Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 17
A cidade colorida


Notas iniciais do capítulo

Resolvi postar mais cedo do que esperava, haha.
Tenho que recompensa-los pelo tempo que sumi.



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Dava os últimos ajustes na minha roupa em frente ao espelho comprido do primeiro andar. Meu short jeans claro combinava com a blusa de listras colorida de ombros caídos, perfeita para o calor de hoje. Meu tênis de cano curto curte bege claro com pequenos pontinhos dourados nas laterais era a minha última aquisição da minha cidade natal. No momento estou encarando o meu reflexo no espelho pensando se devo ir com o cabelo solto ou com rabo de cavalo alto. Fazia, desmanchava. Não conseguia me decidir.

— O que está fazendo, Sophie? – minha madrinha perguntou do sofá atrás de mim sem tirar os olhos da televisão. Sua folga era sempre muito bem gasta com os olhos presos na tela pequena.

— Não consigo decidir em como deixar o meu cabelo. – passei a mão pelos fios lisos. – Você acha melhor de cabelo preso ou solto, madrinha?

Pelo reflexo pude ver seu corpo se remexendo no sofá, levantando-se. Com os pés descalços a minha madrinha caminhou graciosamente até mim e pousou as mãos habilidosas em meu cabelo solto. Enfiou as unhas compridas até a raiz e trouxe os fios castanhos para trás. Roubou a buchinha da minha mão e prendeu meus fios rebeldes em um rabo de cavalo alto.

— Combina com o calor de hoje, querida. – soltou entre o sorriso leve de seus lábios finos. Eu olhava satisfeita para o meu reflexo. Realmente combinava. – Vai sair com o Gabriel e... como é o nome da sua nova amiga mesmo? Luiza?

— Isso. Luiza. – confirmei sem tirar os olhos do meu perfeito penteado. – Mas não vou sair com eles. – desviei meu olhar do espelho para a face curiosa. – Vou sair com o Leonardo! – exclamei em êxtase.

— Mais uma de suas paixonites, Sophie? – indagou, nada surpresa.

 

...

 

Expliquei todos os meus sentimentos para ela, sem pular nada. Minha madrinha não reagiu em apoio, mas também não me reprimiu, em parte por já ter conhecido Leonardo e por ter ouvido coisas ótimas a seu respeito – como o quanto era responsável e trabalhador – de Sandra, mãe de Gabriel e tia do meu interesse amoroso, e também por ter certeza de que não duraria muito. A história sobre minhas paixões é uma história conhecida por toda família; minha irmã mais velha, a principal confidente de todo mundo, faz questão de contar as minhas experiências com riqueza nos detalhas em todo natal.

Acabei chegando trinta minutos atrasada ao esconderijo caindo aos pedaços. Imediatamente minha memória voltou para semana passada, fazendo-me rir antes de passar pela porta. Felizmente hoje não estavam enfiados em alguma briga com outra gangue.

Encostei minha mão na maçaneta dourada, mas não a girei. As vozes do outro lado me surpreenderam. O falatório estava tão alto que não reconheci nenhum dos escandalosos. Franzi o cenho enquanto pensava o que poderia estar acontecendo. A princípio a ideia de ser uma grande discussão passou pela minha cabeça, porém as risadas altas logo em seguida erradicaram minha conclusão. Sem querer atrasar ainda mais, empurrei a porta de madeira, curiosa, afastando meu cenho franzido e trazendo um sorriso.

O ranger altíssimo dedurou minha entrada para todas aquelas pessoas. Muitas pessoas. Pessoas demais. E todos ficaram quietos observando uma suposta estranha invadir o território. A pequena sala está suportando mais ou menos vinte homens, e todos com uma característica em comum: olhavam-me com a sobrancelha franzida. Eu não sabia em quem mantinha o olhar. Homens altos, baixos, calvos, cabelos cumpridos, alguns bem magros e outros acima do peso, de todos os jeitos. Todos os homens pareciam prontos para me expulsar se ousasse a me mexer.

— Olha só quem resolveu aparecer. – imediatamente reconheci a voz cantarolada. O corpo musculoso, a pele negra e os cabelos perfeitamente arrumados cortavam a roda de homens desconhecidos. – O que a traz aqui, querida Sophie? – indagou Jô, ostentando seus dentes brancos.

Pelo menos agora sei que não entrei no lugar errado ou que a casa foi alugada por novos inquilinos. Não que pessoas normais queiram viver neste lugar caindo aos pedaços.

— Vim buscar o Leo. – joguei a cabeça para o lado, confusa. Ele não poderia ter se esquecido, não depois de eu lembra-lo duas vezes por dia, no mínimo.

Assim que proferi o seu apelido todos ali me olharam surpresos e ainda mais confusos que eu. Logo estranhei a reação daquele bando de homens ameaçadores. Em poucos segundos os olhares duvidosos tornaram-se furiosos, fuzilando-me. Agora sim estavam prontos para me atacar.

— Quem é esta insolente, Jô? – questionou um dos homens mais magros, furioso. Seu corpo amendoado era alto e esguio. Os traços indígenas estavam espalhados por toda sua face, seus olhos levemente puxados e a boca cuidadosamente desenhada. Seus fios lisos negros escorriam pela testa espaçosa.

— Deveríamos expulsá-la. – interviu um homem completamente o oposto do outro. O grandalhão tinha a pele caucasiana repleta de músculos, pronto para competir com o Leo Stronda. Sua calvície é escondida por tatuagens. Ponto para ele, pois deve ter doido pra caralho tatuagens alí.

Em meio a suspiros, Jô resolveu responder a pergunta. – Sophie é conhecida, certo, Gigante? – a figura tímida apareceu ao lado do Jô, assentindo, sem olhar em meus olhos. – Viram? – os homens ainda estavam receosos, mas a intensa raiva pareceu dar uma trégua. – Vamos, entre. – aproximou-se de mim com o seu andar rigoroso e segurou uma das minhas mãos enquanto a outra fechou a porta atrás da gente.

Jô me guiou até o sofá comprido, posicionado no meio dos outros dois menores. Expulsou um dos homens dali e me pôs sentada com a maior delicadeza do mundo, como se eu estivesse prestes a quebrar, o que era estranho, já que presenciou a cena quando expulsei o homem desconhecido semana passada com uma barra de ferro. O silêncio ainda persistia, ninguém parecia querer voltar a conversa escandalosa de antes.

— Você terá que esperar um pouco para falar com o chefe. – o corajoso Jô resolveu cortar o sufocante silêncio. – Ele está tendo um conversa importante no andar de cima. – Uma conversa importante com toda aquela barulheira? Uau.

Concordei, sem escolha. Talvez ele tenha começado a conversa por causa do meu atraso. Joguei meu corpo para o encosto e coloquei os braços cruzados atrás da cabeça, relaxando no sofá velho com um cheiro estranho. Os olhares já não me incomodavam mais.

Iniciei uma conversa com Jô e com o Gigante, que só respondia com um aceno. Jô, como sempre, me deixava falar sem interromper. Às vezes fazia um breve comentário, mas parecia mais atento as minhas falas. Os homens voltaram às conversas, entretanto bem mais reservados, sem que eu pudesse escutar alguma coisa.

Por fim, quando não tinha mais nada para comentar com ele, deixei-me vencer pela curiosidade. – Quem são todos esses caras? – indaguei olhando em volta.

— Ora, eles são parte do Rubro. – pousei o olhar em seus olhos negros, sem fazer a menor ideia do que isso significava.

— E o que é Rubro? – Jô se demonstrou perplexo, como se isso fosse a coisa mais óbvia.

— Alvorecer Rubro. – mantive o olhar. – Nós. – sinalizou com o indicador em círculos e as sobrancelhas arqueadas.

Nunca passou pela minha cabeça do grupo ter um nome, apesar de ser algo lógico. Em algum lugar na minha cabeça eu mantinha a esperança da gangue ser um passatempo, algo pequeno, usado para coisas fúteis, mas vendo todos estes homens reunidos parece que é realmente algo bem sério. No que você anda se metendo, Leonardo?, pensei. E por que não em mim?, completei, choramingando mentalmente.

— Este nome não é nada ameaçador, hein? – completei, rindo. Precisava aceitar a realidade.

— Não é ameaçador para quem não conhece. – Gigante resolveu abrir a boca pela primeira vez na conversar. Sua voz estava sem simpatia. Ele levou minha brincadeira a sério.

Virei minha cabeça para o lado esquerdo, onde ele estava sentado. Sua expressão estava dura, o que nunca presenciei por conta da sua constante timidez. Seus olhos castanhos claros permanecem fixos nos meus, sequer piscavam. Não fazia a menor ideia do quanto ele prezava por este lugar.

— A minha intenção não foi ofender. – expliquei, sem desmanchar a animação.

Depois da minha fala ele relaxou a expressão, soltando o ar que havia prendido. Seus olhos já desviram dos meus. Um rubor preencheu as suas duas bochechas, consequência de ter se livrado da timidez por pouco tempo. Quem diria que o Gigante teria um lado frio?

Voltei a virar para Jô a fim de continuar nossa conversa, mas a porta da frente foi aberta subitamente, desviando a atenção de todos os presentes. A figura baixinha atravessou a porta com dificuldade por conta das várias sacolas de supermercado que carregava em ambos os braços. Parecendo acostumado, fechou a porta com os pés, resultando em um barulho estrondoso.

— Pela milionésima vez, Pedro, você vai quebrar a porta deste jeito! – gritou Jô, liberando um suspiro.

Pedro levantou a cabeça para procurar o dono da advertência, correndo o olhar por todos. Assim que abriu os lábios finos para protestar, seus olhos verdes caíram sob mim. Sua tranquilidade foi substituída por um estresse absurdo.

— O que esta daí está fazendo aqui outra vez? – cuspiu as palavras enquanto me fitava no meio da sala ainda com as compras nas mãos.

Jô estava pronto para repreendê-lo novamente, porém fui mais rápida. – É assim que você trata as visitas? – aumentei o sorriso, satisfeita por tê-lo deixado mais nervoso.

Pedro soltou um muxoxo e passou por nós em direção à cozinha, nada feliz. Apenas me ver aqui foi o suficiente para acabar com a sua paz, o que não fazia o menor sentido. Até hoje não fui capaz de entender o porquê de toda sua ira contra mim.

Quando a poeira abaixou Jô e eu voltamos a conversar, igual todos os outros homens. Ainda curiosa sobre a gangue, resolvi perguntar mais coisas. O interesse sobre o ataque da semana passada tornou-se assunto da conversa.

— Aqueles senhores resolveram nos atacar de surpresa. – desta vez era minha hora de não interromper. – Eles fazem parte da Noite Prateada, uma gangue que é nossa rival deste quando eu me ingressei. O símbolo deles é um lobo uivando para uma lua enorme. – no mesmo instante lembrei-me do grandalhão que enfrentei na primeira vez que encontrei Leonardo brigando, há algum tempo. O carrancudo tinha uma tatuagem no braço com essa mesma característica. – Os Pratas é um grupo sorrateiro e especialistas em estratégias de cerco, mas nunca haviam feito um ataque tão baixo. – sua frustação era visível. – Olhe, – apontou com a cabeça para um círculo com cinco homens que conversavam entre si. – até hoje estão feridos. – bandagens e curativos estavam espalhados pelos seus corpos.

Toda esta história de gangue está ficando séria. Séria até demais.

— Existem muitas gangues por aí?

— Você realmente não sabe de nada, não é? – concluiu com um sorriso leve. Devolvi com um resmungo. – Sim, existem algumas por aí. – arqueei as sobrancelhas, entregando-me a curiosidade. – Os Natureza Púrpura, Instintos Índigos, Reis de Ouros, Ideal Níveo junto com a Noite Prateada são os mais fortes da cidade, os únicos que ganham algum destaque. Isto é, claro, sem contar conosco. – exibiu um sorriso orgulhoso. – Apesar de sermos um grupo pequeno, nossa fama corre por todos os cantos. – se vinte pessoas é considerado pequeno, não quero saber quantos devem ter o maior deles.

Parece que eu estava fazendo parte de Durarara* ou de K* com essas gangues com cores no nome.

— Devo admitir que Reis de Ouros é um ótimo trocadilho. – comentei, caindo na gargalhada.

— Isso é porque você não conhece o chefe deles. Nossa, que cara deselegante. Toda frase tem uma piadinha sem graça. – seus olhos estreitaram, relembrando do líder. Senti uma enorme vontade de conhecê-lo. Pessoas engraçadas não podem ser tão cruéis assim.

— O que vocês fazem? – continuei, aproveitando a ótima oportunidade de sanar todas as minhas dúvidas que Leonardo se recusou a responder.

— Nós, do Alvorecer Rubro, somos responsáveis por segurar as rédeas deste povo que extrapola na violência. – ajeitou o corpo que deslizava pelo sofá. – Somos praticamente protetores dos indefesos. – sua risada me fez acompanha-lo. Inundamos a sala com as gargalhadas.

Jô também me explicou que o Alvorecer Rubro e os Reis de Ouros são amigáveis entre si. Ambos tem os mesmos problemas com a Noite Prateada, mas os Ouros lidam melhor pela enorme quantidade de membros no extenso galpão que se reúnem.  Entretanto, para compensar o bom relacionamento entre os Ouros e os Rubros, os Instintos Índigos e a Natureza Púrpura não são nada amigáveis. Jô comentou que eles não aceitaram muito bem quando eles tiveram que lidar com alguns homens destas gangues que estavam provocando algazarras no ano passado. São rudes e fingem ignorar a existência do Alvorecer Rubro. Ideal Níveo, entretanto, é um mistério. Não se aliam com ninguém e também não provocam brigas. Sequer sabem por quem são liderados.

— Agora a pergunta que não quer se calar. – Jô arqueou as sobrancelhas. – Por que não tem nenhuma mulher aqui? – perguntei sorridente, mas isto é algo que realmente me incomodou.

— Porque mulheres não servem para brigar, já que quebram atoa. – Pedro, que havia acabado de sair da cozinha, invadiu a conversa com o típico escárnio na voz ao dirigir-se a mim.

Ah, ele não disse isso. Sem perder a paciência, entretanto, virei a cabeça para trás, achando o culpado pela veia saltitante na minha cabeça.

— Não é você que vive me pedindo uma luta? – minha falta de demonstração de raiva pareceu irrita-lo ainda mais.

De soslaio percebi os homens parando de conversar para observar o nosso desentendimento, entretidos. Pedro estava com as sobrancelhas tão franzidas que os volumes da sua testa triplicaram.

— Eu insisto para te assustar e você largar esta merda de ideia de voltar aqui. – cuspiu as palavras, convicto de que estava fazendo o certo.

— Me assustar? – apoiei as mãos nos joelhos e levantei do sofá baixo. Caminhei firme para trás dele, parando na frente do rapaz que era dois centímetros mais altos. Os homens acompanhando todos os meus passos. – Você acha que é capaz de ganhar de mim? – estiquei o pescoço para frente e coloquei as mãos na cintura, intimidando-o. Nossos narizes estavam por pouco se encostando.

Jô imediatamente se levantou e me seguiu. Tentava me afastar com as mãos em meus ombros, mas eu estava firme ali, esperando uma resposta. Suas palavras passam por meus ouvidos sem que sejam compreendidas.

Como se fosse possível, as sobrancelhas de Pedro franziram ainda mais.

— Lugar de mulher não é em brigas.

— E quem te nomeou para decidir o lugar das mulheres? – o meu extenso sorriso diminuiu, entretanto ainda estava ali. Me controlar para não gritar com ele estava sendo uma tarefa difícil.

— Isto é algo natural. – alterou a voz, deixando a raiva vencer. – Vocês precisam ficar cuidando da casa e do marido que chega cansado!

— Já chega. – desmanchei o sorriso de vez. – Cansei de tolerar esta merda que você acha lógica. – afastei meu corpo sem desviar meus olhos dos seus. – Vamos resolver isto do jeito clássico.

— Se eu vencer não quero vê-la nunca mais por aqui. – impôs, confiante. – Pode deixar que pegarei leve contigo. – abriu um meio sorriso que não combinava com sua raiva.

— Se eu vencer você me obedecerá até sua morte. – ele me olhou estreitando os olhos já pequenos. Pude ouvir o início de alguns cochichos atrás de mim. – Se você se acha tão bom, então não tem motivos para temer a aposta absurda, certo? – deixei a excitação da luta dominar meu corpo. – E pode deixar – imitei sua voz mais grossa. – que não pegarei leve com você. – alertei, firme.

Agora eu não precisava me preocupar por estar correndo risco de vida como da outra vez, quando pensei que Leonardo e eu havíamos sido sequestrados. Também tinha certeza que ninguém ali invadiria, então poderia me concentrar apenas nele e em sua velocidade incômoda.

Sinto muito, irmão, mas terei que quebrar nossa promessa. Eu voltarei a algo que estava tão acostumada. Brigas. Mostrarei para todos eles o que uma mulher pode fazer.


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Notas finais do capítulo

Durarara e K são animes cujo sistema das "gangues" - que não são chamados deste jeito - também são divididos por cores.

Sdds Durarara.
Sdds Izaya,
;~;