seu lado. Tenho que honrar o cargo de número um, não é mesmo? 

Eu voei em seu pescoço, dando um abraço apertado que me livrou de todas as angustias que vinha sentindo desde quando usei uma tática insensível para conquistar a amizade de Gabriel. Meus soluços atraíram a atenção de todos do pátio, mas eu não dava a mínima. Que vejam o meu lado humano. 

— Muito obrigada, Gabi. E é claro que te perdoo! — Fungava e soluçava apoiada em seu ombro. — Obrigada por querer ser meu amigo, apesar de tudo. Achei que estava te fazendo sofrer esse tempo todo!  

— Certo, certo. Não tenha dúvidas nisso. — Ele massageou as minhas costas. — Ei, vai sujar a minha blusa! Limpa esse nariz! 

Malu retirou um lenço do bolso e me limpou. Seus olhos estavam tão marejados quanto os meus e começamos a escutá-la a choramingar. 

— Ah, não! Duas choronas, não! — resmungou Gabriel, voltando ao normal. 

— Mas é que foi tão emocionante — argumentou, agora usando o lenço em si mesma. — Estou tão feliz por ter conhecido vocês dois! 

— Eu também! — eu disse. — Obrigada por serem meus amigos de verdade! 

Abrimos o coro de berreiro esmagando Gabriel com abraços apertados. Sua face estava avermelhada, mas não sei dizer se era de raiva ou vergonha.  

— Mas Sophie, algo que você me disse despertou minha atenção. — Nós nos olhávamos, ambos com um enorme ponto de interrogação na testa. — Eu não te isolei socialmente em momento algum. 

 

Nós voltamos para nossas respectivas salas abatidos. Meus olhos inchados eram visíveis até mesmo do outro lado do prédio e alguns agora até comentam que estava metida com drogas. Gostaria imensamente de ter dez por cento da imaginação das pessoas que sobrevivem à base de fofocas. 

Tive que explicar para o professor do segundo turno da manhã o que houve, já que sua preocupação não o deixou começar a aula. Agora, no entanto, todos da sala sabem que Gabriel foi inteiramente o motivo, mas de um jeito bom. Cochichos começaram e não me importei nem um pouco.  

Para fechar com chave de ouro, antes de chegar a minha carteira, fiz um coração com as duas mãos e apontei na direção da cabeça laranja nos fundos da sala. Ganhei uma expressão indignada e reclamações que não pude escutar, pois agora a sala virou uma algazarra de suposições sobre um romance que nunca existiu e nem existirá.  

 

O dia se encerrou de forma leve. Estávamos nos três conversando sobre os acontecimentos de hoje no portão de saída, pois eu ainda tinha alguns minutinhos antes de correr para casa e cumprir o castigo. Recebíamos dedos acusadores toda vez que uma turminha passava por nós para entrar em seus carros importados e ir embora. Apenas Gabriel se importava. 

— Eu devia ter pensado melhor. Droga. Por que fui decidir de cabeça quente? — Ele se lamentava, bagunçando os cabelos. — Minha vida social está definitivamente morta. Enterrada a sete palmos!  

— Você disse mais tarde que estava até mesmo grato por eu ter o tirado daquele sofrimento, Gabi. Vamos, não seja dramático — eu disse. 

— Estou começando a rever os meus conceitos. — Gabriel entortou os lábios. — Estão sussurrando sobre estarmos namorando! Namorando! Quando eu decaí tanto? Ai! — Dei um chute em sua canela.  

Quando começamos a nos despedir, no entanto, uma figura baixinha acompanhada de uma grandona apareceu na nossa frente, fazendo meu queixo cair. 

— Mas o que é que vocês estão fazendo aqui? — quase gritei, pega de surpresa. 

Pedro manteve seu olhar determinado e Gigante estava concentrado no saquinho de balas de carregada entre o braço. Nos ofereceu e Malu e eu aceitamos, dando uma pausa na indignação. Morango! Minha favorita! 

— Ei, desde quando você recebe as pessoas desse jeito? — perguntou Pedro, cruzando os braços. Sua testa, como sempre, vincada. Estava para responder quando continuou. — Estamos aqui a mando do chefe, já que você acabou sendo perseguida por causa dele. Não vai acontecer de novo enquanto escoltarmos você até a rua de sua casa. 

— Guarda-costas? Nem pensar. Sei cuidar de mim muito bem! — garanti, igualmente cruzando os braços. 

Neste momento quatro pares de olhos me observaram em total descrença.  

— Talvez sem a parte do muito — eu disse, mas persistiram. — Tá, talvez sem a frase toda. Satisfeitos? 

— Olha — começou Pedro. — Isso não está em discussão. O chefe mandou, nós obedecemos. Podemos ir? Agora à tarde tem um jogo muito bom e não quero me atrasar. 

— Então vá direto assisti-lo. Não quero dois caras me seguindo por aí, ainda mais na direção da minha casa! — Comecei a enxotá-los. — Xô! Diga ao meu marido que agradeço pela preocupação, mas que jamais poderia aceitar um absurdo desses. Passar bem! 

Pedro manteve-se firme do chão. Quanta lealdade! 

No entanto, uma lâmpada acendeu-se em cima da minha cabeça. 

— Ei. — Um sorriso malicioso brotou de meus lábios. — Vou refrescar sua memória sobre uma certa aposta que fizemos... — O rosto de Pedro imediatamente empalideceu. — Isso mesmo. Então aqui está minha primeira ordem: vaza. Sério. Agradeço pela intenção, mas não quero nada disso. Posso correr se algo acontecer e juro que vocês serão as primeiras pessoas a saberem. Juro! 

Bingo. Agora Pedro pareceu mais aberto a ideia de me deixar voltar sozinha para casa, como fiz até então. Porém, é óbvio que estava tendo um grande dilema moral antes de se decidir: obedecer ao chefe ou a aposta?  

— Certo — disse o baixinho, coçando a cabeça. Quase podia sentir os xingamentos direcionados a mim dentro de sua cabeça. — Se o chefe pedir, no entanto, nós voltaremos. Todos os dias. 

— E eu negarei. Todos os dias — disse. 

Pedro revirou os olhos e começou a se retirar. Gigante, porém, continuou no lugar, me observando. Eu retribuí o olhar, curiosa. 

— Sophie — chamou. Eu tombei a cabeça. — Me pediram para te fazer uma proposta. — Pedro parou de andar, igualmente interessado. — Você tem interesse em participar da Alvorecer Rubro? 

Meu queixo caiu. Malu, Gabriel e Pedro só faltaram cair duros no chão. Gigante continuou mastigando suas balas, completamente despreocupado. 


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