Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 2
Missão: Destruição da Imaginação


Notas iniciais do capítulo

Demorei um pouquinho, mas aqui está ~



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As mesas e as cadeiras do colégio são de madeiras, coisa que acabou de destruir um dos meus sonhos de estudar em poltronas confortáveis. Não sei porque não são, aliás. Com a uma mensalidade dessas eles deveriam estar pisando em ouro – o que não duvido.

Coloquei minha mochila encima da mesa e dei uma boa olhada novamente na sala. Em relação as que estudei, essa é bem menor e mais preservada. Não tem sequer um piche de corretivo nas paredes ou indiretas escritas nas carteiras. Inacreditável. Ao desviar meu olhar para a porta para finalmente seguir meu rumo, me deparo com uma presença debruçada em sua carteira apoiando sua cabeça com ambos os braços e sua face virada para mim, entretanto estava com os olhos fechados. O garoto estava com uma expressão tão angelical no rosto que por um momento achei que tivesse visto um par de asas. Seu cabelo ruivo (meu deus, ruivo! Nunca tinha visto um natural pessoalmente) estava levemente bagunçado, fato que apenas aumentava seu charme. Sua pele estava um pouco pálida, apesar de não chegar nem perto do tom da minha – isso é a consequência de ficar no quarto mais do que ao ar livre. Tenho certeza que seus olhos são de coloração esverdeada, pois ruivos sempre são mesmo.

Tive um mini-ataque cardíaco quando ele resolveu virar para o lado da parede, pensando que havia me descoberto. Estava correndo alguns riscos já que o barulho que vinha do lado de fora estava alto o suficiente para despertar alguém, acho incrível o modo que ele consegue aguentar tudo isso e permanecer em seu mundo dos sonhos. Decido me retirar enquanto ainda tenho sorte.

— Nem um pouco discreta – comentou a voz atrás de mim faltando apenas dois passos para deixar o céu. Nunca me senti tão nervosa na vida. É como se meu coração tivesse levado um nocaute e minha alma deixado meu corpo ali para agonizar. Seu tom sarcástico seguido de uma risada abafada me deixaram nervosa e antes que eu percebesse já estava caindo em seu jogo.

— NÃO! – disse sem pensar direito e virando para ele rapidamente. Ele com certeza percebeu meu susto e minha mentira, até mesmo meu rosto queimando, dando sinal que está vermelho. – ... quer dizer, não, não é isso que você está pensando. – Duvido que acredite em mim, mas preciso, pelo menos, fingir que eu estou acreditando em mim mesma.

Sai da sala sem prestar novas desculpas, o que aconteceu já foi demais para mim. Continuei andando sem rumo pela escola. Em pensar que um garoto estava dormindo tranquilamente na sala de aula e eu acabei atrapalhando seu sono e até trocamos algumas palavras logo no meu primeiro dia de aula... Parei.

...

ISSO NÃO É COINCIDÊNCIA DEMAIS? Nem eu mesma posso acreditar em uma coisa dessas! Está acontecendo tudo exatamente como em Puro Love – meu jogo de simulação de namoro preferido – e Love Love Melody – meu mangá favorito. A sorte finalmente está ao meu lado! Isso é apenas um aviso para eu seguir os passos da protagonista e finalmente me dar bem no amor!

Eu não tinha percebido que estava no meio do corredor gesticulando junto aos meus pensamentos até sentir uma mão tocar o meu ombro bruscamente. Eu virei rapidamente e fitei a pessoa com um sorriso completamente forçado, mas não a reconheci.

— O que está fazendo? – era um senhor de idade. Seus cabelos eram acinzentados com raros fios brancos e continha um bigode seguindo o mesmo padrão. Sua expressão estava indicando o quanto estava me achando estranha.

— Ahn... Estava treinando alguns movimentos para uma nova coreografia que estou inventado. Tenho um grupo de dança... – Uma desculpa completamente esfarrapada, porém deu certo. Sua cabeça assentindo me deixou aliviada. Ele deve ser muito idiota para acreditar em algo como isso... ou eu sou uma gênia com as mentiras.

— Peço que me acompanhe até minha sala, senhorita Sophie. Precisamos conversar sobre o seu enorme atraso. – Droga. Eu tinha esquecido completamente sobre esse assunto.

Não, calma, esse é o diretor?!

Foi uma caminhada tortuosa até o primeiro andar por ser massacrada por diversos olhares curiosos. Eu poderia ignorar se fossem muitas pessoas, porém ignorar todos da escola é bem difícil. Viramos em um corredor e no fim dele pude observar uma porta que continha uma placa escrita “Diretoria”. Eu raramente a visitava na minha antiga escola, então começar o ano letivo já a frequentando é uma experiência nova. Eu serei morta no momento em que pisar na minha nova casa. Posso até mesmo imaginar o William Bonner dando a trágica notícia.

A sala era de um tom de creme que eu nunca tinha visto antes, lindo. Os móveis de madeiras combinavam com os vasos que decoravam toda a sala. Nós passamos pela sala dos professores – que estava lotada e também me encaravam – e seguimos por uma outra porta mais ao fundo. “Oswaldo” – ótimo. Pelo menos agora eu sei o nome dele. A sala seguia o mesmo padrão da outra, porém com uma enorme poltrona de couro me chamando tentadoramente. Ele logo a ocupou, me deixando depressiva.

— Acomode-se. – Não, meu caro diretor Oswaldo, se fosse para me acomodar de verdade te tiraria daí agora mesmo. Bom, do mesmo jeito segui suas ordens.

~

A conversa foi totalmente tediosa, podia jurar que ouvir minha irmã mais velha reclamando do seu namorado seria bem mais interessante. Aliás, qualquer porcaria seria melhor que aquilo. Toda a baboseira durou mais do que havia previsto, todos já foram embora. Passei a maior parte do tempo com os pensamentos longe - mais precisamente naquele garoto -, mas fui obrigada a prestar atenção quando ele citou meu responsável. O pior é que ele já havia comunicado com ele antes de ter essa conversa comigo! Moral: próxima sexta teremos uma reunião.

Agora aqui estou eu, congelada na frente da porta da minha nova casa, com medo de entrar e ser devorada viva. Quando finalmente adquiri coragem o suficiente para girar a maçaneta, fui surpreendida com a porta abrindo subitamente e uma mão agarrando fortemente meu pulso me puxando para dentro.

— Bem, mocinha, eu quero muito saber o que você tem a dizer. – e aqui está ela, fitando-me com irritação que todo responsável estaria depois de descobrir que sua amada afilhada faltou duas semanas de aula sem nenhum motivo forte o suficiente.

A minha madrinha sempre foi uma pessoa bem vaidosa, até mesmo dentro de casa trajava roupas bonitas e elegantes. Não temos o mesmo sangue, ela é, na verdade, a melhor amiga da minha mãe desde o fundamental. Elas se separaram porque, bem, minha madrinha se deu bem na vida. Não chega a ser podre de rica, porém seu salário deve ser entorno de cinco vezes mais do que o da minha mãe – o que, para mim, já pode ser classificado como bem-sucedido. Ela não se importou com o meu pedido egoísta de me mudar para a casa dela, me respondeu que “seria um bom treinamento para quando tiver filhos”. Minha madrinha está chegando aos cinquenta anos e ainda não tem uma família – às vezes um paquera aqui e acolá, mas nada de namoro firme.

— Eu não fiz por mal! Você sabe, madrinha. Estávamos juntas quando fomos pegar as informações necessárias na escola! – a menos que...

— Sophie, você não anotou errado? – Bingo! – Francamente... – seu suspiro de decepção me fez pensar que minha cabeça finalmente rolaria – Bom, não tem mais jeito. Vamos resolver o problema na próxima sexta. - ao fim da fala, caminhou tranquilamente até a cozinha, como se nada tivesse acontecido.

Não, isso definitivamente não pode estar acontecendo. Minha madrinha é uma ótima mulher, entretanto e bem estressada. Como raios ela deixará este acontecimento passar impune? A segui. Preciso saber se é realmente verdade.

Nossa cozinha é um pouco apertada, porém é muito bem organizada. A brancura dos azulejos realça os móveis pretos, como o fogão e a geladeira. A cor favorita da minha madrinha é verde-musgo, então alguns detalhes da cozinha era desta cor, como o encosto e o assento das quatro cadeiras que cercavam a pequena mesa de vidro, que ela fazia questão de limpar uma vez por dia.

— Madrinha, como assim ficarei impune? – ela me escutava enquanto mexia na geladeira, procurando algo – Você tem certeza mesmo? – e minha resposta foi uma forte batida da porta da geladeira.

— Sophie, é claro que estou morrendo de vontade de te deixar trancada no quarto por tempo equivalente a suas faltas – assustador! –, mas eu não posso fazer nada se foi apenas um acidente. Essa tipo de coisa acontece, sabe? E não sou tão chata ao ponto de castigar alguém por isso. – corri para dar uma abraço bem apertado nesta amada pessoa que agora é minha família mais próxima.

— Eu te amo! – afirmava em meio a sorrisos.

— Eu sei, eu sei. Agora me solta que preciso fazer algo para comermos.

A obedeci e segui para o meu quarto, que ficava no segundo andar. Atravessei a sala novamente e subi as escadas, situada ao lado do sofá verde-musgo e da minha companheira na ausência de coisas legais e da minha madrinha toda manhã: a televisão.

O restante do dia passou rápido, depois do jantar, gastei a maior parto do tempo relendo Love Love Melody para pegar algumas dicas e colocar em prática no meu novo amor! Sim, agora está oficialmente declarado: eu, Sophie Novais, estou A-PAI-XO-NA-DA! A noite foi como uma criança – a criança que terei com o meu novo amor que ainda não sei o nome –, tirei o máximo de proveito dela imaginando nossas vidas felizes depois do casamento. Leonardo e Beatriz são os nomes dos primeiros gêmeos, os quadrigêmeos serão Rafael, Ricardo, Amanda e Mariana, os próximos Arthur e Amélia. Infelizmente, não consegui pensar nos nomes dos quinze cachorros e dez gatos, adormeci agarrada ao Sr. Pomposo – meu urso gigante com um tapa-olho.

Na manhã seguinte acordei bem mais cedo e tomei o meu café rápido, para não me atrasar como ontem. Estava de bom humor por ter descoberto meu novo amor, mas imaginar a caminhada de quarenta minutos ainda me deixava depressiva. Ainda não sei como funciona a rota dos ônibus por aqui e minha madrinha também não sabe, pois vai para o trabalho de carro, então eu não tenho muito opção.

Mesmo sendo a segunda vez, minhas pernas ainda não se acostumaram e estavam dormentes. Não ando tanto assim há muito tempo. Para a minha alegria a escola estava a alguns metros e finalmente poderei rever... ele, que ainda não sei o nome. Hoje ficarei para a chamada e prestarei atenção. Estava consumida pelos meus pensamentos melosos e incríveis sobre ele enquanto passava próxima a um beco quando minha mente avistou um borrão laranja na escuridão e me fez virar bruscamente em sua direção lotada de esperanças.

Era meu amado!

Espera, na sua frente há um borrão alguns centímetros menor preto. Quando minha vista se acostumou, pude perceber que era o cabelo de outra pessoa com a face próxima à ele. Estavam se beijando. Aliás, era outro garoto. Para piorar, fiquei paralisada por tanto tempo que trocamos os olhares e se surpreendeu, mas sem largar os lábios do garoto de cabelos pretos. Por dentro ele deve estar rindo do meu queijo caído, dos meus olhos totalmente arregalados e da minha pele mais branca que papel.

Quando chegar em casa definitivamente queimarei todos os meus mangás de Love Love Melody.


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Notas finais do capítulo

Sem referências o/