Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 22
O dia que o Flash comeu poeira


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas. No capítulo de hoje aprenderemos como não agir igual a Sophie.
Sério
Não façam isso
aushakauhsaka.

Sequência mágica de capítulos porque minhas segundas provas estão chegando e sumirei por um tempinho. Devo trazer mais um ou dois capítulos antes de desaparecer.

Abraços



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Maria Luiza não aguentava manter o meu ritmo de corrida, várias vezes tropeçava e perdia o fôlego, mesmo que só tenhamos corrido por duas ruas. Encontramos cerca de três pessoas no caminho, mas optei por não perder tempo pedindo ajuda para as pessoas de meia idade, pois certamente não seriam capazes de parar o brutamonte que nos perseguia – eles levariam uma surra e nós outra.  Com sorte, chamariam a polícia assim que nos visse fugindo.

Virei em um beco à esquerda, tentando despista-lo. O chão grotesco sujava meus tênis, que espalhava gotículas de chorume pela minha calça jeans escura. O cheiro era insuportável. A escola ficava em um bairro nobre, onde as ruas sequer tem lixo no chão, então encontrar um lugar tão mal cuidado era uma surpresa.

Estávamos na metade no trajeto quando ouvi passos apressados vindos de trás. Era ele. Sem parar, puxei todas as caixas de papelão e sacos pretos de lixo que estavam amontoados a nossa volta para o chão, colocando obstáculos, desejando que ele seja idiota o suficiente para tropeçar em algumas dessas coisas. Ao virarmos para a direita, assim que deixamos o beco escuro, percebi que tudo tinha sido em vão. Mas também percebi Maria Luiza virada para ele, gesticulando alguma coisa com as mãos. Continuei correndo.

Estava ficando exausta de dobrar ruas desconhecidas e não achar um número significativo de pessoas. Podia ouvir Maria Luiza bufando atrás de mim, se esforçando mais do que aguentava. Também estava chegando ao meu limite. Não sabia como poderia chegar a ruas movimentadas, sequer sabia onde estávamos agora. Enfiei-me por tantas ruas que acabei me perdendo. Duvidosa, dobrei a direita novamente, esperando voltar à rua da escola e desta vez ter tempo de passar pela porta de vidro, gritando por ajuda. Mais deserto.

Olhei de soslaio para trás ao ver que tínhamos uma longa reta pela frente, certa de que o grandalhão estava prestes a desmaiar de cansaço. Impossível. Mesmo com todos os músculos e um corpo enorme, ele estava energético, nem ao menos demonstrava falta de ar. Para piorar a situação, estava ainda mais próximo. Com o susto, lembrei-me da sua face. Era o carrancudo, o mesmo que havia encurralado Leonardo no beco há um mês. O homem que me desmaiou. Da primeira vez que nos encontramos estava acompanhado de mais dois homens, apesar de ambos estarem espalhados no chão quando cheguei. Ele achava que poderia dar conta de mim sozinho, o que me irritou. Se tiver o desprazer de encontrá-lo novamente, sem correr o risco de arrastar pessoas inocentes para a briga, farei questão de apagar seu ego.

Dobrei a esquerda desta vez, desistindo de encontrar a rua da escola, pois assim ficaríamos andando em círculos e nós duas não estávamos em condições para manter a corrida por mais tempo. Ainda no deserto. Meus pulmões estavam me matando. Arrependi-me imediatamente de parar de treinar.

Quando estava prestes a virar a próxima rua um falatório ao longe inflou minha esperança. Pessoas. Muitas pessoas. Continuei reto, seguindo o barulho, desta vez com mais determinação. Finalmente estávamos chegando a algum lugar. Olhei para trás novamente, certa de que estava deixando o grandalhão para trás com a volta da minha velocidade, mas ele estava ainda mais perto. Sua expressão deixou de ser um animal que se divertia perseguindo suas presas, agora estava em pura cólera, bufando ao usar mais velocidade do que se permitia, como um touro pronto para atravessar os chifres em nosso corpo.

Voltei a prestar atenção no som. Virei à direita. Segui reto, passando duas ruas. Esquerda. Direita. Estávamos no meio de outro beco quando nossa visão alcançou pessoas transitando na rua a frente. Era realmente uma luz no fim do túnel. A esperança nos deu ainda mais velocidade, gastamos nossa última energia para alcançar o fim o mais rápido que pudermos.

E chegamos sãs e salvas. Nossa corrida acabou empurrando algumas pessoas, o que resultou em xingamentos, mas estávamos ocupadas demais recuperando o fôlego para dar atenção para isso. Apoiei minhas mãos no joelho e puxava e soltava o máximo de ar que conseguia, sentindo dor em meus pulmões. Ainda sufocada desviei o olhar para minha companheira de corrida, checando seu estado. Maria Luiza estava de joelhos na calçada e cobria a boca com as mãos, segurando o vômito. Aproximei-me dela, preocupada.

— Não precisa segurar. – garanti, pousando as mãos em seus ombros, agachando-me em sua frente. – Pode vomitar. – seu corpo tremia violentamente quando balançou a cabeça, negando a proposta.

Algumas pessoas nos notaram no chão e vieram ao nosso socorro, nos inundando com diversas perguntas que ignorei. Não percebi que um guardava estava ao nosso lado até ele agachar e começar a massagear as costas de Maria Luiza, incentivando-a vomitar. Depois de trintas minutos uma ambulância chegou, também não havia percebido alguém a chamando. O guarda, um senhor de meia idade, deixou os enfermeiros guiarem Maria Luiza até o veículo. Propuseram minha ida, um pouco menos preocupados com o meu estado, mas neguei veemente. Além de não estar tão mal, não quero ter que explicar para minha madrinha o porquê de estar no hospital. Depois de cansarem de insistir, o veículo nos deixou.

Permaneci olhando sua ida por alguns minutos quando senti uma mão tocar meu ombro. Assustada, imaginando ser o grandalhão, virei meu pescoço o mais rápido que pude. O guarda.

— Queira me acompanhar. – começou a me guiar para trás, sem esperar minha resposta.

Acabei seguindo-o sem raciocinar. Assim que vi o carro de polícia, gelei. Pior do que avisar para minha madrinha que estava no hospital, era avisar que estava em uma delegacia. Desvencilhei meu ombro da sua mão.

— Por que tenho que entrar ali? Não quero! – falei, embolada, passando mais nervoso do que gostaria.

O guarda me lançou um olhar severo.

— Vamos. – tornou a segurar meu ombro.

— Não precisa! É sério! – insisti. Preciso evitar ir para lá. – Não aconteceu nada demais! – tentei me afastar, mas o senhor não deixou. Continuamos a andar em direção ao carro.

O senhor abriu a porta e ficou olhando para mim, me esperando a entrar, o que não fiz. Ao ver que estava livre do seu toque, afastei alguns passos.

— Olha, não preciso mesmo ir. Já cuidei de tudo. Era apenas um bêbado que nos confundiu. – menti descaradamente, torcendo para que ele acredite.

Estava nervosa, morrendo de medo de ser arrastada para uma delegacia. Não fiz nada de errado, mas não quero arriscar a contar para ele que estava envolvida com uma gangue de cor e acabar sendo presa. Definitivamente não quero. Afastei mais alguns passos, sentindo o tremor em minhas pernas.

Serei obrigada a contar o motivo de alguém da Note Prateada estar me perseguindo.

— Foi apenas um mal entendido... – continuei em meio a gaguejos.

Serei obrigada a mencionar o meu envolvimento com a Alvorecer Rubro.

Um passo para trás.

— Sério! Seríssimo! – meus braços acompanhando minhas falas só serviram para me fazer perceber o quanto eles estavam tremendo.

Serei obrigada a contar sobre todos eles.

Afastei mais um passo.

— Sério... apenas... um mal entendido... – minha voz começou a falhar ao perceber que o senhor permanecia sério, sem se convencer pelas minhas falas.

O guarda, agora com as sobrancelhas erguidas, demonstrou um olhar de compaixão, o que não fazia o menor sentido. Ser perseguida deste jeito obviamente não é algo bom, mas também não precisava que ele sentisse pena por mim. Não tão profundamente. Estava prestes a interroga-lo quando começou a mexer as pernas em minha direção.

 E foi aí que tomei a decisão mais estúpida da minha vida.

Comecei a correr.

Minhas pernas não estavam firmes o suficiente, tanto por causa do cansaço da fuga anterior quanto por causa dos tremores de medo. Corria para o meio da multidão, o mesmo plano de antes. O senhor certamente me perderia facilmente com tanta gente transitando para tantos lados. As pessoas também atrapalhariam seus movimentos.

Estava correndo de um guarda. Uma autoridade!

Empurrava mais e mais pessoas conforme ia abrindo caminho ao mar de gente. Não tinha fôlego para pronunciar nem ao menos uma desculpa, apenas continuava o mais rápido que podia. Um barulho de apito atrás de mim me fez tremer mais ainda. O guarda estava alertando minha procura. Forcei ainda mais minhas pernas. Olhei para trás e vi pessoas abrindo caminho, facilitando a busca para o senhor.

 

 

Não sei bem ao certo quando fui capaz de despistá-lo. Continuei a correr durante bastante tempo, sem coragem de olhar para trás. Virei ruas e mais ruas, atropelando todos que entravam em minha frente. Estava quase berrando por ajuda, mas a pessoa mais apta a me socorrer era exatamente a que estava me perseguindo. Não parei de tremer nem por um minuto.

  Quando cai de joelhos no chão, exausta, percebi que não estava sendo mais perseguida. Agradeci mentalmente a todas as divindades possíveis. Desta vez era a minha vez de passar mal. Não segurei o vômito como Maria Luiza, caminhei até um canto e soltei tudo ali mesmo. O esforço além do possível parecia ter quebrado todo o meu corpo e, para completar, minha cabeça latejava fortemente.

Fiquei mais dez minutos na rua residencial, recuperando mais um pouco de fôlego para caminhar de volta para casa. Antes de retomar o meu caminho enfiei a mão dentro da mochila, procurando meu celular. Eram 14h15. Fiquei correndo muito mais tempo do que imaginei. As notificações mostravam sete ligações da minha madrinha, vinte e três do Gabriel e quatorze de um número desconhecido. Toquei para retornar as ligações da minha madrinha, mas encerrei antes de completar. Não tinha nada para dizer agora. Não quero pensar em uma desculpa agora, morta de cansaço.

Por fim, acabei usando o escasso fôlego apenas para arrastar meu corpo para casa e perguntar a estranhos o caminho para chegar lá, já que não faço a menor ideia de onde estou. Alguns me ofereceram ajuda para me levar até o hospital, mas recusei. A única ajuda que aceitei foi de uma velha senhora que me deu um gigantesco copo d’água, que repeti por mais cinco vezes. Senti-me mais renovada.

Atravessei a porta de casa 15h30 e, sem me preocupar com mais nada, joguei-me em cima do sofá. Senti todos os meus músculos doloridos e gemi baixinho, sendo abafada pela almofada que enfiei na minha cara. Finalmente pude respirar tranquila, sem o medo do grandalhão ou o guarda me acharem e me arrastarem para lugares que não queria ir. Ali, trancada dentro da casa da minha madrinha, me sentia salva. Relaxei meu corpo inteiro. Estava prestes a pegar no sono quando me obriguei a levantar. Não podia perder a hora. O horário de almoço da minha madrinha terminava às 14h e ela retornava às 20h, então neste meio tempo tinha a casa toda para mim. Se eu acabar dormindo aqui, cansada do jeito que estou, acordaria somente de noite.

Arrastei-me até as escadas a fim de chegar até o banheiro e tirar todo o suor do meu corpo quando, ao passar pelo espelho, vi algo assustador. Eu. Meus cabelos estavam atrapalhados e muitos fios grudavam pela minha face molhada de suor. Minha face estava pálida, ostentando, ainda, um olhar assustado. Ao abaixar meu olhar percebi o estado do meu uniforme. O grandalhão o alargou demais, a gola ia até a metade dos meus seios, em um decote esquisito. A manga esquerda caia pelos meus braços, deixando a alça branca do meu sutiã à vista. Estava digna de uma das sobreviventes de um filme de terror.

Já limpa e com os meus confortáveis pijamas, me joguei da cama, deixando meu corpo descansar mais uma vez. Fiquei tantos minutos sem sequer me mexer que se alguém me visse assim declararia como morta sem pensar duas vezes.

Ainda não queria me deixar dormir, então puxei meu celular para perto de mim e me obriguei a pensar em alguma coisa para dizer à minha madrinha e a responder Gabriel. Havia duas mensagens da minha responsável, uma me xingando por ter a feito esperar para almoçar e outra me advertindo por estar atrasada sem ao menos ter lhe dado satisfação. Respondi com breves palavras que havia ficado na escola ajudando Maria Luiza com um trabalho. Como estava mandando mensagens, não me incomodei em parecer tão autêntica, o que certamente não conseguiria. O que de fato me chocou foi a quantidade de mensagens de Gabriel. Setenta e quatro no total. Uau. Pelas minhas pálpebras não estarem aguentando mais permanecerem abertas acabei não lendo todas, fui direto para o final. Era um “onde você está?” gigantesco seguido de diversas interrogações. Suspirei.

“Em casa”— mandei, esquecendo o celular do meu lado e mergulhando no mundo dos sonhos.


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Notas finais do capítulo

Quem é Bolt perto de Sophie?